sábado, dezembro 21, 2024

Joaquim Luís Mendes Gomes – poemas

Não interessa se de ouro se de pena
Não interessa se é de ouro
se é de pena,
a pena com que eu escrevo.

De que pano minha veste
nem o corte de meu fato.

Se redonda, se corrente
e o tamanho da minha letra.

O que importa é só o fundo,
o essencial.
É o bom e é o belo.
porque a forma quemquer a tece…
.
(Tapada de Mafra, 18 de Agosto de 2016)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (enviado pelo autor)

§

Abrir caminho
Há laços de ramagens e lianas,
espalhados que entravam o caminho.
Sem catana e muito esforço,
ninguém consegue avançar.
Há camadas de nuvens espessas,
nevoeiro, tão pesadas.
Nossos olhos, por mais potentes,
não conseguem devassar.
Só o sol.
Há na vida horas negras, carregadas de desespero.
Nada presta. Ninguém pode.
Tão geral.
Até parece o fim de tudo.
Um pesadelo.
Mas não é.
Porque o acaso e o abandono
não reinam
nem existem.
Só a fé e muita esperança
conseguem dissipar.
Há sempre um sol e a bonança
para cada noite negra e tempestade.
Ninguém está só!…
.
(Tapada de Mafra, 18 de Agosto de 2016
7h30m – o sol nasce a custo por entre nuvens)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (enviado pelo autor)

§

Estação errada
Vinha no comboio certo.
Saí na estação errada.
Um deserto árido.
Sem viv’alma à vista.
Só pó na estrada.

Vou regressar a donde parti.

O sentido é outro.
Talvez o sul.
Outro horizonte.
As terras virgens.
Constelações diferentes.

Onde o Inverno é Inverno
E o Verão é Verão.
Reina a verdade.
Aqui, mais não…
.
(Tapada de Mafra, 20 de Agosto de 2016)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (enviado pelo autor)

§

A Natureza
É cozinheira a Natureza.
Trabalha noite e dia na cozinha.
Que beleza de tempêros ela põe
Em cada prato.
Nos vicia…
Tem segredos. Não revela.
Só quer servir bem.
Igual para todo o mundo.
Nada cobra.
Enche o prato até esbordar.
Ninguém sai com fome,
É seu timbre.
A praia e serra é o refeitório.
De dia o sol é candelabro.
De noite um painel de estrelas
Com a lua a cirandar.
O vento silva afoito e certo
Ao ritmo das ondas
Que o mar rege
Como um maestro.
E a sala sempre cheia
Nunca fecha.
Tão belas são as sinfonias!…
.
(Tapada de Mafra, 20 de Agosto de 2016
7h10m – depois de ouvir Maria Betânia)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (enviado pelo autor)

§

No princípio…
Era o nada.

Nem o escuro.
Nem o claro.

Havia o zero.
Tudo era perfeito.
Porque o defeito não havia.

Então,tudo estava certo.

Não havia o deserto.
Nem a montanha.

Mas havia um leito,
Onde o rio não corria.

No lugar do mar,
Não havia água.
Não havia ondas.
Tudo era sereno.

Nem uma brisa breve.
Tudo era seco.
Tudo suave.
Nem o quente,
Nem o frio.
tudo era leve.

Um descampado gigante.

Não havia céu.
Não havia horizonte.

Nem uma nuvem só.
Por isso, também,
Nunca mais chovia.

Não havia o longe.
Só havia o perto.

Estava tudo à mão.
Era o princípio.

Tudo poderia ser.
Bastava nascer.

E assim foi.

Não se sabe donde,

Apareceu o sol.

Todo risonho.
Curioso.

Acendeu a luz.
E o calor.

Que desolação!

Tudo era só chão.

Deu uma volta imensa
E logo se escondeu,
Ninguém mais o viu.

E assim nasceu o escuro.
Parecia uma noite.
Não negra.
Nada se via.

Pouco depois,

Se assim se pode dizer,

Um clarão surgiu ao fundo.

De novo ele,
Um balão de luz,

Muito lento,
Começou a subir.

Veio a cor…nasceu o claro.
Tudo aqueceu,
Mas sem nada queimar.

Logo a seguir,
Um cortejo de lã,
Em enormes farrapos,

Se estendeu no alto.
Encobrindo tudo,
Mas sem nada esconder.

E veio o vento.
As desfez em chuva.

