Layla Jorge - Toda Mulher - foto: Hoana Bonito
“Toda Mulher”, álbum de estreia da cantora e compositora Layla Jorge, que conta com as participações de Zélia Duncan, Áurea Martins, Cátia de França, Fabiana Cozza, Ná Ozzetti, Renata Jambeiro e Ieda Figueiró
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Chegou às plataformas de música “Toda Mulher”, álbum de estreia da cantora e compositora brasiliense Layla Jorge. O disco, editado pela Biscoito Fino, celebra a mulher brasileira, representada em arquétipos e personalidades que se tornaram ícones do imaginário poético e político do Brasil. A mulher urbana e a rural; o Brasil oficial e o real; o dia e a noite feminina, em samba, marcha, baião, jazz, púlpito, lida, pedra e fogão. “Toda Mulher” é uma velha conhecida das casas, quintais e ruas do Brasil.
Com 13 faixas, sendo 12 autorais, o projeto é conceituado a partir do poema Todas as vidas, de Cora Coralina, e de outros momentos da obra poética de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nome de nascimento de Cora, a poeta e doceira da cidade de Goiás.
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O álbum conta com as participações especiais de Zélia Duncan, Áurea Martins, Cátia de França, Fabiana Cozza, Ná Ozzetti, Renata Jambeiro e Ieda Figueiró, além de uma participação especial de Maíra Freitas ao piano.
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No enredo do disco, outros nomes que se tornaram símbolo das lutas das mulheres do Brasil, com homenagens a Margarida Maria Alves, líder sindical assassinada por sua luta no campo; Estamira, catadora paulistana objeto de documentário do diretor Marcos Prado, de 2006; Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada em 2018, e cujo os suspeitos de encomendar o crime foram revelados recentemente; Carolina Maria de Jesus, escritora e compositora ascendida da favela do Canindé, em São Paulo (SP); e Roberta Nascimento da Silva, mulher trans morta após ser incendiada viva no Cais de Santa Rita, no Recife (PE), em 2021.
Faixa a faixa – “Toda Mulher”
“Todas as vidas” – Prólogo (part. Áurea Martins, Cátia de França, Fabiana Cozza, Ieda Figueiró, Ná Ozzetti, Renata Jambeiro e Zélia Duncan)
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A abertura do álbum reúne todas as cantoras convidadas para a leitura dramática do poema Todas as vidas, de Cora Coralina. Nessa obra, Cora descreve como é, ela mesma, constituída e habitada pelas mulheres que, frequentemente invisibilizadas no cotidiano, sustentam o nosso tecido social: a cozinheira, a roceira, a lavadeira, a benzedeira, a prostituta e a proletária, mulher do povo. Encontraremos novamente cada uma dessas personagens ao longo do álbum.
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“Quarto de despejo” – Para Carolina Maria de Jesus
A primeira canção do disco, em tom apoteótico, é uma homenagem a outra mulher icônica da nossa literatura: Carolina Maria de Jesus. Quarto de Despejo, canção que leva o nome da primeira obra da escritora, celebra a capacidade de transformação do mundo através da arte e da poesia. Carolina Maria de Jesus, ao imaginar uma outra realidade possível para si, a materializou, demonstrando que não há limites para o desejo. No final da faixa, a referência ao carnavalesco Abre-alas, de Chiquinha Gonzaga, homenageia as compositoras do Brasil, coroando a trajetória da personagem e servindo de arauto às próximas mulheres do disco.
“Couro grosso” (part. Áurea Martins) Para Marielle Franco
Couro grosso evoca um momento no tempo: o anúncio, nos jornais, da execução de Marielle Franco. O eu lírico da canção reage à tragédia perguntando: o que direi às crianças? Como recuperar a esperança diante desse desconsolo? Não há respostas prontas. A voz que dá o tom da gravidade desse cenário é a da cantora convidada Áurea Martins, que encerra a faixa cantarolando uma melodia que é ao mesmo tempo uma nênia e uma canção de ninar, alentando o ouvinte.
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“O Fardo” – Para a mulher prostituta
Ecoando o poema de Cora, O Fardo traz uma das mulheres destacadas pela autora: a prostituta, “mulher da vida”, que finge ser alegre o triste fardo que carrega. Irreverente, a letra brinca com a oposição às Mulheres de Atenas de Chico Buarque, e desafia a Igreja, a família e o Estado como instituições sociais. No refrão, provoca o ouvinte a assumir seu lugar e compartilhar do seu peso. “Quem é essa mulher?”, ela pergunta, e todos respondemos: sou eu!
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“Lua-luar” (part. Zélia Duncan) Para a mulher lésbica
Inspirada no poema homônimo de Cora, Lua-luar canta o amor entre mulheres. A lua, seduzindo a poetisa, aparece em sua janela à noite para visitá-la. É sua cúmplice, andrógina, irresistível. Para dar voz a esse romance, a cantora convidada Zélia Duncan incorpora a própria lua, em um dueto apaixonado entre amantes.
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“Cais de Sta. Rita” (part. Maíra Freitas) Para Roberta Silva
Cais de Santa Rita é o local onde foi assassinada Roberta da Silva, na cidade de Recife. Vítima de crime de transfobia, Roberta teve 40% do seu corpo queimado em um ataque súbito, na rua, confirmando o Brasil como o país que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo. A tragédia não afeta apenas mulheres trans: é um violento recado, para todas nós, de que as regras do patriarcado devam ser estritamente cumpridas. Enquanto subsistir essa ameaça, entoaremos o refrão: ninguém está seguro. Ao piano, Maíra Freitas nos dá o tom dessa triste indignação, em lindo improviso jazzístico.
“Margarida” (part. Cátia de França) Para Margarida Maria Alves
Dando vida à mulher roceira de Cora, se apresenta Margarida Maria Alves, militante pelos direitos das mulheres e da reforma agrária no Brasil. Margarida foi uma das primeiras mulheres a presidir um sindicato no país, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba, sua cidade natal, onde moveu mais de 600 ações trabalhistas denunciando as condições precárias de trabalho na Usina Tanques S.A. de exploração de cana-de-açúcar da região. Inimiga dos latifundiários, Margarida foi executada por um matador de aluguel em 12 de agosto de 1983, com um tiro de espingarda calibre 12, no rosto, em frente à sua casa. Sua morte inspirou o levante da Marcha das Margaridas, manifestação de mulheres trabalhadoras rurais de todo o Brasil em prol de direitos sociais e contra a violência contra as mulheres do campo e da floresta, organizado a cada quatro anos em Brasília. Para homenageá-la, a cantora convidada Cátia de França, sua conterrânea, concede sua voz à personagem, traduzindo o sertão paraibano.
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“Guiné” (part. Renata Jambeiro) Para a mulher benzedeira
Guiné canta “a cabocla velha” de Cora. “De mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço… Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo…”. Figura presente no cotidiano do Brasil, marcado pelo sincretismo religioso, a benzedeira é a responsável pela saúde física e espiritual, em um ofício passado de geração em geração entre as mulheres. A faixa nos transporta para o quintal de casa, com banho de folhas e samba de roda, batendo na palma da mão para chamar a benzedeira. Como cantora convidada, Renata Jambeiro entrega sua própria devoção à faixa.
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Ponto cruzado (part. Ná Ozzetti) Para a mulher costureira
As moiras, na mitologia grega, eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar o fio da vida. Trata-se de uma alegoria sobre o papel da costureira, ofício ligado ao cotidiano das mulheres que, com suas mãos, consertam, remendam, e fabricam o tecido que nos une. Para cantá-las, a cantora convidada Ná Ozzetti, em linda interpretação, se vira do avesso e refaz os pedaços dos nossos corações. Na introdução, em nova homenagem às compositoras brasileiras, uma citação à obra Bordões do Luar, da pianista Amélia Brandão Nery, conhecida por Tia Amélia, marca o tempo da máquina de costura.
Azul-anil (part. Fabiana Cozza) Para a mulher lavadeira
A lavadeira, com “seu cheiro gostoso d’água e sabão”, é figura presente tanto na poesia de Cora quanto no cotidiano de Goiás Velho e tantas outras cidades do Brasil. A canção fala sobre a sua resiliência, pedra firme de arrimo, resistindo enquanto a água passa por ela todos os dias. A mesma relação se vê no arranjo, com a percussão grave em contraste com as cordas. Na voz, a cantora convidada Fabiana Cozza dá vida à lavadeira, em interpretação forte como a personagem, e delicada como o rio.
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Fruta-coração (part. Ieda Figueiró) Para a mulher cozinheira
A cozinheira é, talvez, a personagem mais onipresente do universo de mulheres apresentado. Na poesia de Cora, ela se apresenta por seu quitute bem feito, sua panela de barro, pedra pontuda, cumbuco de coco, pisando alho-sal. Na canção, sua presença é indomesticável. Parece cozinhar para apaziguar uma falta. Serve a si própria na bandeja. É ela a nutriz, sem receber compensações em retorno. Como cantora convidada, Ieda Figueiró, artista e militante da causa trans, encarna a cozinheira em toda a sua intensidade e presença histriônica, rindo para não chorar.
À beira – Para Estamira
“Louca”. Esse é um dos ataques mais comuns às mulheres, tidas historicamente como histéricas, irracionais, sempre à beira da loucura. A canção, inspirada na biografia de Estamira, que ganhou notoriedade no documentário dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, em 2005, trata justamente desse permanente julgamento da nossa sanidade. Com ela, nós rimos e anunciamos: essa não é nossa primeira fogueira. Podem torrar nossa carne, que ainda seguiremos inteiras! No final da faixa, um corte. “É o fim”. Termina o álbum? Para onde vão essas mulheres agora?
