“escrever com a imagem e ver com a palavra.”
– Maureen Bisilliat
“Travessia perigosa, mas é a da vida.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 542.
“Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 100.
“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
“O querer-bem da gente se despedindo feito um riso e soluço, nesse meio de vida.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 583.
“Agora, que o senhor ouviu, perguntas faço. Por que foi que eu precisei de encontrar aquele Menino? Toleima, eu sei. Dou, de. O senhor não me responda.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 109.
“É o que eu digo, se for… Existe é homem humano.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 608.
“Tudo em mim, minha coragem: minha pessoa, a sombra de meu corpo no chão, meu vulto. O que eu pensei forte, as mil vezes: que eu queria que se vencesse; e queria quieto: feito uma árvore de toda altura!”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 555.
“Sertão velho de idades. Porque serra pede serra e dessas, altas, é que o senhor vê bem: como é que o sertão vem e volta. Não adianta se dar as costas. Ele beira aqui, e vai beirar outros lugares, tão distantes. Rumor dele se escuta. “
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006,p. 542.
“Sertão que se alteia e se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe. Ali envelhece vento.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 542.
“Um espaço para os de meia-razão.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 314.
“A gente principia as coisas, no não saber porque, e desde aí perde o poder de continuação — porque a vida é mutirão de todos, pôr todos remexida e temperada. Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
“A culpa minha, maior, era meu costume de curiosidades de coração. Isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpecia.”
– João Guimarães Rosa, no livro ‘Grande Sertão: Veredas’. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
“Só outro silêncio. O senhor sabe o que o silêncio é? É a
gente mesmo, demais.”
– João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
“E nisto, que conto ao senhor, se vê o sertão do mundo. Que Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe – mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo. O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?”
– João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
A JOÃO GUIMARÃES ROSA
– por Maureen Bisilliat (IMS – Séries | 24.9.2013)
Voltas no tempo ‘A João Guimarães Rosa’
Tudo começou em 1963, quando ganhei de um amigo um exemplar de Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa – não sem a observação de que talvez não conseguisse compreender a linguagem especialíssima do autor. Não só compreendi como mergulhei nas águas daquele mar de palavras – o sertão não viraria mar? -, inspirada e instigada a investigar a relação direta de Rosa com os gerais de Minas Gerais. Assim, durante os anos 60 viajei por essas terras seguindo um roteiro sugerido pelo autor, iniciando pelas raízes – Curvelo, Cordisburgo, Andrequicé -, subindo pelo tronco da árvore, expandindo pelos galhos, até chegar em Januária, no norte de Minas. Desloquei-me para lá e, ao voltar de cada viagem, ia visitar o escritor, então chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras do Itamaraty. Levava, a cada encontro, um calhamaço de fotografias captadas nas terras do autor de Sagarana e, atrás de cada uma, ele anotava detalhes – nome, idade, solteiro, casado ou viúvo, lugar de encontro, como e quando etc. -, recebendo através das imagens mensagens dos gerais. No final de nossas reuniões, ele sempre me acompanhava até o elevador e me desejava uma boa próxima viagem, dizendo estar certo de que eu, como irlandesa, iria compreender os eflúvios poéticos dos gerais, devido à semelhança entre aquela região e a Irlanda (“Irlandesa Cigana” foi, aliás, como ele me apelidou, teria ele entrevisto alguma ancestralidade cigana nos meus cabelos longos, roupas amplas, sandálias no pé?).
Anos depois desses nossos encontros, fui visitar sua viúva, Dona Aracy, no prédio onde eles tinham morado em Copacabana, Posto 6. Lá, ela me levou até uma pequena sala, entre os rochedos e o mar, e contou que fora ali que Rosa escrevera seu Grande sertão. “Noite após noite”, confidenciou-me, “eu levava para ele duas ou três trocas de pijama, pois enquanto escrevia transpirava muito, banhando-se em suor. Ele me dizia que recebia a obra assoprada, sendo ele apenas receptor”.
Andrequicé, 1966
Porta de entrada para os gerais de Guimarães, companheiro de viagem de Manuelzão – Manuel Nardi, vaqueiro-mor, personagem central de uma das novelas de Corpo de Baile: “Miguilim e Manuelzão”, do ali lembrado escritor João Guimarães Rosa.
Comecei a conhecer os sertões por suas veredas. Iniciei minha busca seguindo de ônibus para Minas, parando primeiro em Cordisburgo, lugar de nascimento do autor, prosseguindo rumo ao norte e chegando em Andrequicé, povoado pequeno, pouso na rota das boiadas pelos sertões. Ao chegar, o sol se escondendo no horizonte, acerquei-me de um pequeno boteco e, após me apresentar como alguém em busca dos rastros de Guimarães, fui acolhida com uma boa notícia: “A moça está com sorte, pois não é que chegou agorinha mesmo o Manuelzão do Rosa, vindo direto da fazenda para uma celebração de crisma em Andrequicé!” Sim, o próprio Manuel Nardi, inspirador do conto “Manuelzão e Miguilim”, publicado em 1956, como parte do livro Corpo de baile: um bom augúrio para a busca planejada!
Indaguei acerca de um lugar para pernoitar e o moço do boteco me levou à casa de uma velha senhora que me recebeu com a acolhida espontânea e ampla dos que pouco têm, mas muito oferecem: ovo frito, saborosa farofa e um café mineiro, doce, perfumado e ralo, daqueles que descem como água benta apaziguando a sede!
Dormi com a candeia acesa, a esteira no chão. Acordei cedo, o sol despontando no horizonte, no friozinho da madrugada. E lá estava ele, Manuelzão, sombra esguia na parede caiada, chapéu de abas firmes, capa de feltro azul, rosto de couro curtido, olhar de águia me aguardando sem prosa, pronto para o retrato que viria a ser – para mim e para muitos – emblemático da estirpe rija dos gerais de Guimarães. De repente, me olhando a esmo, deparei com a figura de um homem – um vaqueiro, talvez? Pedi licença para tirar o seu retrato. Sisudo e cismado, ele não quis me atender. Satisfeita com a sorte, feliz da vida, com Manuelzão na máquina, passei o dia fotografando boiadas na poeira do campo. No fim do dia, de volta para Andrequicé, avistei a figura do homem, lá me esperando, calmo e quieto, no aguardo de seu retrato: era isso que ele queria ter. Acontece que de manhã, quando me viu pela primeira vez, ficou com medo. Por ser cigano achou que eu era da polícia e estava lá para prendê-lo. Era isso, então. Como os romas da França de Sarkozy, os ciganos dos gerais também são malvistos, estigmatizados como gatunos e ladrões de cavalos, vítimas de velhos preconceitos encravados na contramão da história, levando a guerras e desentendimentos entre nações!
:: Fonte: IMS (acessado em 22.6.2016)
BIOGRAFIA DE MAUREEN BISILLIAT
A inglesa Sheila Maureen Bisilliat (Englefieldgreen, Surrey, Inglaterra 1931), construiu desde os anos 1950, quando se mudou para o Brasil, um dos mais sólidos trabalhos de investigação fotográfica da alma brasileira, aliando a seu olhar de estrangeira um respeito profundo por seus temas – sobretudo sertanejos e índios – e a busca de apoio conceitual na antropologia e em grandes obras da literatura nacional. Desde dezembro de 2003, sua obra completa está incorporada ao acervo do Instituto Moreira Salles, num total de 16.251 imagens, entre fotografias, negativos em preto e branco e cromos coloridos.
Filha de um diplomata argentino e de uma pintora inglesa, Maureen viveu uma infância itinerante entre Inglaterra, Estados Unidos, Dinamarca, Colômbia, Argentina e Suíça. Esse desenraizamento cultural, apontado por ela mesma, começou a terminar quando, em 1953, mudou-se para São Paulo em companhia do fotógrafo espanhol José Antonio Carbonell, seu primeiro marido. Estudante de pintura desde o ano anterior, começou a se interessar por fotografia por influência de Carbonell, realizando seus primeiros experimentos tendo como modelos imigrantes japoneses de uma plantação de algodão no interior de São Paulo.