Tanta caíu,
Encheu de rios,
Tão tresmalhados,
Tão aturdidos,
A correr nos leitos,
Sem saber para onde…

E encheram o mar.
Que o vento cobriu de ondas.

Num azul perfeito.
Um espelho do céu.

Onde surgiram estrelas.
Só brilhavam no escuro.

Não se sabe como,
Nem qual a semente,
Foi tão de repente.

Tudo verdejou de vida.
Com forma de árvores,
Tantas folhas verdes,
Que deram flores
E que deram frutos.

Caíam ao chão.
Aos montes.
Ninguém os comia!…

Surgiram os campos,
Como mantos de verde.
Nasceram flores,
De tantas cores,
Dançando ao vento.

E, pelo ar, ao alto,

Surgiram aves,
Aos bandos.

Batendo as asas,
Soltando pios.
Iam onde queriam.
Em liberdade.

Quando o mar encheu,
Ninguém sabe como,
Se encheu de peixes.
Parecendo aves.
Andavam livres,
Em grandes cardumes.

E, assim, a solidão que havia,
Se encheu de seres.
Com tantas figuras,
A bailar de vida.
Se sentiram bem.
Nunca mais se foram.

– Ouvindo o “Lago dos cisnes” de Tchaikovsky –
Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 22 de Maio de 2014)
– enviado pelo autor –

§

As linguagens
Tudo seria um ermo,
entre os seres viventes,
sem o dom da linguagem.
Rutilantes se pavoneiam as papoilas,
bailando ao vento
e como deliciam nossos olhos.
Transmitem alegria os gritos e as gargalhadas das crianças,
nas inesgotáveis brincadeiras,
dando esperança a quem passa.
As desprendidas excursões a pé,
ora subindo ora descendo,
as encostas e os vales,
sorvendo o ar e a luz do céu,
que nos suaviza o caminhar,
mesmo que se queixem de cansaço
as nossas pernas.
Enchendo-nos de força e vontade de viver.
Contemplar os rios a correr,
ora em fúria ora brandos,
através dos leitos que rasgaram.
Nos despertam as ganas de lutar e fugir à letargia.
E as voltas incessantes
dos bailados
que descrevem pelo ar em festa,
a passarada
fazem-nos esquecer o chão
com suas asperezas,
e alcançar a doçura da vertigem das alturas.
E a viagem imparável do rodar da natureza,
em fulgorosas cavalgadas,
quer chova neve
ou faça sol.
Como a dizer que nossa vida é um fluir,
em constante mudança de cor.
E a corrente de amizades
que vão surgindo,
pelos caminhos,
qualquer que seja a nossa sorte.
Como archotes a arder
que aquecem e iluminam.
É o esplendor do encanto
de tanta forma de linguagem
que foi posto ao nosso dispor…
ouvindo Plácido Domingo e outros…
o sol já brilha alto
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlin, 24 de Maio de 2015)
– enviado pelo autor –

§

A bengala…
Companheira pronta e fiel
Que se oferece de graça
Num arco à mão.
Torna mais curto e leve o caminho.
Sustenta o peso dos passos no chão.
Sentinela avançada que espreita e avisa
Se é para seguir
Ou se deve parar.
Uma arma secreta.
Vara certeira, pronta a apontar,
Se houver um ataque.
Oxalá muito tarde ou nunca
Eu precise de ti…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlin, 5 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Sermão da montanha…
Não subo à montanha,
Nem prego sermões.
Não visto fardas.
Nem opas de igrejas.
Sem distintivos na minha lapela.
Não sirvo clubes
Nem nenhum partido.
Enchi o meu espírito
Com luzes nascidas
Nos alvores do Marão.
Com rocha,
Granito,
Cobertos de musgo,
Onde crescem as urzes,
Há lobos vadios
Que louvam a Deus.
Minha estrela é polar,
O cruzeiro é do sul.
A lua de Agosto,
Em noite de breu.
O sol me ilumina e me aquece.
Me banho no mar.
Respiro a brisa
Em ondas de espunha.
Me visto com algas,
E durmo no chão.
Não tenho automóvel.
Nem sigo as estradas.
Sigo caminhos trilhados
Por feras ou rebanhos
Perdidos que só vivem ao ar.
Oiço as aves rapinas
Pairando nos ares,
Às voltas na vida,
Fazendo seu ninho,
Buscando seu pão.
Como carcaças silvestres.
Amoras das negras,
Que nascem maduras
No meio das silvas.
E cachos de uvas
Que nascem bravias
No meio das fragas.
Não servem para vinho.
Mas são como o mel.
Não ando descalço.
Trago sandálias de couro
E de pele.
Um manto de trapos,
Com um cinto apertado,
Me cobre e me tapa.
Não uso camisa.
Não ponho gravata,
De inverno e verão.
Meus cabelos
E barbas grisalhos,
Soltos ao vento,
Me pendem à frente
E ficam para trás.
Levo um cajado,
Por causa das feras.
Encho o cantil
Com água das rochas
Faço fogueiras,
Asso maçarocas de milho,
Sabem a pão.
Não tenho relógio
Nem conto o tempo.
Nem somo os dias e noites,
Que nascem e morrem
Sem mim,
Caídos do céu.
Minha alma sem penas,
Afastada do mundo,
Voa tão livre,
Com asas de sonho.
Meu corpo cansado,
Dormita,
Estendido no chão.
É assim que eu vivo
Não prego nem oiço sermões…
Ouvindo Bill Douglas
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlin, 25 de Maio de 2014)
– enviado pelo autor –

