Filó Machado lança álbum ‘Cisne Negro’, parcerias com Aldir Blanc

‘Cisne Negro’ de Filó Machado é repleto de canções inéditas, parcerias com Aldir Blanc e participações de Alaíde Costa e Joyce Moreno
.
FILÓ MACHADO LANÇA ÁLBUM DE 12 PARCERIAS COM ALDIR BLANC
– por Renato Vieira
Filó Machado é uma joia da MPB. Suas harmonias intrincadas e o gosto pelo ritmo, obtido nos bailes da vida, fazem dele um dos cantores e compositores mais originais do País. Aldir Blanc, tido por Dorival Caymmi como “ourives do palavreado”, engrandeceu o ofício de letrista como autor de obras que atravessam gerações. A partir de 1981, quando se conheceram durante as gravações de um disco de Djavan, os dois se aproximaram e fizeram várias músicas juntos. Algumas delas seguiam inéditas. Não mais: o álbum Cisne Negro, que chegou às plataformas digitais em 20 de dezembro, tem 12 exemplares da parceria, com nove canções vindo à tona pela primeira vez.
.
Viabilizado por um edital do Programa de Ação Cultural (Proac), Cisne Negro era uma vontade antiga de Filó, que também tem no currículo parcerias com outros grandes letristas da MPB, como Ana Terra, Cacaso e Sérgio Natureza. “Tive uma convivência maravilhosa com Aldir. Eu ia para a casa dele no Rio de Janeiro e participava daquelas reuniões que ele fazia com Moacyr Luz, Paulo Emílio e tantos outros. Antes de conhecê-lo eu o admirava por ele ser um letrista musical: sabia de harmonia, de melodia e de ritmo”, relembra o cantor e compositor.

Quando o álbum obteve sinal verde, Filó mexeu em seus guardados e reencontrou um registro caseiro de O Cisne Negro, que dá título ao trabalho. A letra estava com ele desde o início dos anos 1980, mas a melodia foi feita há 10 anos. A afiada poética de Aldir se mostra logo no início: “Pois mesmo que não quisesses/Serias do circo ou zona/Porque o afago e a bofetada/Acendem igualmente a lona”, canta Filó no ritmo do samba-jazz. A voz e o violão captados em home studio estavam tão bons que Filó optou por mantê-los no disco. Salomão Soares (piano e teclados), Thiago Espírito Santo (baixo), Celso Almeida (bateria) e Gera Machado (percussão) finalizaram a base.
.
Outras três músicas da dupla datadas dos anos 1980 e ainda inéditas saem do baú. Filó se lembra que o parceiro gostou muito do samba feito para cobrir a letra de Praia Pra Cretino, uma daquelas crônicas cariocas sob ótica masculina com pitadas de ironia e autodepreciação que eram especialidade de Aldir. Ao receber do amigo Sedutor Barato para colocar melodia, Filó lhe disse: “Vou me lembrar daquele tempo em que você fez ‘Dois Pra Lá, Dois Pra Cá’”, citando uma clássica canção de Aldir e João Bosco. De fato, versos como “Sedutor barato foste e és/Sempre me prendendo em tua mágoa/Quando me esculhamba me enobrece/E quando me elogia me avacalha” tinham que se transformar em um bolero.

De Uma Garrafa de Rum, Filó se lembrava da melodia e da parte final, que Aldir havia escrito posteriormente em um papel. Procurou Mary Sá Freire, viúva do parceiro, para saber se a letra completa estava em seu arquivo. A resposta foi positiva e Filó conseguiu registrar o samba com pitadas de filosofia, em que Aldir relaciona o movimento e os contratempos da vida aos de um barco em mar revolto.
.
Mary também passou a Filó outras letras inéditas para que ele musicasse. As melodias ficaram prontas em uma semana e, durante o processo, Filó se sentia conectado a Aldir, como se o amigo o ajudasse na busca pelas notas certas. Chegava a ouvi-lo dizer “sucesso, Filó!” depois de concluir a composição, como já havia escutado outras vezes da boca do parceiro. Tudo é Troia, escolhida para abrir o disco, é um R&B em que o litoral de Búzios – balneário fluminense frequentado por Aldir – é o cenário de um amor que nasce e estabelece pontes com o conflito entre gregos e troianos. Filó colocou seu violão na faixa e chamou músicos que tocam no Bar do Julinho, um reduto da boa música brasileira em São Paulo: Danilo Silva (guitarra), Salomão Soares (piano e teclados), Carlinhos Noronha (baixo) e Ivan Castro (bateria). O mesmo time está presente nas faixas Caleidoscópio e Cinzel – nesta, há a participação vocal de Alessandro Machado, sobrinho de Filó.

