Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.
(12-4-1919)
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). – 79. [1ª publ. in “Poemas Inconjuntos”. In Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925].
Origem das festas juninas
Antes de se tornar uma festa em comemoração vinculada aos santos do catolicismo, as celebrações no mês de junho já eram realizadas muitos antes da era cristã.
O solstício de verão no hemisfério norte ocorre em 21 ou 22 de junho, quando temos o dia mais comprido e a noite mais curta do ano. Os povos antigos, incluindo as civilizações gregas, egípcias e celtas, comemoravam essa passagem do calendário. Regadas com o calor do fogo e muita bebida e comida, eram celebrações à fertilidade e também para rogar aos seus deuses para que eles trouxessem fartura nas próximas colheitas.
Com a evangelização da Europa na Idade Média, o ritual pagão foi incorporado ao calendário cristão e ganhou um cunho religioso. Isso ocorreu, basicamente, por dois motivos: para facilitar a catequese dos pagãos e esvaziar ideologicamente suas comemorações.
Não é por acaso que as comemorações cristãs possuem relação com as principais passagens de tempo. É o caso da Páscoa (que ocorre no primeiro domingo de lua cheia após o equinócio da primavera no hemisfério norte), o nascimento de Jesus (atribuído ao dia 25 de dezembro, logo após o solstício de inverno no hemisfério norte) e o dia de São João (dia 24 de junho, logo após o solstício de verão no hemisfério norte).
Em Portugal, a Igreja dedicou o mês de junho à celebração dos seus santos populares. Santo Antônio de Lisboa (ou Santo Antônio de Pádua) é comemorado no dia 13 de junho, São João Batista em 24 de junho, e São Pedro em 29 de junho.
Essa mistura entre festas cristãs de santos e folguedos pagãos recriam até hoje novas práticas culturais. Os rituais foram trazidos principalmente por portugueses ao Brasil colonial; mas houve a contribuição dos espanhóis, holandeses e franceses, o que deu origem a diversos tipos de celebrações nas diferentes regiões do país. Aqui, elas foram associadas aos rituais do solstício de inverno que também eram comemorados pelos povos existentes com muita festa e comida. A miscigenação étnica entre índios, africanos e europeus fez brotar no país uma série de belas expressões artísticas, como cantorias de viola e cordéis; emboladas de coco e cirandas; xote, xaxado e baião, sem falar nas quadrilhas e forrós.
Comidas típicas
Uma das principais atrações das festas juninas é a culinária típica. Como o mês de junho é tempo da colheita do milho no Brasil, os pratos mais comuns durante os festejos de junho são feitas a partir do grão. Além de servir para o consumo sendo cozido, assado e frito, o milho pode é usado como base para inúmeros pratos, como curau, canjica, pamonha, pipoca, cuscuz, bolo, entre outros.
Além desses alimentos, as festas juninas são marcadas por um cardápio variado e com tradições que remontam ao interior do país: arroz doce, amendoim, paçoca, pinhão, broa de fubá, cocada, pé de moleque, quentão, batata doce assada, mané pelado (bolo de mandioca e queijo) e maçã do amor.
A quadrilha
A quadrilha, dança típica das festas juninas brasileiras, é carregada de referências caipiras e matutas. Mas sua origem vem de muito longe. A “quadrille” surgiu em Paris, no século XVIII, como uma dança de salão composta por quatro casais. Era dançada pela elite europeia e veio para o Brasil durante o período da Regência (por volta de 1830), onde era febre no ambiente aristocrático.
Da Corte carioca, a quadrilha acabou caindo no gosto do povo. Ao longo do século XIX, a dança se popularizou no Brasil e se fundiu com manifestações brasileiras preexistentes. “O brasileiro é um povo muito criativo e criou a forma estilizada de dançar a dança dos nobres”, opina a arte-educadora Lucinaide Pinheiro. A partir daí, diversas evoluções foram sendo incorporadas à quadrilha, entre elas o aumento do número de pares dançantes e o abandono de passos e ritmos franceses. As músicas e o casamento caipira que antecede a dança, também foram novidades incorporadas ao longo dos anos.
