Quando “Estrada 47” (2014), de Vicente Ferraz, foi lançado, falou-se que a participação do Brasil na Segunda Guerra no cinema era assunto pouco lembrado. De fato, é caso raro de um longa que mostra os soldados brasileiros em ação na Itália em 1944-45. Mas há outros filmes sobre o assunto, ou que tratam ao menos da importância da guerra na história do país.
O assunto foi lembrado neste agosto, pois último dia 22 completou-se 75 anos da entrada do Brasil no conflito junto dos Aliados. E a presença da Força Expedicionária Brasileira nunca teve destaque, ao menos na ficção, até “Estrada 47”. É possível mencionar outras obras importantes. “Aleluia, Gretchen” (1976), de Sylvio Back, e o meloso e televisivo “Olga” carregam o assunto do nazifascismo. “Corações sujos” (2011), de Vicente Amorim, versa sobre as consequências da guerra para a comunidade japonesa do Brasil. No entanto, a Segunda Guerra, lembrada vez ou outra em alguns filmes, é assunto central de pouquíssimos.
No documentário há mais opções. Produtos como, por exemplo, “Senta a pua” (1999), de Erik de Castro, que resgata histórias muito boas dos aviadores da Força Aérea Brasileira (FAB) na Itália, apesar do tom de patriotada que beira o ridículo. E o recente “Menino 23”, retoma o assunto do nazismo no Brasil na década de 30 – num filme intrigante pelo assunto, quadrado e previsível no resultado.
“Rádio Auriverde”, de Sylvio Back (1991), esteticamente mais ousado, vai na contramão de “Senta a Pua”: promove imenso questionamento a respeito da importância Força Expedicionária Brasileira (FEB), tratando os supostos sucessos militares do Brasil na Europa como ladainhas, e os soldados como espécie de “bucha de canhão” em nome dos interesses norte-americanos no Brasil à época. Coloca em xeque, inclusive, as razões pelas quais o Brasil entra na guerra. Amplamente repudiado pelos veteranos da guerra, aponta a presença brasileira nos campos de batalha não como um feito heroico, mas farsesco, lateral e prescindível. Hoje pouco lembrado, tem o mérito de destoar da mesmice predominante em relação ao assunto.
Voltando à ficção, “Lost Zweig” (2002), também de Sylvio Back, traz os últimos dias do escritor alemão de origem judaica em Petrópolis, junto à esposa Lotte. Angustiado com a perspectiva de vitória do Eixo e com os rumos que o mundo parecia tomar, opta pelo suicídio. Aqui, temos como personagem secundário o presidente Getúlio Vargas, também presente em diversas películas, mas raramente ocupando o papel que tem na história.
“Agosto, mês de desgosto”.
Também em agosto recordamos a morte de Getúlio Vargas, ocorrida no dia 24 do oitavo mês de 1954. Vargas, como coadjuvante, vez ou outra rreaparece, como no “Chatô, o rei do Brasil” (2015) de Guilherme Fontes. Mas sua importância como personagem central é pequena, e “Getúlio” (2014), dirigido por João Jardim, teve a ambição de ocupar tal lacuna.
Fato é que “Getúlio” acaba interessando menos pelos méritos estéticos (tanto convencional, embora longe de mal conduzido) do que por uma curiosa sincronia com eventos atualíssimos da política Brasil. A relação entre Getúlio Vargas e a a mídia, via de regra, é péssima. Querido pelo povo, detestado por setores da classe média. Seu filho é algo de acusações levianas diárias de corrupção. Oposição em clima de histeria e guerra declarada, clima de golpismo, acusações de “corrupção” as mais genéricas e ocas, pré-julgamentos. Já vimos esse roteiro, não?
No entanto, a fatia mais interessante para aqueles que pretendem conciliar o interesse histórico com cinema, fica novamente circunscrita ao documentário. Sylvio Back, ele de novo, rodou em 1980 “A revolução de 1930”, filme que tornou-se difícil de achar em alguma cópia de boa qualidade (sempre houve imensa conveniência no descuido e na parca difusão de parte memória cinematográfica brasileira). Com o estilo característico do cineasta, ao se valer de imagens extraídas de diversos registros da época, boa parte com canções populares que aludem ao momento, o filme defende, entre outras, que a Revolução de 30 é sobretudo um processo apoiado pelas classes médias, através de depoimentos de historiadores.
Mais interessante é “Getúlio Vargas” (1974), da diretora Ana Carolina, a mesma que anos depois rodaria o anarquicamente belo “Das tripas coração”. Com a voz de Paulo César Peréio, retoma momentos fundamentais e pouco lembrados da trajetória do ex-presidente, como a famosa queima das bandeiras estaduais ocorrida antes do movimento (dito) revolucionário de 1932. Se sobreviver ao tempo, será sobretudo por lembrar que o Estado Novo de Vargas – assim como regimes autoritários europeus à época – já havia percebido que o cinema poderia ter imensa importância como instrumento de propaganda. E as obras de Humberto Mauro nesse período, como “O descobrimento do Brasil” (1937) e “Os bandeirantes” (1940), com suas inegáveis qualidades, já comprovavam tal tese.
* André de Paula Eduardo é jornalista, formado na Unesp, onde fez mestrado em Comunicação. Pesquisa cinema brasileiro, torce pro Santos e é apaixonado por Brahms e Pink Floyd. Colunista e colaborador da Revista Prosa Verso e Arte.
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