§

Aprendi de cor…
Sei tudo de cor…
Como Deus me ensinou à nascença.
Tudo que aprendi depois,
Veio manchado de mentira.

Levei a vida inteira a limpar…
Só agora,
Ao fim de tantos anos,
Voltei a reaver
A limpidez do que aprendi,
Mal acordava
Para nascer.

A partir daí,
Ouvi tanta coisa falsa.
Com que intuito,
Eu não sei.
Tudo é simples, afinal.
Como a água fluente,
Quando nasce
No cimo do monte.
A humanidade é um terror.
Só pensa em destruir.
A riqueza está na nascente.
Nunca a deixem inquinar.
O rio, quando nasce,
Só pensa em chegar ao mar…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 20 de Novembro de 2013)
– enviado pelo autor –

§

Molho de chaves…
Tenho um molho de chaves,
Religiosamente guardado,
Desde os meus verdes anos.
Desde a altura
Em que me senti entregue a mim.
Nos anos de 52…

A primeira foi da mala,
Onde transportei meu enxoval.
Quando entrei no seminário.
Mala em pinho,
De encomenda,
Ao carpinteiro amigo Do meu Pai.
Em ferro forjado.
Uma verdadeira miniatura,
Que a ferrugem come,
Da chave duma casa.

Depois, a da mala de cartão castanho.
Muito minúscula.
Pareceria agora um brinco…
Onde trazia a roupa e livros,
Quando vinha e ia no fim das férias.

A terceira, deu-ma a tropa.
Era singela…
Para um saco em pano,
Em manga d’alpaca
Até à hora solene
Em que me vi oficial.
Mais fidalga…
Luzia a prata.
Viajava em primeira,
Nos comboios
E no paquete luxuoso
Que me levou
Num camarote,
Até ao Funchal.

E dali, até à Guiné…
Muito velhinha,
Só ela sabe o que lá passei…

Depois, a do quarto,
Como dum armário,
Em Lisboa,
Que eu tirei à dona,
Onde fui hóspede,
Até casar.

Fui saltitão,
De casa em casa,
Até assentar.
Do sul ao norte,
Terão sido sete.
As casas onde eu vivi.
E criei os filhos.

Agora, em Berlim,
Onde me trouxe o vento…
Que grande molho!
Com tantas histórias…
Até à derradeira,
Parecerá de oiro…
Que me levará para a cova…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 19 de Novembro de 2013)
– enviado pelo autor –

§

Incontáveis distracções…
Minha casa é um mundo aberto.
Onde cabe o mundo inteiro.
Minhas portas,
Largas,
Estão sempre abertas.
Pode passar alguém cansado,
É só bater e pernoitar.

A lareira tem sempre fogo,
Nem que seja em lume brando.
Sempre à mão,
Há chá e há café.

Há cadeiras junto à lareira,
É só pôr a cafeteira ao lume
E nunca há horas para deitar.

Minhas janelas amplas
Não têm cortinas,
Além da bruma negra
Ou maresia em neblina.
Nas noites longas,
Sem o sono ou companhia.

Oiço o piar das toutinegras,
Conto estrelas ao luar…
.
(Ouvindo Hélène Grimaud)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 19 de Novembro de 2013)
– enviado pelo autor –

§

Ponto morto…
Nem demais nem de menos.
Nunca o ponto morto.
Já chega o campo santo.
Onde jaz para sempre
O forte e o fraco.