Um dos resquícios franceses na dança são os comandos proferidos pelo marcador da quadrilha. Escolhido, geralmente, entre os mais experientes do grupo, seu papel é anunciar os próximos passos da coreografia. O abrasileiramento de termos franceses deram origem, por exemplo, ao saruê (Soirée – reunião social noturna, ordem para todos se juntarem no centro do salão), anarriê (en arrière – para trás) e anavã (en avant – para frente).
– Fonte:Biblioteca Virtual Governo do Estado de São Paulo | EBC Agência.
BREVE ANTOLOGIA POÉTICA – FESTAS JUNINAS E NOITE DE SÃO JOÃO
A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO
Meu São João, meu São Joãozinho!
Quanto amô, quanto carinho,
Quanto afiado e padrinho
Nesta terra brasilêra
Não tem a gente arranjado,
No quilaro abençoado,
Tão belo e tão respeitado,
Da sua foguêra.
Meu querido e nobre santo,
Que a gente qué e ama tanto,
Sua foguêra é o encanto
Da gente do meu sertão.
Não pode sê carculada
A porva que vai queimada
Nessas noite festejada
Da foguêra de São João.
Quantos véio bacamarte
Virge, que nunca fez arte,
Não tão guardado de parte,
Com amô e devoção,
Mode o povo sertanejo
Com eles fazê trovejo,
No mais alegre festejo
Da foguêra de São João!
Pois quarqué arma ferina,
Bacamarte ou lazarina,
Já criminosa, assarsina,
Como é a do caçadô,
Não tem a capacidade
De atirá com liberdade
Na santa quilaridade
Desta foguêra de amô.
Meu São João! Meu bom São João!
Santo do meu coração,
Repare e preste tenção
Quanto é lindo o seu festejo.
Repare lá do infinito
Como isto tudo é bonito,
Sempre digo e tenho dito
Que o senhor é sertanejo!
O homem pode sê ruim
E tê mardade sem fim,
Vivê da intriga e moitim,
Socado na perdição,
Mas a farta mais grossêra,
Mais e feia e mais agorêra,
É de quem não faz foguêra
Na noite de São João.
No mundo tem tanta gente
Véia, já quage demente,
Que não sente o que nós sente
E desfruita por aqui,
Gente sem gosto e sem sorte,
Que já vai perto da morte,
Sem vê um São João do Norte,
Nas terras deste Brasí.
Quem veve lá na cidade
Não conhece de verdade
A maió felicidade,
Três cabôco empareiado,
Com seus bacamarte armado
Dá três tiro encarriado:
— Pei! Pei! Pei! Viva São João!
E o foguete e o buscapé,
E o traque faz rapapé,
Arvoroçando as muié,
Quando elas vai sê madrinha,
E a contente criançada,
Na mais doce gargaiada,
Vai puxando uma toada,
Brincando de cirandinha.
Nesta noite alegre e rica
O prazê se mutiprica,
Na latada de oiticida
Tudo dança com despacho.
O véio Jirome Guéde,
Que sacrifiço não mede,
Toca o que o povo lhe pede
Numa armonca de oito baxo.
Meu São João! Meu bom São João!
Chuvinha, tiro e balão
Nós lhe manda do sertão,
Do nosso grande país,
Damo viva a toda hora
Quando o bacamarte estora,
Dos santo lá da Gulora
O senhô é o mais feliz!
A cinza santa e sagrada
De sua foguêra amada,
Com fé no peito guardada
Quem tira um pôquinho dela
Despois que se apaga a brasa
E bota em roda da casa,
Na vida nunca se atrasa,
Se defende das mazela.
É tão grande, é tão imensa
A minha fé e minha crença,
Que se Deus me dé licença,
Quando eu morrê, vou levá
Grosso fêcho de madêra
De angico e de catinguêra,
Pra fazê uma foguêra
Lá no céu, quando eu chegá.
– Patativa do Assaré, em “Melhores poemas. [seleção e prefácio Cláudio Portella]. Editora Global, 2006.
§
A noite de São João
Agora onde as colinas de Languedoc estão azuis com vinhedos
Nadando para as margens dos baixos cumes castanhos como conchas,
Um milhar de vilarejos começam a nomear a tua noite com fogueiras.
As chamas que acordam tão grandes como a fé,
Abrindo seus olhos ferozes e inocentes de colina em colina
No anoitecer de meados do verão,
Ardem nas eternas encruzilhadas
Estas suas fogueiras pagãs e convertidas.
E os feixes escuros da formosa colheita de verão
Levantam-se nos campos profundos
Onde há dois mil anos, São João,
Tuas fogueiras são jovens entre nós;
Elas gritam, lá, como o teu testemunho no deserto,
Pelos olivais cinzas,
Pelas encruzilhadas das estradas dos vinhedos
Onde uma vez os feixes de trigo choraram sangue
Alertando para as foices dos maniqueístas.
E nos nossos corações, aqui, em outra nação
Está pronta a tua profunda noite de meados do verão.
É uma noite de outras fogueiras,
Em que todos os pensamentos, todos os destroços do mundo barulhento
Nadam para fora do conhecimento como folhas vivas ou como fumaça sobre as piscinas de vento.
Oh, ouve essa escuridão, ouve essa escuridão profunda,
Ouve esses mares de escuridão em cujas margens nós estamos e morremos.
Agora podemos ter a ti, paz, agora podemos dormir em tua vontade, doce Deus da paz?
Agora podemos ter a Tua Palavra e nela repousar?
Profeta e eremita, grande João Batista,
Tu que nos trouxeste para a soleira do teu deserto,
Tu que conquistaste para nós
O primeiro tênue sabor do abandono do mundo:
Quando poderemos comer as coisas que mal provamos?
Quando poderemos ter o santo favo de mel da tua própria vasta solidão?
Tu tens em tuas duas mãos, ah!, mais do que o Batismo:
Os frutos e as três virtudes e os sete dons.
Esperamos a tua intercessão:
Ou devemos morrer sem a misericórdia à beira dessas margens impossíveis?
Acenda, acenda neste deserto
Os rastros dessas fogueiras maravilhosas:
Purifica-nos e guia-nos na nova noite, com o poder de Elias
E encontra para nós os cumes do amor e da oração
Que a Sabedoria quer de nós, oh amigo do Noivo!
E leva-nos para as tendas secretas,
Os sagrados, inimagináveis tabernáculos
– Thomas Merton [tradução Moisés Sbardelotto].. poema do livro “Brucia, invisibile fiamma: Poesie per ogni tempo liturgico”. Magnano, Itália: Edizioni Qiqajon, 1998.
§
LENDA DE SÃO JOÃO
Acorda, João
Que eu também quero ser
Batizado nas águas do Rio Jordão
Êta menino sapeca capeta
Dispara espoleta
Êta menino ladino porreta danado divino
Acorda, São João, e faz o menino levado
Saltar de dentro da velha
E do velho enferrujado
Mas não faz muita zuada
João dorme seu sono em paz
E se acorda assustado
Nem sei do que é capaz
Sei não, incendeia o mundo
E até o meu coração
Sapeca mandureba na fogueira
E acabou-se a brincadeira
Acorda, João
Que eu também quero ser
Batizado nas águas do Rio Jordão
– Waly Salomão, em “Poesia total”. Editora Companhia das Letras, 2014.
§
CORDEL DO SÃO JOÃO
São João arrasta-pé:
Forró, fogueira, baião…
Xote, xaxado e quadrilha…
Foguete, bomba, balão…
Caruaru-Campina Grande:
São João bom é no Sertão…
São João lá na Bahia:
Na festa do interior…
Irecê, Ibititá…
Cruz das Almas, Salvador…
Em Recife dos Cardosos:
Fogueira, paz e amor…
Arraiá, queima de espada:
Cará, milho, animação…
Festa junina e joanina:
No Brasil é tradição…
Santo Antônio e São Pedro:
O quente é o São João…
Sortes e adivinhas:
Simpatia e acalanto…
Pai-Nosso, Salve-Rainha:
A festa é um encanto…
Santo de cabeça pra baixo:
Atrás da porta no canto…
Crisma, batismo de fogo:
Dançar e pular fogueira…
Asssar batata na brasa:
Cantar a Mulher Rendeira…
Baião de Luiz Gonzaga:
Com forró a noite inteira…
Latada, pamonha, canjica:
Mel, cuscuz e macaxeria…
Cachaça de alambique:
Cana quente de primeira…
São João é no Nordeste:
Pra curar a pasmaceira…
Mês de junho, 24:
O Dia de São João…
É festa da cristandade:
É antiga tradição…
Até no Antigo Egito:
Já tinha celebração…
Pular fogueira, dançar:
Chuva de ouro e rojão…
Sortilégio e buscapé:
É bela a celebração…
Pistolas de lágrimas no céu:
Nas noites de São João…
Bandeirolas e balões:
Claridade no Sertão…
Barraquinhas de comida:
Mugunzá, licor, quentão…
Balinha e amendoim:
Como é bom o São João…
No São João de hoje em dia:
Tudo está muito mudado…
Tem show e festa em clube:
Se perdeu o rebolado…
Saudade do São João:
No terreiro e no roçado…
No São João de minha infância:
Não tinha eletricidade…
A luz era à luz da lua…
Tinha estrelicidade…
Do São João de menino:
Lembro e morro de saudade…
– Gustavo Dourado. in: site do autor.
