Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor carioca, o “romancista da Primeira República”, como é hoje considerado, foi um crítico severo da vida nesse período, retratada com sarcasmo em sua obra. Nela, expôs a mediocridade da burguesia nascente e o cotidiano miserável nos subúrbios do Rio de Janeiro. Mulato de origem pobre, teve muitas dificuldades para publicar seus livros. O primeiro foi Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), lançado seis anos antes do clássico O triste fim de policarpo Quaresma (1915), sobre o destino tragicômico de um homem ingênuo e patriota em quixotesca luta contra a corrupção dos políticos.
TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA
Publicado originalmente em 52 folhetins do Jornal do Comércio – Rio de Janeiro/RJ, na edição da tarde, entre 11 de agosto a 19 de outubro de 1911. A edição em livro sai pela Typ. ‘Revista dos Tribunaes’, em 1915, a obra comprova a incompetência dos políticos brasileiros através dos tempos, o que lhe dá uma atualidade surpreendente e um caráter profético ao seu autor. Clássico da literatura brasileira, Triste fim de Policarpo Quaresma denuncia os males da sociedade brasileira da época (!): a burocracia das repartições públicas, o clientelismo, a bajulação, a injustiça social, o problema da terra, etc. Neste enredo surge um D. Quixote nacional, o Major Policarpo Quaresma. Visionário e patriota, o personagem encarna a luta pela grandeza do país. Um motivo mais do que suficiente para acabar muito mal…
“Saiu o major mais triste ainda do que vivera toda a vida. De todas as cousas tristes de ver, no mundo, a mais triste é a loucura; é a mais depressora e pungente.” – Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Brasiliense, 1956.
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“Desde os dezoito anos, que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem… Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada… O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas cousas de tupi, do folclore, das suas tentativas agrícolas… Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Brasiliense, 1956.
– trechos e frases não estão necessariamente na ordem cronológica da obra e tampouco são da mesma edição ou editora.
“Esse encerramento em si mesmo deu-lhe não sei que ar de estranho a tudo, às competições, às ambições, pois nada dessas coisas que fazem os ódios e as lutas tinha entrado no seu temperamento. Desinteressado de dinheiro, de glória e posição, vivendo numa reserva de sonho, adquirira a candura e a pureza d’alma que vão habitar esses homens de uma ideia fixa, os grandes estudiosos, os sábios, e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as donzelas das poesias de outras épocas. É raro encontrar homens assim, mas os que há e, quando se os encontra mesmo tocados de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser homem e mais esperança na felicidade da raça.”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Ática, 2002.
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“Quem uma vez esteve diante deste enigma indecifrável da nossa própria natureza, fica amedrontado, sentindo que o gérmen daquilo está depositado em nós e que por qualquer coisa ele nos invade, nos toma, nos esmaga e nos sepulta numa desesperadora compreensão inversa e absurda de nós mesmos, dos outros e do mundo. Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após. E essa mudança, não começa, não se sente quando começa e quase nunca acaba.”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Ática, 2002.
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“E enfim? A loucura declarada, a torva e irônica loucura que nos tira a nossa alma e põe uma outra, que nos rebaixa… Enfim, a loucura declarada, a exaltação do eu, a mania de não sair, de se dizer perseguido, de imaginar como inimigos, os amigos, os melhores. Como fora doloroso aquilo!”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Ática, 2002.
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“- É verdade, minha filha. Que magnífica idéia, tens tu! Há por ai tantas terras férteis sem emprego… A nossa terra tem os terrenos mais férteis do mundo… O milho pode dar até duas colheitas e quatrocentos por um…”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Brasiliense, 1956.
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“Mas, como é que ele tão sereno, tão lúcido, empregara sua vida, gastara o seu tempo, envelhecera atrás de tal quimera? Como é que não viu nitidamente a realidade, não a pressentiu logo e se deixou enganar por um falaz ídolo, absorver-se nele, dar-lhe em holocausto toda a sua existência? Foi o seu isolamento, o seu esquecimento de si mesmo; e assim é que ia para a cova, sem deixar traço seu, sem um filho, sem um amor, sem um beijo mais quente, sem nenhum mesmo, e sem sequer uma asneira!”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Brasiliense, 1956.
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“Brancos, pretos, mulatos, caboclos, gente de todas as cores e de todos os sentimentos, gente que se tinha metido em tal aventura pelo hábito de obedecer, gente inteiramente estranha à questão em debate, gente arrancada à força aos lares ou à calaçaria das ruas, pequeninos, tenros, ou que se haviam alistado por miséria; gente ignara, simples, às vezes cruel e perversa como crianças inconscientes; às vezes, boa e dócil como um cordeiro, mas enfim gente sem responsabilidade, sem anseio político, sem vontade própria…”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Penguin – Companhia das Letras, 2011.
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“Havia simples marinheiros; havia inferiores; havia escreventes e operários de bordo. Brancos, pretos, mulatos, caboclos, gente de todas as cores e todos os sentimentos, gente que se tinha metido em tal aventura pelo hábito de obedecer.”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Penguin – Companhia das Letras, 2011.
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“De todas as coisas tristes de ver, no mundo, a mais triste é a loucura; é a mais depressora e pungente.”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Penguin – Companhia das Letras, 2011.
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“Além do que, penso que todo este meu sacrifício tem sido inútil. Tudo o que nele pus de pensamento não foi atingido, e o sangue que derramei, e o sofrimento que vou sofrer toda a vida, foram empregados, foram gastos, foram estragados, foram vilipendiados e desmoralizados em prol de uma tolice política qualquer… Ninguém compreende o que quero, ninguém deseja penetrar e sentir; passo por doido, tolo, maníaco e a vida se vai
fazendo inexoravelmente com sua brutalidade e fealdade”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Companhia Editora Nacional, 2004.
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“Aborrecia-se com o rival, por dois fatos: primeiro, por ser preto; e segundo, por causa das suas teorias. Não é que ele tivesse ojeriza particular aos pretos. O que ele via no fato de haver um preto famoso tocar violão, era que tal coisa ia diminuir ainda mais o prestígio do instrumento. Se o seu rival tocasse piano e por isso ficasse célebre, não havia mal algum; ao contrário, o talento do rapaz levantava a sua pessoa, por intermédio do instrumento considerado; mas tocando violão, era o inverso, o preconceito que lhe cercava a pessoa desvalorizava o misterioso violão que ele tanto estimava. E além disso com aquelas teorias! Ora! querer que a modinha diga alguma coisa e tenha versos certos! Que tolice!”
– Lima Barreto, no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Ática, 1997.
:: O triste fim de Policarpo Quaresma. Lima Barreto (romance). Biblioteca Nacional. Disponível no link. (acessado em 12.5.2021).
:: Triste fim de Policarpo Quaresma. e ‘outros textos*’. Lima Barreto (romance). Rio de Janeiro: Typ. ‘Revista dos Tribunaes’, 1ª ed., 1915. {*contém outros 7 textos, os contos: ‘Um especialista’ – ‘O filho da Gabriela’ – ‘A Nova Califórnia’ – ‘O homem que sabia javanês’ – ‘Um e outro’ – ‘Miss Edith e seu tio’ e ‘Como o “homem” chegou’}. Disponível online no link e link. (acessado em 12.7.2021).
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