O termo, que ganhou popularidade no meio político, se refere aos jovens adultos que não admitem ser contrariados e está até no dicionário
Não é fácil ouvir um não, receber críticas ou aceitar que o outro pense de modo diferente do seu. Mas tudo isso é essencial para que os relacionamentos cresçam de forma saudável. Parece conteúdo de um livro de autoajuda? Talvez.
Embora o tema esteja, de fato, se tornando cada vez mais frequente nos exemplares que chegam às livrarias de todo o mundo, o público ao qual eles tentam falar parece nem perceber que é com ele. No último ano, recebeu até nome: geração floco de neve — ou os jovens adultos que não aceitam ser contrariados.
A professora universitária Myrian del Vecchio tem percebido novos “integrantes” dessa população de poucos anos para cá na sala de aula. “Não devemos rotular uma geração, mas esta parece ter uma sensibilidade muito aflorada. Tenho alunos de 19, 20 anos, que não aceitam críticas, deixam de fazer trabalhos porque dizem estar deprimidos ou têm receio de enfrentar determinadas tarefas”, conta.
Um exemplo: na disciplina de redação, do curso de jornalismo da UFPR, Myrian costuma compartilhar leituras jornalísticas com a turma. São textos de autores renomados, como Eliane Brum (uma das mais premiadas jornalistas brasileiras) e Truman Capote, do clássico livro-reportagem “A Sangue Frio”.
Em geral, o conteúdo das obras é denso (tratam de temas como assassinatos, pobreza extrema, doenças mentais), mas essencial de ser abordado. E, segundo Myrian, muitos alunos não suportaram as leituras, ou se negaram a fazer os exercícios sobre as obras. “É claro que isso não se aplica à maioria, mas a realidade dura tem chocado bastante. Só que, querendo ou não, isso faz parte do jornalismo”, diz.
A psicanalista Juliane Kravetz explica que é comum algumas situações gerarem angústia, mas é importante tentar enfrentá-las. “Se torna um problema quando a pessoa passa a usar sua sensibilidade ou sintoma de depressão para mascarar algo que realmente pode ajudar em seu crescimento pessoal”, afirma.
O termo ganhou popularidade há pouco mais de um ano no meio político, quando partidários da direita passaram a se referir à oposição como “pobres flocos de neve” durante as polêmicas acaloradas sobre o Brexit e as eleições norte-americanas (que tiveram como protagonistas Donald Trump e Hillary Clinton).
Mas bastou pouco tempo para que a crítica logo ultrapassasse as barreiras políticas e fosse adotada ao vocabulário dos cidadãos mundo afora.
O Dicionário Collins foi o primeiro a adotar o termo à lista de palavras do ano no início de novembro de 2016. Em seguida, o de Cambridge também acrescentou o significado de “geração floco de neve” em seu material.
Para Ulisses Natal, coordenador adjunto do curso de psicologia da PUCPR, estas são formas de traduzir as relações sociais e pessoais da modernidade. “É o espelho de como está a sociedade.”
Não é fácil admitir o próprio erro ou aceitar uma opinião contrária porque essas são questões que afetam o ego. Basta surgir uma situação que desperte um conflito de crenças (ou mesmo que desafie as potencialidades do indivíduo) para que os dedos em riste tomem o lugar da autoavaliação.
“É muito fácil colocar a culpa no outro, mas é essencial refletir sobre as próprias frustrações de forma racional. A nota baixa que você recebeu é mesmo culpa do professor? Tem problema se alguém não concorda com o que você diz?”, questiona Natal.
Para ele, a raiz do problema está na falta de frustrações sofridas durante a infância. “As crianças precisam se frustrar. Quando os pais dizem sim para tudo, elas crescem achando que ninguém deve lhes impor limites”, diz.
Mas há esperança. Os dois especialistas são unânimes sobre como lidar com a frustração na vida adulta: o único modo é entender mais de si mesmo. “É preciso entender que a satisfação não precisa ser completa. Quando se tem a plenitude, não há mais nada a ser buscado”, afirma Kravetz.
A dificuldade em admitir o próprio erro ou aceitar críticas construtivas, segundo a psicanalista, é uma forma de narcisismo exacerbado. “As pessoas falam muito de diversidade [de opiniões], mas caem em um discurso vazio, porque não aceitam ser contestadas”, comenta.
Já a professora não enxerga essa mudança como um sintoma do personagem do mito grego, que morreu ao ficar obcecado com a própria beleza. “Vejo como um receio, uma autodefesa. A gente tem que ir quebrando aos poucos essa capa protetora em que esses jovens se envolveram. Pode levar um tempo, mas acredito no amadurecimento durante o processo.”
*Originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo.
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