§
NOITE DE SÃO JOÃO
Alegria no terreiro!
Coloridas bandeirolas,
sanfona, flauta, pandeiro,
cantores violões e violas.
Junto ao mastro de São João,
nas mesas e tabuleiros,
tigelinhas de quentão …
quitutes bem brasileiros…
pinhão, pipoca, amendoim…
O céu, cheinho de estrelas,
e eu, com você junto a mim,
não me cansava de vê-las…
Lá fora, clareando tudo,
a crepitante fogueira,
estalando como açoite,
queimava o negro veludo
daquela festiva noite
de tradição brasileira.
– Décio Valente, no livro “Cantigas simples: poesias”. São Paulo: edição do autor, 1971.
§
NOITE DE S. JOÃO
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.
– Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), em “Poemas Inconjuntos”.
– “Noite de São João” (poema de Alberto Caeiro|Fernando Pessoa), música de Vitor Ramil (voz e violão Vitor Ramil), do disco “Cantorias e Cantadores” vol.2. Ouça abaixo:
§
PROFUNDAMENTE
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
– Manuel Bandeira, no livro “Antologia Poética – Manuel Bandeira”. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 81.
§
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
– Carlos Drummond de Andrade, no livro “Alguma Poesia”. 1930. Ouça o poema:
§
“Nas noites de São João, uma fogueira enorme iluminava a casa de seu Ribeiro. Havia fogueiras diante das outras casas, mas a fogueira do major tinha muitas carradas de lenha. As moças e os rapazes andavam em redor dela, de braço dado. Assava-se milho verde nas brasas e davam-se tiros medonhos de bacamarte. O major possuía um bacamarte, mas o bacamarte só desenferrujava nos festejos de São João.”
– Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”.
§
“Quando vi a fogueira, passei ao largo, com medo de que os meninos me atirassem bombinhas. Mas, mesmo de longe, pude apreciar esse São João alegre e buliçoso, cheio de balões e de vozes gratas da infância.Apesar da literatura que se faz pelo Natal e pelo São João, esses dias continuam inundados de uma poesia própria, que resiste a todas as agressões dos principiantes das letras. Permanecem com sua força evocativa e voltam com aquela pontualidade inexorável para vir lembrar-nos que estamos envelhecendo irremediavelmente.”
– Ciro dos Anjos, no livro ‘O Amanuense Belmiro’.
FESTAS JUNINAS RETRATADA NAS ARTES PLÁSTICAS
UMA SELETA DE MÚSICAS TRADICIONAIS DAS FESTAS JUNINAS E NOITES DE SÃO JOÃO
Chegou a Hora da Fogueira – Carmen Miranda e Mario Reis
Dalva de Oliveira – Pedro, Antonio e João (1943)
Lamartine Babo – Isto é lá com Santo Antônio (Álbum ‘Em Tempo de Lamartine’ 1972)
Quadrilha do Severo o melhor do são joão
Saiba mais:
:: Música tradicional – folguedos e danças populares
:: Patrimônio cultural imaterial brasileiro
Outras referências e fonte de pesquisa:
:: Biblioteca Virtual Governo do Estado de São Paulo
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