Os esquentados, os passionais e os ciumentos correm grandes riscos com a comunicação imediata.
Podem acabar a relação por um SMS, um WhatsApp ou um email e não tem como pedir de volta as mensagens em caso de arrependimento.
E todos se arrependem: ou por uma palavra agressiva ou pelo tom debochado ou por não refletir um pouco mais.
Imbuídos do sentimento de vitimização e de injustiça, apelam para ataques frontais. No momento da raiva, jamais cogitam a hipótese do erro. Estão convictos de sua atitude porque não aguentam mais sofrer.
Curiosamente todos os grandes sofrimentos são gerados por alguém que não deseja mais sofrer.
Depois de enviar, é esperar o estrondo do outro lado. Não tem como cancelar a operação militar.
Esses sujeitos deveriam substituir a caixa de saída pela pasta rascunhos, com uma hibernação obrigatória de vinte e quatro horas.
Como não virá resposta da grosseria, o sujeito mudará de ideia ao longo do dia. E manda uma, duas, três mensagens diferentes, contemporizando o que disse, até pedir desculpa ao final, sem nenhum contra-argumento.
Ele usa as mensagens para pensar, não pensa antes das mensagens.
Passa a conversar sozinho, endoidecido, inventando o que sua companhia estaria respondendo se tivesse tempo de responder.
Ou seja, começa o dia cheio da razão e anoitece arrependido de sua cólera.
De louco fica sendo um chato. Só um chato briga sozinho, reata sozinho, chora sozinho e seca as lágrimas sozinho.
Certamente sua namorada ou seu namorado se verá com mais vontade de se separar. Afinal, louco tem seu charme, chato não.
No lugar da tecnologia, defendo os bilhetes escritos à mão. São superiores no trato amoroso, flexíveis.
Primeiramente, podem ser compreendidos errados, o que salva qualquer relacionamento. A dúvida é amor, a certeza é o fim.
Magda estava ansiosa para encerrar o namoro com Lucas. Moravam juntos há dois anos.
Deixou um bilhete na geladeira, preso com ímãs de melancia e foi trabalhar.
“Pode arrumar tuas coisas, não aguento mais. Não me espere para a janta.”
Quando Magda chegou em casa, estranhou o perfume de lavanda, a casa limpa, límpida, brilhante. Lucas entendeu que ela reclamava de sua bagunça e tratou de faxinar o apartamento. Guardou seus tênis e roupas espalhados, organizou os livros, criou caixas com seus pertences.
Ficaram juntos, evidente, pois Magda terminou envergonhada diante da incompreensão e faceira com a repentina mudança de comportamento.
Além de românticos e imprecisos, os bilhetes são naturalmente removíveis.
Vitor, por exemplo, decidiu pôr um ponto final em seu casamento de quatro anos com Elisabete.
Redigiu uma longa carta de despedida, explicando os motivos do desinteresse e a tristeza da ruptura, que não desejava magoá-la, mas não tinha jeito. Colocou o envelope em destaque em cima do tampo de vidro do fogão, e saiu para o serviço logo cedo.
Quando voltou para o almoço, disposto a reunir suas coisas, sua esposa não tinha ainda acordado, era folga dela e ele não sabia.
Ele releu o testamento e jogou fora.
Elisabete jamais soube do fim do casamento e permanece casada até hoje com Vitor.
O sono cura qualquer crise. Mesmo que seja o sono dos outros.
— Fabrício Carpinejar, crônica publicada originalmente na revista “Vida Breve”, em 9.7.2014.
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