Após algumas temporadas no exterior – em Paris, em 1955, onde estudou pintura com André Lhote; em Nova York, dois anos depois, para frequentar o Arts Students League; e na Venezuela, em 1959, onde trabalhou como telefonista – Maureen retornou ao Brasil e, já separada de Carbonell, começou a se dedicar mais intensamente à fotografia, terminando por abandonar a pintura. Desta, porém, restou seu fascínio expressionista pelo claro-escuro e pelos enquadramentos surpreendentes.
A globe-trotter estava prestes a finalmente fixar raízes. Data de 1960 seu primeiro contato com Jorge Amado, que lhe inspirou a ideia de realizar um trabalho de “equivalência fotográfica” sobre obras literárias nacionais. Poucos anos depois, ao percorrer o sertão de Minas Gerais em busca de imagens que dialogassem com Grande sertão: veredas, obra-prima de Guimarães Rosa, Maureen já tinha se naturalizado brasileira.
De 1964 a 1972, fotojornalista contratada da Editora Abril, realizou para revistas como Realidade e Quatro Rodas ensaios que ficaram célebres, entre eles “A batucada dos bambas”, sobre o samba tradicional carioca, e “Caranguejeiras”, retratando mulheres catadoras de caranguejos na aldeia paraibana de Livramento. Paralelamente, dava prosseguimento a suas “equivalências fotográficas” com a literatura, que entre os anos 1960 e 1990 publicaria numa série de livros importantes. Além de Rosa e Amado, travou diálogos com as obras de Euclides da Cunha, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Adélia Prado e Mário de Andrade, este a inspiração para o ensaio que expôs numa sala especial da XVIII Bienal de São Paulo, em 1985, baseado no livro O turista aprendiz.
Editora incansável de sua própria obra, Maureen lançou ainda dois volumes notáveis sobre o Parque Nacional do Xingu, ambos chamados Xingu, com os subtítulos Detalhes de uma cultura (1978) e Território tribal (1979). Também sobre a região, que visitou diversas vezes, codirigiu com Lúcio Kodato o documentário de longa-metragem Xingu/terra. A paixão pelo vídeo passou a absorvê-la cada vez mais a partir dos anos 1980, mas, nos anos 1990, Maureen ainda publicou livros com ensaios fotográficos de viagens à África, ao Líbano e ao Japão.
Em 1988, com Jacques Bisilliat, seu marido, e Antônio Marcos da Silva, foi convidada por Darcy Ribeiro para montar o acervo de arte popular latino-americana, origem do Pavilhão da Criatividade da Fundação Memorial da América Latina. Foi curadora do espaço de sua criação até 2011.
Em 2009, o IMS lançou a exposição e o livro Fotografias, uma visão panorâmica de sua carreira, com participação da própria Maureen Bisilliat na curadoria.
:: Fonte: IMS – biografia Maureen Bisilliat (acessado em 22.6.2016)
OBRAS DE MAUREEN BISILLIAT
:: Fim de rumo, terras altas, Urucúia; ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat. [Fragmentos extraídos de Grande sertão: veredas de João Guimarães Rosa]. 1ª ed., cor. São Paulo: Gráficos Brunner, 1969.
:: A João Guimarães Rosa. [fotografia Maureen Bisilliat; textos João Guimarães Rosa]. São Paulo: Gráficos Brunner, 1969; 3ª ed., 1979.
:: Fotografias: Maureen Bisilliat. São Paulo, SP: Instituto Moreira Salles, 2009.
OUTRAS FONTES E REFERÊNCIAS DE PESQUISA
:: BOZIO, Maria Catarina Rabelo. O sertão imagético de João Guimarâes Rosa e Maureen Bisilliat: dez descrições. (Monografia Graduação em Estudos da Linguagem). Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2012. Disponível no link. (acessado em 22.6.2016)
:: Itaú Cultural: Maureen Bisilliat- biografia (acessado em 22.6.2016).
“Vender sua própria alma… Invencionice falsa! E, alma, o que é? Alma tem de ser coisa inteira supremada, muito mais do de dentro, e é só, do que um se pensa: ah, alma absoluta! Decisão de vender alma é afoitez vadia, fantasiado de momento, não tem a obediência legal.”
– João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
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