O núcleo instrumental formado por Tiago Costa (piano), Thiago Espírito Santo (baixo) e Vitor Cabral (bateria), além do violão de Filó, está presente em três músicas: a já citada Uma Garrafa de Rum, a sensual Outras Línguas – mais uma letra que veio do acervo de Mary – e Além das Margens, a única de Cisne Negro com um terceiro autor. Filó estava no Rio de Janeiro e foi almoçar com o baixista Jorge Helder. Ao comentar que estava concebendo Cisne Negro, Helder disse que Mary havia lhe dado uma letra de Aldir para musicar. Helder propôs a Filó fazer a primeira parte da melodia e ele complementaria. Filó pegou a trilha do blues e assim nasceu a canção, mais uma em que o mar é imagem poética.
.
As três canções que não são inéditas incluídas em Cisne Negro ganham uma leitura diferente das gravações originais de Filó. A amorosa Quatro Elementos era uma das músicas que ele e Alaíde Costa, a quem acompanhou como músico nos anos 1970, cantavam durante a turnê conjunta que fizeram pelo Projeto Pixinguinha em 2004. Filó teve a ideia de eternizar o dueto no disco, adornado apenas pelo piano de Tiago Costa. Alaíde é perfeita para interpretar com precisão os versos de Aldir em que água, terra, ar e fogo servem de metáfora para retratar um romance destinado a não prosperar.

O balanço de A Índia e o Atirador de Facas ressurge apenas com a voz e violão de Filó e a participação vocal de Joyce Moreno, sua irmã de suingue. Fazia tempo que os dois não se viam e o cantor e compositor foi para o Rio de Janeiro encontrá-la em estúdio. A salsa Boca de Dendê, uma das primeiras parcerias de Filó e Aldir, foi retrabalhada por Victor Machado Vibox, filho de Filó: ele colocou beats eletrônicos e novos vocalises no fonograma incluído no álbum Canto Fatal (1984).
.
Para Filó, Cisne Negro é uma maneira de eternizar não somente a parceria com Aldir, mas também homenagear um amigo que sempre admirou. “É uma realização artística e pessoal, só com pessoas que eu amo”, conceitua Filó. Uma pessoa que ele amou muito foi Ligia Zveibil, sua esposa, que morreu em setembro de 2023. Filó se recorda de que acabava de fazer as músicas e mostrava à companheira. “Eu queria dar uma alegria para ela, que ficou muito feliz. Ela me dizia que eu era um cara motivador e torcia para esse disco dar certo”. Pelo que se ouve em Cisne Negro, a vontade de Ligia será realizada.
– Renato Vieira, dezembro de 2024 –

DISCO ‘CISNE NEGRO’ • Filó Machado • Selo Independente / distribuição Tratore • 2024
Canções / compositores
1. Tudo é troia (Filó Machado e Aldir Blanc)
2. Outras línguas (Filó Machado e Aldir Blanc)
3. O cisne negro (Filó Machado e Aldir Blanc)
4. Cinzel (Filó Machado e Aldir Blanc)
5. Quatro elementos (Filó Machado e Aldir Blanc) | Participação especial Alaíde Costa
6. Caleidoscópio (Filó Machado e Aldir Blanc)
7. Sedutor barato (Filó Machado e Aldir Blanc)
8. A Índia e o atirador de facas (Filó Machado e Aldir Blanc) | Participação especial Joyce Moreno
9. Boca de dendê (Filó Machado e Aldir Blanc)
10. Além das margens (Filó Machado, Jorge Helder e Aldir Blanc)
11. Praia pra cretino (Filó Machado e Aldir Blanc)
12. Uma garrafa de rum (Filó Machado e Aldir Blanc)
– ficha técnica –
Filó Machado (voz e violão – fx. 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 10, 11, 12; voz – 5, 9; teclados – fx. 7, 9) | Alessandro Machado (voz – fx. 4) | Alaíde Costa (voz – fx. 5) | Joyce Moreno (voz – fx. 8) | Danilo Silva (guitarra – fx. 1, 4, 6) | Salomão Soares (piano – fx. 1, 4, 6, 11; piano acústico – fx. 3 teclados – fx. 1, 3, 4, 6, 11) | Tiago Costa (piano acústico – fx. 2, 5, 10, 12) | Carlinhos Noronha (baixo elétrico – fx. 1, 4, 6, 7) | Thiago Espírito Santo (baixo elétrico – fx. 2, 3, 10, 11, 12) | Ivan Castro (bateria – fx. 1, 4, 6, 7) | Vitor Cabral (bateria – fx. 2, 10, 12; percussão – fx. 12) | Celso Almeida (bateria – fx. 3, 11) | Gera Machado (percussão – fx. 3, 11) | Victor Machado (vibox: afrobeat, reggaeton, violão, baixo, sinthetizador, bateria digital – fx. 9) || Produção musical: Filó Machado | Produção artística: Camila Machado | Produção executiva: Belic e Arte | Fotografia: Adriana Horvath | Texto: Renato Vieira | Gravado e mixado no estúdio Arsis (SP) por Adonias Souza Jr. / exceto a faixa “A Índia e o Atirador de Facas” foi gravada no estúdio Boca do Mato (RJ). | Masterizado no Reference Mastering Studio por Homero Lotito | * O álbum inédito foi contemplado pelo Proac em 2023 | Selo: Independente | Distribuição digital: Tratore | Formato: CD físico e digital | Ano: 2024 | Lançamento: 20 de dezembro | ♪Ouça o álbum: Spotify / Deezer / Apple music / Youtube
.
>> Siga: @filomachadomusico

 

LEIA TAMBÉM
:: Filó Machado – uma viagem pela discografia do artista
:: Álbum ‘A Música Negra de Filó Machado’
.
.
.
Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Canção / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske