Publicado em 1956, “Uivo” tornou-se no manifesto da “Beat Generation” norte-americana. Leia aqui a primeira parte do célebre poema de Allen Ginsberg*, numa tradução de Margarida Vale de Gato. E no final conheça o manuscrito original de Uivo (‘Howl’) que revela o processo criativo do autor. Documento disponibilizado na internet pela Universidade de Stanford.
UIVO
…….Para Carl Solomon**
I
Eu vi as mentes mais brilhantes da minha geração destruídas pela loucura, famintas histéricas nuas, a arrastarem‐se na aurora pelas ruas de negros em busca de uma dose feroz, gingões de angélicas cabeças ardendo pelo velho contacto celeste com o dínamo estelar na maquinaria da noite, que de miséria e andrajos e olhos cavos e alucinados se sentavam a fumar na penumbra sobrenatural de quartos de águas frias flutuando pelos cumes das cidades contemplando o jazz, que esventravam os cérebros aos céus sob a ascensão do metropolitano e viam anjos maometanos ziguezagueando nos telhados de prédios iluminados, que passavam pelas universidades com olhos de radiante lonjura a alucinar o Arkansas e a tragédia à luz de Blake entre os catedráticos da guerra, que eram expulsos das academias por demência & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio, que se agachavam em quartos com a barba por fazer em roupa interior a queimar dinheiro nos cestos de papéis e a escutar o Terror através da parede,
que eram filados pelas barbas púbicas quando regressavam via Laredo com marijuana à cintura para Nova Iorque,
que comiam fogo em pensões esconsas ou bebiam aguarrás no Beco do Paraíso, a morte, ou batiam com as costas no purgatório noite após noite, com sonhos, com drogas, com pesadelos acordados, álcool, pica, piças, bolas sempre a abrir, incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvens convulsas e relâmpagos na mente galgando aos polos de Canadá & Paterson, iluminando o mundo todo imóvel do Tempo entre, solidezes de átrios sob peiote, madrugadas sepulcrais de árvores verdes de quintais, bebedeira de vinho nos telhados, montras de bairros comerciais a tripar com a moca no semáforo piscando de néon, vibrações de sol e lua e árvores nos crepúsculos de inverno e vendavais de Brooklyn, vociferações sobre latas de cinza e lixo e o sopro brando soberano fulgor da mente, que se amarravam aos metros para a interminável viagem desde a Battery ao santo Bronx anfetaminados até o barulho das rodas e crianças os trazer à terra convulsos de bocas escoriadas e esfolados de cérebro todos escorridos de brilho à fera luz da estação terminal do Zoo,
que se afundavam a noite toda à luz submarina de um Bickford’s daí flutuando e ficando pela tarde de cerveja choca no triste Fugazzi’s, escutando o estrondo do Juízo Final na jukebox de hidrogénio,
que falavam sem parar setenta horas dos parques aos apartamentos ao bares ao Hospital Bellevue ao museu à Ponte de Brooklyn, um batalhão perdido de conversadores platónicos saltando o gradeado das escadas de incêndio dos parapeitos de janelas do Empire State além da Lua, patati‐patateando gritando vomitando sussurrando factos e emórias e anedotas e tripes oculares e choques elétricos dos
hospitais das cadeias das guerras, intelectos inteiros regurgitados em recordação total durante sete dias e noites de olhos brilhantes, carne para a Sinagoga atirada à calçada, que desapareciam para a Terra do Nunca da Nova Jérsia Zen deixando um rasto de ambíguos postais ilustrados da Assembleia Municipal de Atlantic City, sujeitando‐se aos suores orientais e aos ossos triturados em Tânger e às enxaquecas na China sob uma ressaca de droga no quarto desmobilado de Newark, que deambulavam em círculos à meia‐noite pelos depósitos das locomotivas incertos sobre onde ir, e iam, sem corações despedaçados atrás de si, que acendiam cigarros em vagões vagões vagões resvalando pela neve para solitárias fazendas na noite do avô,
que estudavam Plotino Poe São João da Cruz telepatia e cabala‐bop visto que o cosmos vibrava instintivamente aos seus pés no Kansas, que vagueavam sozinhos pelas ruas de Idaho buscando anjos índios visionários que eram anjos índios visionários, que se julgavam apenas loucos quando de Baltimore dimanava um êxtase sobrenatural, que saltavam para dentro de limusinas com o chinês de Oklahoma no impulso da chuva invernal dos lampiões na meia‐noite provinciana, que se espraiavam famintos e solitários por Houston buscando jazz ou sexo ou sopas, e iam atrás do deslumbrante latino para conversar sobre a América e a Eternidade, uma tarefa inútil, pelo que embarcavam para África, que desapareciam nos vulcões do México sem deixar nada para trás senão a sombra de umas jardineiras de ganga e a lava e a cinza da poesia pelo braseiro de Chicago, que reapareciam na Costa Oeste a investigar o FBI de barbas e bermudas com grandes olhos pacifistas tão sensuais na sua pele morena a estender folhetos incompreensíveis, que queimavam buracos de cigarros nos braços a protestar contra a tabágica neblina narcótica do Capitalismo, que distribuíam panfletos Supercomunistas na praça pública de Union Square lacrimejando e despindo‐se enquanto as sirenes bombásticas de Los Alamos os desalmavam, reverberando nos muros de lamentações de Wall Street, e também a balsa de Staten Island se lamuriava, que se debulhavam em lágrimas em ginásios brancos nus e tremendo diante da maquinaria dos outros esqueletos, que mordiam o pescoço de agentes da polícia e guinchavam de prazer nos carros da polícia por não cometerem crime que não fosse a sua própria pederastia e intoxicação a fervilhar de loucura, que uivavam de joelhos no metro e eram arrastados pelo tejadilho a acenar com genitais e manuscritos, que deixavam que motociclistas devotos lhes comessem o cu e urravam de alegria,
que chupavam e eram chupados por esses serafins humanos, os marinheiros, carícias de amor atlântico e caribenho, que pinocavam de manhã de tarde nos jardins de rosas e na relva dos parques públicos e dos cemitérios espalhando livremente o sémen a quem calhasse vir,
que soluçavam sem parar a tentar rir mas acabavam a ganir por trás dum biombo num banho turco quando o anjo louro & nu chegava para os trespassar com uma espada,
que perdiam os namorados para as três velhas megeras do destino, a megera zarolha do dólar heterossexual a megera zarolha que pisca o olho do ventre e a megera zarolha que se senta somente com o cuzinho quente e tece os fios de ouro intelectuais do tear artífice, que copulavam em êxtase e insaciáveis com uma garrafa de cerveja uma miúda amorosa um maço de cigarros uma vela e caíam da cama, e continuavam pelo soalho até ao corredor e acabavam a desmaiar na parede com uma visão derradeira de cona e esperma fintando o último fluido fértil da consciência, que melavam as pássaras de um milhão de miúdas estremecentes ao pôr do sol, e de manhã tinham os olhos vermelhos mas a postos de melar a pássara da aurora, de nádegas ao léu debaixo dos celeiros e nus dentro do lago,
que andavam ao ataque pelo Colorado numa miríade de carros noturnos roubados, Neal Cassady, herói secreto destes poemas, garanhão e Adónis de Denver — recordação de prazer das suas inúmeras trepas de miúdas em baldios vazios & saguões de cafetarias, filas estreitas das salas de cinema, no cume dos montes em grutas com empregadas de mesa escanzeladas na vulgar ascensão de roupinhas interiores à beira da estrada & solipsismos especialmente secretos de lavabos de bombas de gasolina, & ainda nos becos da cidade natal, que se esvaíam em imensos filmes sórdidos, se mexiam em sonhos, despertavam numa súbita Manhattan, e agarravam em si para fora de caves ressacados de impiedosas zurrapas e horrores de sonhos de ferro da Terceira Avenida & tropeçavam para os guichés do desemprego, que caminhavam toda a noite com os sapatos cheios de sangue nas docas cobertas de neve aguardando que se abrisse uma porta no East River para um quarto cheio de vapor quente e ópio, que criavam grandiosos dramas suicidas nas margens de fragas de apartamentos do Hudson sob o holofote bélico do clarão azul da Lua & terão um dia as cabeças coroadas de louros no oblívio, que comiam o ensopado de borrego da imaginação ou digeriam os caranguejos do fundo enlameado dos rios da Bowery,
que choravam com as românticas ruas com os seus carrinhos de mercearia cheios de cebolas e má música,
que se deixavam ficar sentados em caixotes a respirar nas trevas debaixo da ponte, e acordavam para construírem cravos temperados nos seus lofts, que tossiam no sexto andar de Harlem coroados de chamas sob o tísico céu rodeados de teologia em grades de laranjas, que rascunhavam pela noite fora embalados de rock and roll com louvores às alturas que na manhã amarela eram estrofes mal paridas, que cozinhavam animais podres pulmão coração patas cauda borscht & tortillas sonhando com o reino da pureza vegetal, que mergulhavam sob os camiões do talho à procura de um ovo, que atiravam os seus relógios do telhado para depositarem votos
para a Eternidade fora do Tempo, & lhes choverem desperta‐
dores em cima das cabeças todos os dias da década seguinte, que cortavam os pulsos três vezes consecutivas sem sucesso, desistiam e se viam obrigados a abrir lojas de antiguidades onde julgavam estar a envelhecer e choravam,
que eram queimados vivos nos seus fatos inocentes de flanela na Madison Avenue por entre rajadas de versos de chumbo & a barulheira enlatada dos férreos regimentos da moda & os guinchos de nitroglicerina das mariquices da publicidade & o gás de mostarda dos editores sinistros e inteligentes, ou eram atropelados pelos táxis embriagados da Realidade Absoluta, que saltavam da Ponte de Brooklyn coisa que realmente aconteceu e desandavam de lá desconhecidos e esquecidos na neblina espectral dos becos de sopas & de carros de bombeiros da Chinatown, nem sequer uma cerveja de borla, que se punham em desespero a cantar à janela, caíam da janela do metropolitano, saltavam para o imundo Passaic, pulavam sobre os negros, gritavam por toda a rua, dançavam descalços sobre copos de vinho em cacos rebentavam discos de grafonola de jazz alemão nostálgico dos anos 30 acabavam com o whiskey e vomitavam a grunhir na retrete maldita, os ouvidos cheios de lamentações e de tremendas sirenes de vapor, que desciam a toda a brida as estradas largas do passado viajando para o turno da cela solitária de velocidade e estrondo e Gólgotas uns dos outros ou encarnação de jazz de Birmingham, que viajavam pelo país fora setenta‐e‐duas horas sem parar para descobrir se eu tinha uma visão ou se tu tinhas uma visão ou se ele tinha uma visão para descobrir a Eternidade, que viajavam para Denver, que morriam em Denver, que voltavam para Denver & aguardavam em vão, que olhavam por Denver & amuavam & se