Autor de uma obra versátil, satírica e de grandes romances de formação da identidade nacional, o baiano de Itaparica João Ubaldo Ribeiro consagrou-se como um dos maiores romancistas da literatura brasileira.
O ilustre integrante da cadeira nº 34 da Academia Brasileira de Letras – ABL era conhecido pelos amigos pela famosa voz de barítono e um humor fantástico. Parecia estar sempre alegre, mesmo quando fazia suas oportunas críticas sociais. Espírito crítico que levou para seus livros e colunas diárias nos jornais. Um baiano que fazia questão de retratar o povo brasileiro.
João Ubaldo Ribeiro – jornalista, romancista, cronista e professor brasileiro – nasceu em Itaparica, Bahia, no dia 23 de janeiro de 1941, na casa de seus avós, e faleceu em 18 de julho de 2014, no Rio de Janeiro, vítima de uma embolia pulmonar.
Seu primeiro romance foi publicado em 1963, intitulado Setembro não tem sentido, e após voltar dos EUA, onde cursou mestrado em Administração Pública, na Universidade da Califórnia, publicou o livro que lhe concedeu o Prêmio Jabuti, em 1972, na categoria “Revelação de autor”, o romance Sargento Getúlio (1971), que mais tarde foi adaptado para o cinema, tendo sido também premiado, assim como outras obras de Ubaldo adaptadas para o cinema e televisão.
Em 1982 inicia o romance Viva o povo brasileiro (intitulado primeiramente como Alto lá, meu general), publicado apenas em 1984, quando recebe o Prêmio Jabuti na categoria “Romance” e o Golfinho de Ouro, do Governo do Rio de Janeiro.
Em 2008, João Ubaldo, ganhou o Prêmio Camões, o mais importante prêmio da língua portuguesa, atribuído aos autores que tenham contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa.
“Todo mundo tem medo, mas a pessoa não pode ser medrosa. Para viver e fazer, é necessário manter uma coragem constante e acesa. Isto consiste em vencer a própria pequenez e é um dever e uma obrigação para com nós mesmos.”
— João Ubaldo Ribeiro, no livro “Política”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
“— Parece bobagem, mas não é! Temos de ser tudo, mas antes temos de ser nós, entendeu?”
— João Ubaldo Ribeiro, no livro “Viva o povo brasileiro”. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008.
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Já disse, mais de uma vez, que João Ubaldo Ribeiro foi um presente que Glauber Rocha me deu. Quando soube que eu ia à Bahia pela primeira vez, para apresentar “A grande cidade”, meu segundo longa-metragem, num festival local, Glauber decretou formalmente que eu não veria ninguém na cidade antes de conhecer e encontrar Ubaldo. Pensando bem, não era apenas um presente que Glauber queria me dar. Era também uma ordem, como era seu costume fazer com todos nós.
Como era meu costume fazer com ele, cumpri ao pé da letra a ordem de Glauber. No dia seguinte à minha chegada, a cidade se preparava febril para o carnaval quando deixei o hotel e fui à redação do jornal em que Ubaldo trabalhava, conforme Glauber pusera num pedaço de papel, com data e hora, para que eu não me esquecesse.
Para minha surpresa, Ubaldo não era um sedutor afável como os outros baianos dessa geração que eu havia conhecido. Me perturbava ter de falar mais do que ele e obter respostas curtas que pareciam conter uma ironia que eu não era capaz de entender. Ubaldo tinha que voltar para a redação e exagerava, como se tudo no jornal dependesse dele. Eu não podia ter argumento para mantê-lo a meu lado.
Como no romance de Graciliano Ramos, conheci Ubaldo mas não o conheci de uma vez. Foram necessários fins de tarde indo aonde ele me mandava ir, descobrir de onde vinha sua capacidade de explicar o que a gente precisava, sem lhe pedir nada, que fosse explicado. Nossa amizade se desenvolveria depois, no crescente caos material e espiritual do Rio de Janeiro, para onde se mudara. Hoje, posso passar o resto de minha vida falando e escrevendo sobre ele. Embora, como todo personagem de romance que vale a pena, ainda não saiba exatamente quem era João Ubaldo.
Já disse também que adoro a epígrafe de “Viva o povo brasileiro”, esse monumento da literatura em língua portuguesa: “O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias.” Uma versão solar da ideia de Gilles Deleuze a propósito de Proust: não existe a verdade, só interpretações. Mais adiante, ainda em “Viva o povo brasileiro”, ele se explica com clareza:
“Saber da verdade e querer impô-la aos outros, num mundo onde tudo muda e tudo se encobre por toda sorte de aparências, é uma grave espécie de loucura.”