Só o plano, inerte,
Também não presta.
O equilíbrio mora
No sobe desce.
Por ele se alcandora
À felicidade.

Nem sempre alegre,
Nem sempre triste.
Tudo seja em dose certa.
É quando não há
Que se dá valor.

E, se sobrar,
Há sempre quem esteja à espera.
Fartura a mais
Só traz tristeza.

SEmear a tempo
Para colher à hora…
.
(dia quente)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 6 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Coro dos pardais…
Vieram em bando
De muito longe,
Do outro lado do mundo.

Pelo amanhecer dum dia,
Poisaram num castelo alto
Onde reinava em paz
Um imperador.

Todos dormiam tranquilamente.
Até as sentinelas.

Se deram as asas,
Postados em linha ao longo das ameias
E, à uma, em coro,
Começaram a cantar
O hino do amanhecer.

Em alvoroço,
Como dum sonho,
Todo o mundo acordou espantado.

Saíram à praça
Para os ouvir melhor.

Deliciados, nunca tal acontecera.
Tanta passarada linda
De lindas cores.
Que bem cantava.

É milagre! É milagre!
Gritaram todos.

Aturdida a passarada,
Fugiu em bando
Para as alturas do céu.
E nunca mais voltou.

De tristeza e silêncio
Se encheu o castelo…
Quase morreu.

Ainda hoje se festeja lá,
O imperador o quis,
Aquela invasão feliz da passarada.
.
Ouvindo Rachmaninov, concerto nº 2 por Fedorova ao piano
Lindo dia de sol
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 8 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Arado do deserto…
Arado sem raviça
Que lavra e alisa
As areias imensas do deserto.

Desce do ar,
Rugindo forte,
Fustigando as dunas secas,
Sem espuma,
Daquele mar sem fim..

Baloiço feroz
Que vai,
Para trás e para a frente
Até as pedras se escondem
E fingem de mortas,
Como conchas inertes.

Se enfurece,
Buscando as árvores
Que não encontra.
Devorou o sal e a água.
Era vivo, agora é morto.

Vento polar,
Do sul e do norte.
Tufão em brasa,
Vilão da morte,
De leste e de oeste.

Leão rugindo
Com fome e sede.

És tu …o vento
No deserto imenso…
.
(Dia enevoado)
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 9 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Suavemente…
Sem atropelos nem alvoroços,
Suplanto os ermos.
Percorros os vales.
Trepo encostas
E me alcandoro às alturas.

Vejo por cima, um mar de núvens.
E, por entre as frestas,
Miro a Terra ao fundo,
Dormindo serena e inofensiva.

Me dedico ao belo.
Como um gamo ao pasto
Donde colhe puro,
O seu alimento.

Me espanto ouvindo
O mavioso sibilar do vento,
Pelas encostas
E pelas ravinas.

Me espraio ao sol
Duma praia azul,
Sem ondas
Nem sequer areias.

Me reclino à soberba majestade
Das galáxias,
Engalanadas de colares de estrelas
E duma manta infinda enluarada.

Assisto ao nascer do sol,
Como o príncipe encantado
Que espera a sua virgem.

Fico esperando a hora morta do destino
Que me há-de levar feliz
Para o outro mundo…
.
ouvindo Heléne Grimaud, tocando Rachmaninov
. dia cinzento
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 15 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

O Pescador …
Partiu pálido,
De muito triste,
Cheio de esperança…
Passou a barra
E fez-se ao mar.
Lá em casa,
Apagou-se o lume.
Acabou-se o pão.
Havia fome
E um mês inteiro
Que o mar bramia.
– Hoje há mar!-
Exclamou o mestre,
Cá de fora,
Em plena madrugada.
– Ainda bem que o patrão chegou.
Parecia mesmo adivinhar.
Vestiu as calças,
O camisolão.
Enfiou o gorro.
Olhou para o berço.
Abraçou a Rosa
E partiu contente.
– Que Nossa Senhora vos proteja
E traga breve!…
– Exclamou a Rosa a soluçar.
De velinha acesa,
A tremeluzir,
nunca apagou.
– Avé Maria!…
Não secou os olhos,
Até ele vir…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Ovar, 18 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Encontrei em mim
Numa das minhas digressões mentais,
Encontrei em mim,
Um recanto esquecido.
Abri-lhe a porta.
Fiquei espantado.
Surpresa inaudita.
Ali jazia dormente,
A agressividade
Que pensava não tinha.
Toda a vida esperou intervir.
Cansada,
Supôs-se em desprezo,
Deitou-se à sombra
À espera da morte…

– Joaquim Luís Mendes Gomes (Tapada de Mafra, 10 de Agosto de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Nem mais um cabe na sala de aula…
A mesa está posta.
A sala está cheia.
O mestre chegou com alimento.
Chegue e não sobre.