isolavam em Denver e por fim se iam embora para descobrir o Tempo, & Denver tem agora saudades dos seus heróis, que caíam de joelhos em catedrais sem esperança a rezar pela salvação e a luz e os peitos uns dos outros, até que a alma iluminava o cabelo por um segundo, que torpedeavam por dentro das suas mentes na prisão à espera de impossíveis criminosos de douradas cabeças e o encanto da realidade nos seus corações e que cantavam doces blues a Alcatraz, que se retiravam para o México para cultivar um hábito, ou para as Montanhas Rochosas para servir a Buda ou para Tânger a rapazes ou para a Southern Pacific à negra locomotiva ou para Harvard a Narciso ou para o cemitério de Woodlawn à última floração ou morada, que exigiam exames de sanidade acusando a rádio de hipnotismo & eram abandonados à sua insanidade & às suas mãos & a um júri incapaz de consenso, que atiravam salada de batata aos conferencistas de dadaísmo da Universidade de Nova Iorque e subsequentemente se apresentavam nos degraus de granito do manicómio com cabeças otomia instantânea, que recebiam ao invés o vazio concreto de Metrazol insulina eletricidade hidroterapia psicoterapia terapia ocupacional pinguepongue & amnésia, que protestando com mau humor derrubavam uma só simbólica mesa de pinguepongue, repousando por instantes catatónicos, regressando anos mais tarde absolutamente calvos à exceção de uma peruca de sangue, e lágrimas e dedos, à visível perdição dos loucos dos quartos hospitalares das loucas cidades do Leste, os corredores fétidos dos manicómios de Pilgrim State e Rockland e Greystone, gotejando com os ecos da alma, embalando‐se de rock and roll nos domínios notívagos de dólmenes e bancos de solidão do amor, sonho de vida de um pesadelo, corpos transformados em pedra tão pesados como a Lua, com a mãe finalmente ******, e o último livro lunático atirado da janela do pardieiro, e a última porta fechada às quatro da manhã, e o último telefone lançado à parede em resposta e o último quarto mobilado despido até ao último pedaço de mobília mental, uma rosa amarela de papel retorcida num cabide de arame no armário, e também isso era só imaginário, nada além de um bocadinho esperançoso de alucinação — ah, Carl, enquanto não estiveres a salvo eu não estou a salvo, e agora nadas realmente na canja absoluta do tempo — e que por conseguinte corriam pelas ruas cobertas de gelo obcecados com um brusco vislumbre da alquimia do uso das reticências da enumeração da métrica & do plano vibratório, que sonhavam e abriam brechas incarnadas no Tempo & Espaço por meio de imagens justapostas, e encurralavam o arcanjo da alma entre 2 imagens visuais e juntavam os verbos elementares e uniam o substantivo e o travessão da consciência galgando com a sensação de Pater Omnipotens Aeterne Deus para recriarem a sintaxe e medida da pobre prosa humana e se levantarem à vossa frente sem palavras e inteligentes e a tremer de vergonha, rejeitados e todavia confessando toda a alma para se conformar ao ritmo do pensamento na sua cabeça nua e interminável, o louco vagabundo e anjo na batida do Tempo, uma incógnita, todavia deixando escrito aqui o que talvez fique por dizer no tempo por vir depois da morte, e reencarnados se erguiam nas roupas espectrais do jazz na sombra da trombeta dourada da banda e sopravam o sofrimento da mente nua da América pelo amor até um grito saxofónico de eli eli lamma lamma sabacthani que arrepiava as cidades até ao último rádio com o coração absoluto do poema da vida retalhado da carne dos seus próprios corpos bom para comer durante mil anos.
