A maioria de nós que dançamos folclores árabes ou nos interessamos pelo estudo deles já ouvimos falar de ghawazee. Mas este é um grupo cultural que gera muita confusão, ao ponto de ouvirmos algumas pessoas dizerem, erroneamente, que se pode dançar dança ghawazee pra tudo, porque as ghawazee dançam qualquer coisa.
Bom, isso seria o mesmo que dizer que brasileiros dançam qualquer coisa e, portanto, você pode dançar um tango e falar que é dança brasileira…nada agradável, não é?
A verdade é que o termo ghawazee pode ser compreendidos por 3 contextos: como linhagem, como bailarina e como dança. E nesse artigo, tendo como base essa classificação criada pela bailarina especialista em folclore árabe Nilza Leão, vamos tentar esclarecer um pouco quem são os e as ghawazee.
A primeira coisa que temos que nos lembrar é que os ghawazee são um povo cigano que se instalou no Egito. A palavra em si pode ser traduzida literalmente como “cigana” ou, de uma forma mais poética, como “invasoras de coração”, já que essas mulheres eram sedutoras, dedicadas a encantar seu público.
Essas mulheres normalmente são descritas como sendo muito exóticas, com cabelos, pés e mãos pintados com hena e muito enfeitadas com colares, pulseiras, anéis e brincos. Além de dançar nas ruas, em eventos, celebrações e casamentos, elas ainda tiravam seu sustento fazendo leituras da sorte, partos, tatuagens, contando história, tocando uma grande variedade de instrumentos e algumas até se prostituíam para sobreviver.
Essas mulheres faziam parte da vida cotidiana do Egito, até que em 1798 Napoleão Bonaparte chega e, por conta dos riscos que a atividade das ghawazee causava (favorecendo a formação de aglomerações que podiam gerar revoltas, influência negativa no trabalho dos soldados que passavam a noite com elas e até o risco de transmissão de doenças venéreas e miscigenação racial), elas foram proibidas de se aproximar dos acampamentos dos soldados franceses.
No ano seguinte, em 1799, o ditador de origem albanesa Mohammas Ali é nomeado vice-rei do Egito com o apoio das autoridades europeias e com a promessa de modernizar o país. Em 1834, por conta de pressões religiosas e políticas, Mohammad baixa um decreto que bane as ghawazee do Cairo e elas são obrigadas a migrar para a Região Sa’idi (também chamada de Alto Egito, ao sul do país). No tempo em que estiveram na região sul do Egito a cultura ghawazee, como é característico das culturas ciganas, se adaptou e incorporou a musicalidade local e é por isso que se pode ver tantas músicas para dança ghawazee com o ritmo sa’idi e dançadas com bastão ou bengala.
No ano de 1866 o decreto de banimento foi revogado e as ghawazee puderam voltar ao Cairo com a condição de que recolhessem impostos sobre suas atividades.
Tendo esse panorama histórico geral, vamos agora realmente entender a classificação proposta por Nilza Leão para os diferentes usos da palavra ghawazee:
1 – Ghawazee enquanto linhagem: são as famílias ghawazee, homens, mulheres, crianças idosos, etc. Pessoas comuns que nasceram e se criaram nas famílias Mazzin e El Ghazay. São pessoas comuns que possuem o sangue destas famílias em suas veias;
2 – Ghawazee como bailarina: é a mulher que, independente de sua linhagem, dança na rua como forma de subsistência. Essa mulher vai dançar qualquer música que seu cliente pedir, porque ela precisa do dinheiro para sobreviver. Então uma dançarina ghawazee, trabalhando nas ruas do Egito, realmente vai dançar qualquer tipo de música, com qualquer acessório, porque o foco dela é entreter e encantar seu público para conseguir o dinheiro de que precisa para viver;
3 – Ghawazee como dança: é uma dança alegre, espontânea, muito animada e carismática. Normalmente marcada por movimentos amplos, ondulações de abdômen, marcações de quadril, travadas, encaixes e desencaixes, batidas de pés, cambres e trabalhos de chão, tudo para chamar a atenção do público. Inclusive, a dança com candelabros (Raks el Shamadam) é originária das ghawazee, mas elas a dançam de uma forma bastante diferente da que estamos acostumados a ver, elas dançam de forma rápida e animada, com músicas aceleradas e alegres. Muitos ritmos podem ser ouvidos nas músicas próprias para dança ghawazee, mas os principais são o maksum, o fallahi e o sa’idi.
Por ser oriunda de uma cultura cigana a música para dança ghawazee é muito variada e difícil de diferenciar. Isso porque, muitas vezes, o que torna claro que uma determinada música é ghawazee são as letras e sotaques e, por conta disso, Nilza Leão insiste que o meio mais seguro de saber se uma música é ou não apropriada para dança ghawazee é perguntar diretamente a um egípcio.
Esse vídeo é uma apresentação de Kharriya, uma dançarina ghawazee da família Mazzim que dá aulas e se apresenta atualmente no Egito, na cidade de Luxor. A filmagem não é das melhores, mas dá pra ver muito bem as características dessa dança, solta, alegre, improvisada e divertida.
Se você tiver uma montagem recente que represente bem a dança ghawaze coloque o link aí nos comentários, vamos disseminar o conhecimento!
* Nati Alfaya, dançarina árabe com 10 anos de estudo e prática, parte do grupo Caravana Lua do Oriente – Companhia de Danças Árabes, sediado em Londrina, Paraná, escreve sobre as danças árabes em suas diversas formas tendo um amor especial pelos folclores.
Outros textos de Nati Alfaya:
Nati Alfaya (textos e ensaios)
Facebook: Caravana Lua do Oriente
O single “Isabella”, canção de Leo Russo e Moacyr Luz chegou nas plataformas digitais. A…
O espetáculo “Eu conto essa história" apresenta três narrativas de famílias que cruzaram continentes e oceanos em…
A Companhia de Teatro Heliópolis apresenta o espetáculo Quando o Discurso Autoriza a Barbárie na Casa de Teatro Mariajosé de…
A Cia. Los Puercos inicia temporada do espetáculo Verme, no Teatro Paulo Eiró, localizado na Zona Sul de…
Memórias Póstumas de Brás Cubas, dirigido e adaptado por Regina Galdino, faz apresentações gratuitas em…
Em novembro, a N’Kinpa – Núcleo de Culturas Negras e Periféricas estreia Kuenda Kalunga, Kuenda…