À hora marcada começa a lição.
Saber donde vimos.
A terra que ocupamos.
Como apareceu.
Os castros e menhires.
O sangue derramado.
O que foram os castelos.

As igrejas que temos,
sem cruzes e com.
Enchem e vagam,
depois do trabalho.

As serras e rios
Que nos banham a terra.
As culturas que dão.
Se chegam ou não
e como se fazem.

Os cantos e lendas
da nossa história passada.
Para que serve a bandeira e o hino.
E as ermidas nos cumes.

As linhas de ferro e estradas
que visitam as gentes
para lá das montanhas.

Onde chegaram os antanhos
nas suas barcaças,
arrostando os mares.
Um império de riquezas
e glórias passadas.

Ó que fartura na mesa
que dá para um ano.
Alimento dum povo.
Sem ele é um bando,
sem alma e sem corpo.
Um castelo ao vento
que não serve para nada…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Roses, 6 de Julho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Tango sem concertina…
Não precisa de voz
nem concertina.
Basta-lhe o mar,
exposto ao vento,
com nuvens a bordo.

Seu ritmo é a rota
transatlântica, intercontinental.
Sem datas marcadas,
ao sabor das marés.

Gaivotas canoras voam nos ares.
Cardumes de peixes
em arcos velozes,
traçam o caminho,
nas sendas do tempo.

Navio sem mastros
nem rodas nos pés.
Cavalo alado,
Em trote ligeiro.

Formiga esquecida
no deserto do mar.
Veleiro à vela,
sem velas ao vento,
com força gigante.

Nada o amarra na barra.
Seu destino é o tango,
Seu palco é o mar…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Roses, 4 de Julho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Mais uma vez…
Mais uma vez me vejo em Roses.
Prenda linda que o Mediterrâneo dá.
Praia alegre, com tês africana,
Presa à Europa,
Começo da serra.

De verão há sol.
De inverno há neve.
E o vento é forte,
Quando lhe dá na gana.

Fui ver o mar.
Como vai azul.
O céu é verde
A brilhar ao sol.

Que rico colar de oiro
Que esta praia tem.
Tantas voltas dá
Como em carrocel.
Uma manta de ondinhas
Fica-lhe tão bem.

Reluzem lá ao longe
Tantas casinhas brancas.
Parecem lencinhos brancos
A acenar de paz.

Tantos barquinhos leves
Em sementeira azul,
Dançam sobre as águas,
Sua alegria é grande
Por nos ver aqui…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Ramblamar em Roses, 3 de Julho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Minhas portadas brancas…
Abro de par em par,
Minhas portadas largas,
Ao sol e ao sal
Do mar profundo.
Deixo entrar no vento
Os acordes ternos
Das ondas salsas.
Me banho, dos pés à cabeça,
Na sua espuma ardente,
Em chama branca.
Regalo meus olhos sedentos,
Na infinita vastidão azul.
Me lanço correndo,
A toda a força,
Por este mar aberto.
Para lá do mundo.
Minha alma sobe leve
Até às nuvens.
E voa, liberta à solta,
Mirando a terra.
Como uma estrela de prata,
A vê serena e azul.
Só ela sabe
O que, de bem e mal,
Se vive nela.
Implora aos céus
Lhe chova intensa a paz
E, com pétalas de amor,
A faça feliz…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 30 de Junho de 2014)
– enviado pelo autor –

