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Geração Unicórnio, Judith Butler e RuPaul’s Drag Race – Julia Gitirana

Cabelos rosa, verde e azul. Sacolas de pano ecológicas de mercado ou de livros com estampa da Frida Kahlo. Guerra de memes nas redes sociais. Cervejas e hambúrgueres artesanais. Food Trucks. Óculos de leitura com armação dos anos 80. Tênis neon. Gretchen. Inês Brasil. Hashtags. Estampas de unicórnios. Aplicativos para encontros. Aplicativos para qualquer coisa que você conseguir imaginar. Novas estéticas gramaticais com uso de “x”/@ nas palavras que exprimem gênero. Carros ´inteligentes´. Fascínio por disco de vinil. Eu já falei estampa da Frida Kahlo?

Piadas e reducionismos de estereótipos à parte, a Geração Z ou Pós Millenium, que mergulha na realidade assessorada por diversos utensílios tecnológicos, além do “expertise quase natural para informática” (FREIRE FILHO & LEMOS, 2008: 18) também é marcada pelo questionamento constante dos processos de construção de identidades, como, por exemplo, a oposição binária entre homens e mulheres.

Essa geração, que não é beat, nem a coca-cola de Renato Russo, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2005: 25-35) se desenvolve em meio a uma reconfiguração da noção de identidade, a qual deixa de ser percebida como algo fixo, inflexível e sem alternativa, para ser observado como algo adquirido por um longo processo de construção diária, fruto de diversos sistemas de significação e representação cultural. A percepção de Bauman pode ser traduzida, por exemplo, nas 56 categorias de gênero que o Facebook dos Estados Unidos fornece ou às 17 identificações de gênero no Facebook brasileiro – para além do feminino e masculino, que desde 2015, é possível identificar-se como “homem transsexual”, “mulher trans”, “crossgender”, “sem gênero”, “neutro” etc.

Nesse cenário de pluralidades, construções e possibilidades, a Geração Z poderia ser denominada de Geração Unicórnio. Os unicórnios são seres majestosos, fruto da imaginação humana, ou seja, o que são, o que fazem e para onde vão, são construções do imaginário.


Se você se perdeu no meio do caminho desses debates e não lembra onde deixou as botas, Judith Butler, um dos maiores nomes da filosofia pós-estruturalista e que hoje possui quase status de celebridade, pode dar uma forcinha. Segundo Butler, em Problema de Gênero: feminismo e subversão (1990), a identidade não é algo essencial e inato, mas uma realidade fabricada. Nesse sentido, categorias como sexo, gênero e desejo perdem a percepção de natureza determinista biológica – de status compulsório – para serem observadas como atributos artificias, meros atos intencionais ou ainda gestos performativos – trejeitos, gesticulações e atitudes – que produzem significado.

Quando a materialidade do corpo deixa de ser ontológica e passa a ser observada sob a ótica performativa, abre-se um leque plural com diversas possibilidades de manifestações de identidade – quais sejam novas categorias e combinações de gênero, sexo e desejo. Nem o céu é o limite! O corpo, o desejo, o sexo, o gênero e a identidade abrem-se para o novo, para a produção de novos sentidos e potencialidades. Emergem indivíduos que ultrapassam as barreiras da normatividade e a compulsoriedade de rótulos previamente estabelecidos. Não é que não exista mais categorias “homens” e “mulhereres”, a questão é que existem possibilidades além…

Mas se o meu recorte do recorte do conceito de performatividade de Butler não acrescentou em nada na sua vida e pelo contrário apenas confundiu ainda mais a sua cabeça, tenho três palavras estrangeiras para resumir o enredo dessa narrativa: RuPaul’s Drag Race.

O reality show que no seu formato mistura America’s Next Supermodel com Project Runway tem como apresentadora RuPaul, a primeira supermodelo drag do mundo, como ela gosta de se apresentar. De forma bem resumida, e para não estragar surpresas para quem ainda não se enveredou por esse mundo, as participantes são submetidas a provas de costura, dança, atuação, dublagem, maquiagem etc. para que Ru e jurados decidam quem pode e deve dar continuidade ao legado de RuPaul Charles, um dos artistas de maior reconhecimento no cenário internacional que durante os anos 80, esteve envolvido com produções do cinema underground, além das atividades da sua banda punk, Wee Wee Pole. Seu primeiro papel de destaque nacional foi como figurante do videoclipe de Love Shack, da banda new wave The B-52’s, em 1989 (DE OLIVEIRA, 2016).

Na trama, a noção de performatividade de Butler é desenhada em minúcias na telinha ou no jargão de RuPaul “você nasceu nu, o resto é drag”. A começar pela visibilidade que é dado ao mundo drag queen, em que se flerta diretamente com o universo considerado feminino, mas sem traduzir necessariamente uma orientação de gênero ou sexual específica. Portanto, não é prudente confundir drag queens com pessoas transexuais, transgênero ou travestis – tanto que ao longo do programa é possível observar várias discussões das participantes em que se apresentam como drag queens e nada mais.

As Drag Queens de RuPaul exibem belíssimos corpos e identidades fabricadas com muita fita adesiva, cola, enchimentos, alta costura, maquiagem, humor e alta performance. Fato esse que também pode ser observado ainda na realização de uma das provas mais aguardadas do programa em que as participantes são desafiadas a transformar grupos de indivíduos inesperados – como, por exemplo, veteranos do exército estadunidense, atletas musculosos – em outras expressões de gênero.

RuPaul’s drag race é um reality extremamente revolucionário que divulga o mundo Drag em toda a sua beleza e brutalidade – não se engane pois nem tudo é paetê e purpurina- principalmente por exibir constantemente o fugaz, o etéreo e aqueles que não puderam se enquadrar nas definições compulsórias previamente estabelecidas. É uma jornada televisionada que exibe a resistência do existir e a insubordinação dos corpos. Um sucesso garantido principalmente pela Geração Z, ou como gosto de pensar carinhosamente: Geração Unicórnio.

* Julia Gitirana, colunista da Revista Prosa Verso e Arte. Formada em Direito pela PUC-Rio, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC, Mestre em Direito pela PUC-Rio, Doutoranda em Políticas Públicas pela UFPR e apaixonada por filosofia.

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