AGENDA CULTURAL

Espetáculo ‘Lady Tempestade’ estreia nova temporada no Teatro Poeira

Lady Tempestade, solo com Andrea Beltrão, dirigido por Yara de Novaes, abre a temporada 2025 do Teatro Poeira 
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A montagem, indicada em três categorias do Prêmio Shell, mergulha no diário de Mércia Albuquerque, advogada que se dedicou a defender presos políticos durante os anos de chumbo no Brasil

Passado, presente e futuro se embaralham em “Lady Tempestade”, espetáculo cuja dramaturgia parte dos diários da pernambucana Mércia Albuquerque (1934-2003), sobre sua atuação em defesa de centenas de presos/as políticos/as do Nordeste, principalmente entre 1973 e 1974, um dos períodos mais pesados da ditadura brasileira.
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Na trama escrita por Silvia Gomez e dirigida por Yara de Novaes, Andrea Beltrão interpreta A., mulher que recebe os diários de Mércia e fica impactada com o testemunho pela busca de justiça — ou, ao menos, o paradeiro de desaparecidos, a partir das súplicas de mães desesperadas — e com a narrativa repleta de violência e coragem.

Numa espécie de “diário dentro do diário”, A. encara o dilema de se envolver com aquela história, mas acaba mergulhando nela. Aos poucos, vai revelando uma personagem feminina importante, que começa a ser reconhecida a partir da publicação de suas memórias em livro, em 2023.
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“Mércia dizia que era uma contadora de histórias de pessoas que reconstruíram a liberdade. Eu sou uma contadora de histórias. Eu acredito que contar histórias é uma maneira amorosa de pensarmos juntos no nosso passado, nosso presente e nosso futuro. Contar histórias amorosamente, para nunca esquecer. Para tentarmos responder às perguntas que nos fazemos aqui e agora”, explica Andrea.
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A opção de levar essa história aos palcos veio, por coincidência, após seu monólogo “Antígona”, montagem sobre o clássico de Sófocles em que a protagonista enfrenta a ordem do rei Creonte para deixar seu irmão, que lutou na guerra, insepulto. Andrea levou o prêmio APCA de melhor atriz pela peça, que se desdobrou também em livro e no filme “Antígona 442 a.C”. Agora, retoma o tema da luta por justiça, e pelo sepultamento digno de entes queridos, em “Lady Tempestade”.

Ao fazer paralelos com o tempo presente — com direito a um desabafo verídico, em áudio, de uma mãe que teve o filho assassinado pela polícia em 2022 —, A. envolve a plateia numa questão angustiante, mas provocadora: se não dá para “desver”, o que podemos fazer com isso?
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Com a dúvida se transformando em parte do enredo, foi natural para Silvia Gomez adotar uma ideia dada por Yara: narrar a história como se fosse o diário de A. lendo o diário de Mércia. “A personagem da Andrea diz: queria fingir que não tinha recebido aquilo, mas não era mais possível. Eram coisas semi-desaparecidas e não são mais. Então, para que futuro vamos após ouvir as palavras de Mércia?”, indaga a autora.

Não à toa, uma frase é repetida algumas vezes no texto, após a leitura de trechos dramáticos do diário de Mércia: “Essas coisas acontecem, aconteceram, acontecerão”. Silvia desenvolve: “Alguém do presente, como nós, recebe uma convocação do passado. De repente, na escrita, o tempo verbal tornou-se arisco: às vezes no passado, às vezes no presente, às vezes no futuro. Como se a forma pedida pela obra nos lembrasse que o Brasil é reincidente no esquecimento de sua história, tantas vezes parecida com uma cena em looping de terror”.

Monólogo ‘Lady Tempestade’, com Andrea Beltrão – foto: Felipe Ovelha

1985 – 2025: 40 anos da redemocratização brasileira
Yara e Andrea buscavam um texto para trabalharem juntas, sem tema pré-definido. A diretora de “Lady Tempestade” tinha participado como atriz, há pouco tempo, do elenco de “Zé”, filme de Rafael Conde sobre o militante mineiro José Carlos Novaes da Mata Machado, assassinado no DOI-CODI do Recife em 1973. Ali, soube da existência de Mércia, porque foi a advogada que conseguiu localizar o corpo da vítima, promover a exumação e a transferência para Belo Horizonte.
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Ao pesquisar sobre a história de Mércia, Yara chegou a Roberto Monte, que dirige o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, no Rio Grande do Norte. Foi a ele que Octávio, marido da advogada, confiou os arquivos após a morte dela, em 2003. Além dos diários, há cartas e processos no acervo. Citado na peça como R., a pessoa que envia a encomenda para A., na vida real Monte de fato mandou os escritos da pernambucana para Yara e Andrea antes mesmo de publicá-los, em meados de 2023, no livro “Diários de Mércia Albuquerque: 1973-1974” (editora Potiguariana).
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“Foi um susto”, conta Yara, ao lembrar da reação ao receber e ler o diário. Em seguida, elas tiveram acesso também a uma entrevista em áudio de Mércia para Samarone Lima, autor da reportagem biográfica “Zé: José Carlos Novaes da Mata Machado”, que inspirou o filme de Rafael Conde.

Diário e entrevista alimentaram a narrativa que ganhou o palco do Teatro Poeira no ano em que o golpe civil-militar completou seis décadas. Não faltam histórias impressionantes. Mércia foi presa 12 vezes — em uma delas, estava sozinha em casa com seu bebê, e mandou uma mensagem em uma garrafa, presa numa cordinha, para a vizinha de baixo, pedindo para ela cuidar da criança enquanto ela não fosse liberada pelos “gafanhotos” (uma das alcunhas que usava para chamar os militares). A “virada da heroína” acontece, nas palavras de Silvia Gomez, quando Mércia vê o militante Gregório Bezerra ser torturado no meio da rua, em 1964. Recém-formada em Direito, ela chegou em casa e comunicou ao marido que iria defender aquele homem e quem mais precisasse.
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Mesmo tendo defendido mais de 500 pessoas e ser considerada a maior advogada nordestina de presos políticos durante a ditadura militar, Mércia ainda é pouco lembrada. “Isso chama a atenção pois, de modo geral, tantos homens são reverenciados com nome e sobrenome por seus feitos heroicos”, observa Silvia. “O sistema trabalha muito bem para certos nomes serem apagados.”

A partir dessa ideia de uma atuação heroica, a seu modo, e de uma frase de Mércia em que ela se compara à mãe — “minha mãe é bonança, eu não, sou tempestade” —, surgiu o apelido que deu nome ao espetáculo. “As pessoas que entrevistamos disseram que ela tinha um olhar muito forte, olhar de relâmpago”, conta Silvia, que escreveu o texto também inspirada por conversas com mulheres como a jornalista e prima de Mércia, Eliane Aquino, a juíza Andrea Pachá e a escritora e ensaísta Helena Vieira e por canções de artistas como Ceumar, Linn da Quebrada, Beyoncé, Kae Tempest. “Usar o nome Lady Tempestade foi uma maneira de trazer Mércia para o presente pois é aqui que ela nos confronta com o futuro.”
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Em 2025, comemoramos os 40 anos da redemocratização do Brasil, portanto, é fundamental que contemos a história desta mulher que deixou um legado imenso sobre o valor inegociável das liberdades e da democracia.

Monólogo ‘Lady Tempestade’, com Andrea Beltrão – foto: Nana Moraes

SINOPSE
Numa madrugada estranha, uma mulher atende a um telefonema que mudará sua rotina: a voz de um homem desconhecido avisa que ela receberá pelo correio os manuscritos do diário da advogada pernambucana Mércia Albuquerque, defensora de presos políticos durante a ditadura civil-militar brasileira. Uma mulher, aparentemente comum, que salvou a vida de muita gente. Numa jornada de reflexão e encontro com histórias escondidas da nossa própria história, a dramaturgia explora o espaço de invenção entre o documento e a ficção e a colisão entre o passado e o presente para pensar o futuro.

Monólogo ‘Lady Tempestade’, com Andrea Beltrão – foto: Felipe Ovelha

FICHA TÉCNICA
Monólogo ‘Lady Tempestade’: com Andréa Beltrão | Direção: Yara de Novaes | Dramaturgia: Silvia Gomez | Cenografia: Dina Salem Levy | Desenho de luz: Sarah Salgado e Ricardo Vívian | Criação e operação de trilha sonora: Chico Beltrão | Desenho de som: Arthur Ferreira | Figurinos: Marie Salles | Assistente de direção: Murillo Basso | Assistente de cenografia: Alice Cruz | Assistentes de som: Caniggia e João Mattos | Operador de luz: Walace Furtado | Contrarregra: Nivaldo Vieira | Cenotécnico: Riquinho | Pintura de arte e montagem: Antônio Lima | Assistente de montagem: Nivaldo Vieira, Márcio Rodrigues, Iuri Wander e Bruno Oliveira | Montagem de luz: Guiga Ensa e Victor Tavares | Produção de figurinos: Fernando Átila | Costureiras: Marki Aragão e Lita Assis | Fotografia: Nana Moraes | Fotografia de cena: Nana Moraes e Felipe Ovelha | Vídeos: Gil Tuchtenhagen | Projeto gráfico: Fabio Arruda e Rodrigo Bleque Cubículo | Assessoria de comunicação: Vanessa Cardoso / Factoria Comunicação | Assessoria de imprensa: Daniella Cavalcanti | Administração do perfil de Andrea Beltrão (instagram): Rosa Beltrão | Gestão de performance: Lead Performance | Produção: Quintal Produções | Diretora geral: Verônica Prates | Coordenadora de projetos: Valencia Losada | Produtora executiva: Camila Camuso | Assistente de produção: Dandara Lima | Realização: Boa Vida e Quintal Produções

Monólogo ‘Lady Tempestade’, com Andrea Beltrão – foto: Felipe Ovelha

SERVIÇO
Espetáculo: Lady Tempestade
Temporada: 9 de janeiro a 27 de abril de 2025
Dias/horários: Quinta, sexta e Sábado às 20:00hs / Domingo às 19:00hs
Onde: Teatro Poeira
Endereço: Rua São João Batista, 104, Rio de Janeiro/RJ
Capacidade do teatro: 171 espectadores
Ingressos entre R$ 60,00 e R$ 120,00
Compras online sympla: clique aqui
Ou na Bilheteria do Teatro Poeira
Horário de funcionamento da bilheteria (Terça a Sábado de 15:00hs as 20:00hs / e Domingo, 15:00hs as 19:00hs) / Tel.: 25378053
Duração: 70 min
Classificação indicativa: 12 anos
* Não será permitida a entrada após o início do Espetáculo

Monólogo ‘Lady Tempestade’, com Andrea BeltrÃo – foto: Nana Moraes

Andrea Beltrão é atriz e produtora
Sua carreira profissional começou nos anos 1980, em produções de teatro, cinema e TV. Após participações pontuais em novelas, sua primeira personagem fixa neste tipo de produção foi em ‘Corpo a corpo’, em 1984, e no ano seguinte ganhou popularidade vivendo a Zelda, da série “Armação ilimitada”. Fez ainda as novelas “Rainha da sucata” (1990), “Mulheres de areia” (1993), “A viagem” (1994), entre outras. Por 7 anos participou da série ‘A Grande Família’ e por 4 protagonizou ‘Tapas & Beijos’ ao lado de Fernanda Torres. Participou de diversas produções no cinema, como o longa “Bete Balanço”, de 1984. Mais recentemente viveu Hebe Camargo no filme ‘Hebe: A Estrela do Brasil’ (2019). Ao lado de Marieta Severo, é sócia do Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, onde encenou, recentemente, as peças “Antígona” e “O espectador”. Em 2024, estará no elenco de “No rancho fundo”, novela das 18h da TV Globo.

Yara de Novaes é atriz, diretora e professora de teatro
Recebeu vários prêmios por suas atuações e direções, entre eles, APCA, Prêmio Shell, Questão de Crítica, APTR, Aplauso Brasil e Fundacen. Em 2005, formou o grupo 3 de Teatro com Débora Falabella e Gabriel Paiva. Dirigiu diversos espetáculos, como “Tio Vania”, de Anton Tchécov (com o Grupo Galpão); “Caminho para Meca”, de Athol Fugard (com Cleyde Yaconis); além de “A serpente”, de Nelson Rodrigues, “A Ira de Narciso”, de Sérgio Branco; “O Capote”, de Nicolai Gógol; e, mais recentemente, “Mãos Trêmulas”, de Victor Nóvoa, e “Teoria King Kong”, de Virginie Despentes.

Silvia Gomez é jornalista, dramaturga e roteirista
Autora das peças teatrais “Mantenha fora do alcance do bebê” (prêmios APCA e Aplauso Brasil de dramaturgia, em 2015), “Neste mundo louco, nesta noite brilhante” (indicação ao Prêmio Shell, em 2019) e “A Árvore” (Editora Cobogó), entre outras. Suas peças foram traduzidas para o alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, mandarim e sueco, tendo sido encenadas e lidas em países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Escócia, Espanha, Inglaterra, México e Portugal. Desde 2017, dá aulas de dramaturgia e é atualmente mestranda em Artes Cênicas pela USP.

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