§

Tudo era festa…
Sentado a uma mesa luzente
Neste bar de gente,
Que fica num “super”,
Onde chegam e saem,
De sacos na mão,
Com pão para o jantar,
Sigo atento,
Seus rostos, seus passos,
Oiço e cogito,
Sobre o que é o presente,
Sobre o que foi o passado.
Quando não estavam certas as coisas,
Havia paz e alegria,
E nem tudo era errado.
Só havia feiras,
Ao mês,
E uma vez por semana.
Havia as “vendas” caseiras,
Onde se vendia o azeite e sabão,
Se bebia um copo,
Se trocavam as novas,
Se cortava a casaca,
Do vizinho da frente,
Se piscava o olho matreiro,
À dona da venda,
Nas barbas do dono,
A ver se pegava…
Se falava da guerra,
Da bola
E da missa da terra,
Onde pregava o abade,
O soba da terra.
Ainda não havia os “supers”..
Tudo era festa!…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Ovar, 28 de Junho de 2012)
– enviado pelo autor –

§

Por entre as nuvens que correm…
Por entre as nuvens que correm,
Há-de passar um raio de sol.
Há um poema escondido.
No meio de tanto negrume,
Preciso de luz para o ver.
Por mais força que faça,
Corra lá o que correr,
Mais vale esperar que amanheça
E ver o sol a nascer.
Nada vem por acaso.
A mente é um relógio escondido
Que não precisa de corda.
Só se lhe vêem as horas
Quando o sol lhe bater.
Fluem as águas do rio,
Faça o tempo que for.
Pescar é tempo perdido
Se não vai um cardume a passar…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 28 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Na minha infância…
Na minha infância,
pelas tardinhas
no mês de Junho,
fazia calor.
E as andorinhas,
num corropio,
voavam rentes,
ccmo cardumes,
ao pé do chão.

O badalar das noras,
trazia do fundo,
cataratas de água,
faziam rios,
nos pés do milho
e trigais em flor.

havia noitadas,
balões subindo.
cascatas de musgo
em honra do Santo.
– “um tostãozinho pró São João!

Que felizes éramos,
Como nunca maia…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 25 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Aquelas mesinhas parcas
Que se desciam no comboio
frente à barriga,
mesmo pequenas,
davam para tudo.

Para poisar um livro.
Escrever uma carta.
Comer o almoço,
jogar às cartas.
Em bom convívio
a dividir por dois.

Se fizeram ao mundo.
Novos tempos.
O computador é rei.
Com internet.
Fones de orelhas.
No isolamento.
Sem ver ninguém.
Como entra sai.

Coitadas delas.
Já não dão para mais…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 25 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§
fome de paz…
abro as janelas
deixo entrar
a luz e o vento.
lanço meus sonhos,
aves condor,
com fome do alto.
contemplo as nuvens.
caravelas de luz,
navegando no céu.
choram-me os olhos
de encanto e doçura.
bendigo esta fome constante
de alegria e de paz…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 7 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

minha esperança constante…
é chama que arde incandescente
e vigorosa.
é estrada segura que me leva,
seguro e certo.
é sol.
é lua de agosto com luz.
farol a rodar
me acenando presente.
minha escada degrau
que me ergue para o alto
e transcende.
lhe confio meus passos
neste chão pedregoso
que me sangra os pés.
bendigo as mãos
que ma deram
e acenderam
lá atrás…
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 7 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

Meu lindo Tejo
grande, forte e vigoroso rio quente
que me banhas e inebrias.
cada hora, cada dia.
és belo.
obra-prima da natureza.
manso e terno.
por vezes, bravo
como o vento.
tu me vês,
para mim olhas,
companheiro.
são dois braços
que me prendem
e me abraçam
tuas margens.
ora loiras,
sempre verdes.
vens de longe.
caminhada longa,
desde a serra .
tua pureza
é da fonte onde bebes.
teu desejo,
eu bem sei:
é ver o mar
que desde sempre,
te acolhe e te espera…
ouvindo Barry White
– Joaquim Luís Mendes Gomes (Berlim, 7 de Junho de 2016)
– enviado pelo autor –

§

BREVE BIOGRAFIA
Joaquim Luís Mendes Gomes é filho de Pedra Maria, uma aldeia do Norte (Portugal). Nasceu numa casa amarela, arrendada, mesmo à beira da estrada. Pai, alfaiate. Mãe, distribuidora de pão. Ia descalço para a escola. Fez a 4ª classe com distinção. Foi seminarista. Militar e combatente por obrigação e jurista. Casado. a mulher é bióloga. Investigadora. em Biologia molecular. Tem quatro filhos – dois casais. Um é sacerdote. Duas licenciadas. Um doutorado. Quatro netos. Lê. Escreve. Passeia. Medita e maldigo o tempo que passa. Filosofia, História e Religião. Internet é a sua nave.
. Página atualizada em 20.8.2016.


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