Há pessoas que, quando morrem, nos tiram pelo menos um pouco do gosto pela vida. Ubaldo foi uma delas. Fico esperando que um texto seu, um excerto qualquer, me diga o porquê. Quando fui informado pela direção do jornal que minha coluna passaria a ser publicada no domingo, como foi a dele até a semana de sua morte, tive a impressão de vê-lo a meu lado rindo muito, nem sei direito por quê. No próximo delírio sobre o assunto, vou pedir a Ubaldo que me traga com ele Glauber Rocha, para que eu possa explicar um pouco quem eu sou. Só um pouco, porque muito também não sei.
O Brasil não gosta de seu passado, e sempre achamos que não temos direito a futuro nenhum. Para disfarçar, mentimos alegremente sobre o que somos e o que queremos ser. Nunca fomos o paraíso anunciado, enganamos todo mundo com pandeiros, palmeiras e sabiás, com nossos carnavais. Subestimado durante quase todo o seu primeiro século de vida, o Brasil foi inventado por caçadores de homens (que escravizavam os índios), um exército de exterminadores (que saqueavam a terra), um padre gago (Manoel da Nóbrega) e outro meio cínico (José de Anchieta), além de famílias como os Sá e os Souza. Como o que interessa é o presente, e este é a consequência do passado concreto e do futuro que sonhamos, ainda é preciso perder as ilusões para entender o Brasil de hoje. Os pensadores ocidentais sempre trataram nossa diferença como a ausência de alguma coisa que eles reconhecem e cultivam como civilização. Mas é justamente dessa ausência que podemos construir o único Brasil possível, o Brasil que vale a pena. Quem sabe então poderemos ser enfim felizes de verdade.
*Cacá Diegues, no O Globo, 7.2.2021.
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Romances
:: Setembro não tem sentido. 1968.
:: Sargento Getúlio. 1971.
:: Vila real. 1979.
:: Viva o povo brasileiro. 1984.
:: O sorriso do lagarto. 1989.
:: O feitiço da Ilha do Pavão. 1997.
:: A casa dos Budas ditosos. 1999.
:: Miséria e grandeza do amor de Benedita. 2000.
:: Dia do farol. 2002.
:: O albatroz azul. 2009.
Contos
:: Vence cavalo e o outro povo. 1974.
:: Livro de histórias. 1981. {Reeditado em 1991, incluindo os contos “Patrocinando a arte” e “O estouro da boiada”, sob o título de Já podeis da pátria filhos}.
Crônicas
:: Sempre aos domingos. 1988.
:: Um brasileiro em Berlim. 1995.
:: Arte e ciência de roubar galinhas. 1999.
:: O conselheiro come. 2000.
:: Você me mata, mãe gentil. 2004.
:: A gente se acostuma a tudo. 2006.
:: O rei da noite. 2008.
Ensaio
:: Política: Quem manda, porque manda, como manda. 1981.
Literatura infanto-juvenil
:: A vida a paixão de Pondonar, o Cruel. 1983.
:: A vingança de Charles Tiburane. 1990.
:: Dez bons conselhos de meu pai. 2011.
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Filme “Sargento Getúlio” – direção: Hermano Penna (1983)
O roteiro é baseado no livro homônimo de João Ubaldo Ribeiro
Filme “Deus é Brasileiro” – direção: Cacá Diegues (2003)
Baseado no conto “O santo que não acreditava em Deus”, de João Ubaldo Ribeiro
Minissérie: “O Sorriso do Lagarto” | Rede Globo (1991/ 52 capítulos)
Escrita por Walther Negrão e Geraldo Carneiro, baseada no livro homônimo de João Ubaldo Ribeiro | Informações: Memorial Globo.
Caso Especial “O santo que não acreditava em Deus” | Rede Globo (1993)
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“O homem é o necessário câncer da terra”
– João Ubaldo Ribeiro, no livro “Diário do Farol”. Alfaguara, 2016.
:: Editora Alfaguara/Companhia das Letras.
:: Agência Riff – João Ubaldo Ribeiro.
:: João Ubaldo Ribeiro – ABL.
:: Outros textos de e sobre João Ubaldo Ribeiro. AQUI!
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