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“Pedras, doces e rosas”
A última faixa, que conta com participação especial de Manassés Sousa na viola, é dedicada, enfim, à mulher poeta, que ora se confunde com a compositora. É inspirada livremente na poesia Meu Destino de Cora Coralina, e sintetiza a ideia apresentada no prólogo: todas as mulheres me habitam. Ainda que nossas trajetórias sejam totalmente distintas, há um elo entre nós, uma comunhão, a um só tempo, explícita e secreta unindo a todas. Entre refrões, ouvimos se repetirem as linhas melódicas das faixas anteriores, como ecos das outras personagens, fechando o arco sonoro e poético do álbum. Fica então evidente: todas as mulheres que ouvimos se apresentaram a nós através da poetisa, como se ela nos contasse um sonho.
Disco ‘Toda Mulher’ • Layla Jorge • Selo Biscoito Fino • 2025
Canções / compositores
1. Todas as vidas / Prólogo (Cora Coralina) | Participação Áurea Martins, Cátia de França, Fabiana Cozza, Ieda Figueiró, Ná Ozzetti, Renata Jambeiro e Zélia Duncan
2. Quarto de despejo (Layla Jorge) / Para Carolina Maria de Jesus
3. Couro grosso (Layla Jorge) / Para Marielle Franco | Participação Áurea Martins
4. O fardo (Layla Jorge) / Para a mulher prostituta
5. Lua-luar (Layla Jorge) / Para a mulher lésbica | Participação Zélia Duncan
6. Cais de Sta. Rita (Layla Jorge) / Para Roberta Silva | Participação Maíra Freitas
7. Margarida (Layla Jorge) / Para Margarida Maria Alves | Participação Cátia de França
8. Guiné / Para a mulher benzedeira | Participação Renata Jambeiro
9. Ponto cruzado (Layla Jorge) / Para a mulher costureira | Participação Ná Ozzetti
10. Azul-anil (Layla Jorge) / Para a mulher lavadeira | Participação Fabiana Cozza
11. Fruta-coração (Layla Jorge) / Para a mulher cozinheira | Participação Ieda Figueiró
12. À beira (Layla Jorge) / Para Estamira
13. Pedras, doces e rosas (Layla Jorge) | Participação especial Manassés Sousa
– ficha técnica –
Layla Jorge – voz | Participação especial: Áurea Martins – voz – fx. 1, 3 | Zélia Duncan – voz – fx. 1, 5 | Maíra Freitas – piano – fx. 6 | Cátia de França – voz – fx. 1, 7 | Renata Jambeiro – voz – fx. 1, 8 | Ná Ozzetti – voz – fx. 1, 9 | Fabiana Cozza – voz – fx. 1, 10 | Ieda Figueiró – voz – fx. 1, 11 | Estamira – voz – fx. 1, 12 | Manassés Sousa – viola – fx. 13 | Músicos: Violão – Alberto Salgado | Baixo elétrico – Bruna Tassy | Percussão – Larissa Umaytá | Bateria – Célio Maciel | Cavaco – Iza do Cavaco | Flauta transversal – Thanise Silva | Trombone – Marcello Damaceno | Trompete – Moisés Alves | Bandolim – Victor Angeleas | Piano – Maíra Freitas, Luiza Aquino | Acordeon – Rodrigo Zolet | Clarinete – Paula Pires | Viola de arco – Victor Bueno; Carlos Eduardo Leandre Pereira Junior; Daniel Marques de Almeida Rolim | Violoncelo – Mar Nóbrega | Saxofone – Isadora Pina | Guitarra – Marlene de Souza Lima | Violão de 10 cordas – Manassés Sousa | Contrabaixo – Igor Diniz Paula | Coro de vozes – Natalia Quiroga Coelho; Sofia de Faveri; Leana; Daniel Cesar; Alan Pinho; Pedro Souto || Concepção – Layla Jorge | Direção artística – Rhenan Soares | Produção executiva – Halegoria Cultural | Direção musical – Alberto Salgado | Arranjos – Victor Curado | Produção musical – Victor Curado, Layla Jorge e Alberto Salgado || Capa: Direção artística – Rhenan Soares | Fotografia – Hoana Bonito | Design e ilustrações – Letícia Vieira | Direção de Arte – Layla Jorge e Luzia Jorge | Escultura na capa – Cabeça de mulher, de Cida Lima | Direção de moda – Clarissa Jurumenha | Styling – Jéssica Saraiva e Nayra Tourinho | Figurino – Ferretti Wear | Beleza – Camila Lee | Produção executiva – Halegoria Cultural | Assistência de produção – Daniel Cesar || Fotos: Hoana Bonito | Gravado entre maio de 2023 e abril de 2024, no Refinaria Estúdios (Brasília/DF), com captações adicionais em Space Blues (SP), Estúdio Arsis (SP), La Maison Estúdio (RJ) e Peixe Boi Estúdio (PB) | Assessoria de imprensa: Belinha Almendra / Coringa Comunicação | Selo: Biscoito Fino | Formato: CD digital | Ano: 2025 | Lançamento: 10 de abril | ♪Ouça o álbum: clique aqui.
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>> Siga: @laylateama | @biscoitofino | @bmg_br
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Série: Discografia da Música Brasileira / Canção / Álbum.
Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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