Howl
………For Carl Solomon
I
I saw the best minds of my generation destroyed by madness, starving hysterical naked,
dragging themselves through the negro streets at dawn looking for an angry fix,
angelheaded hipsters burning for the ancient heavenly connection to the starry dynamo in the machinery of night,
who poverty and tatters and hollow-eyed and high sat up smoking in the supernatural darkness of cold-water flats floating across the tops of cities contemplating jazz,
who bared their brains to Heaven under the El and saw Mohammedan angels staggering on tenement roofs illuminated,
who passed through universities with radiant cool eyes hallucinating Arkansas and Blake-light tragedy among the scholars of war,
who were expelled from the academies for crazy & publishing obscene odes on the windows of the skull,
who cowered in unshaven rooms in underwear, burning their money in wastebaskets and listening to the Terror through the wall,
who got busted in their pubic beards returning through Laredo with a belt of marijuana for New York,
who ate fire in paint hotels or drank turpentine in Paradise Alley, death, or purgatoried their torsos night after night
with dreams, with drugs, with waking nightmares, alcohol and cock and endless balls,
incomparable blind streets of shuddering cloud and lightning in the mind leaping toward poles of Canada & Paterson, illuminating all the motionless world of Time between,
Peyote solidities of halls, backyard green tree cemetery dawns, wine drunkenness over the rooftops, storefront boroughs of teahead joyride neon blinking traffic light, sun and moon and tree vibrations in the roaring winter dusks of Brooklyn, ashcan rantings and kind king light of mind,
who chained themselves to subways for the endless ride from Battery to holy Bronx on benzedrine until the noise of wheels and children brought them down shuddering mouth-wracked and battered bleak of brain all drained of brilliance in the drear light of Zoo,
who sank all night in submarine light of Bickford’s floated out and sat through the stale beer afternoon in desolate Fugazzi’s, listening to the crack of doom on the hydrogen jukebox,
who talked continuously seventy hours from park to pad to bar to Bellevue to museum to the Brooklyn Bridge,
a lost battalion of platonic conversationalists jumping down the stoops off fire escapes off windowsills off Empire State out of the moon,
yacketayakking screaming vomiting whispering facts and memories and anecdotes and eyeball kicks and shocks of hospitals and jails and wars,
whole intellects disgorged in total recall for seven days and nights with brilliant eyes, meat for the Synagogue cast on the pavement,
who vanished into nowhere Zen New Jersey leaving a trail of ambiguous picture postcards of Atlantic City Hall,
suffering Eastern sweats and Tangerian bone-grindings and migraines of China under junk-withdrawal in Newark’s bleak furnished room,
who wandered around and around at midnight in the railroad yard wondering where to go, and went, leaving no broken hearts,
who lit cigarettes in boxcars boxcars boxcars racketing through snow toward lonesome farms in grandfather night,
who studied Plotinus Poe St. John of the Cross telepathy and bop kabbalah because the cosmos instinctively vibrated at their feet in Kansas,
who loned it through the streets of Idaho seeking visionary indian angels who were visionary indian angels,
who thought they were only mad when Baltimore gleamed in supernatural ecstasy,
who jumped in limousines with the Chinaman of Oklahoma on the impulse of winter midnight streetlight smalltown rain,
who lounged hungry and lonesome through Houston seeking jazz or sex or soup, and followed the brilliant Spaniard to converse about America and Eternity, a hopeless task, and so took ship to Africa,
who disappeared into the volcanoes of Mexico leaving behind nothing but the shadow of dungarees and the lava and ash of poetry scattered in fireplace Chicago,
who reappeared on the West Coast investigating the FBI in beards and shorts with big pacifist eyes sexy in their dark skin passing out incomprehensible leaflets,
who burned cigarette holes in their arms protesting the narcotic tobacco haze of Capitalism,
who distributed Supercommunist pamphlets in Union Square weeping and undressing while the sirens of Los Alamos wailed them down, and wailed down Wall, and the Staten Island ferry also wailed,
who broke down crying in white gymnasiums naked and trembling before the machinery of other skeletons,
who bit detectives in the neck and shrieked with delight in policecars for committing no crime but their own wild cooking pederasty and intoxication,
who howled on their knees in the subway and were dragged off the roof waving genitals and manuscripts,
who let themselves be fucked in the ass by saintly motorcyclists, and screamed with joy,
who blew and were blown by those human seraphim, the sailors, caresses of Atlantic and Caribbean love,
who balled in the morning in the evenings in rosegardens and the grass of public parks and cemeteries scattering their semen freely to whomever come who may,
who hiccuped endlessly trying to giggle but wound up with a sob behind a partition in a Turkish Bath when the blond & naked angel came to pierce them with a sword,
who lost their loveboys to the three old shrews of fate the one eyed shrew of the heterosexual dollar the one eyed shrew that winks out of the womb and the one eyed shrew that does nothing but sit on her ass and snip the intellectual golden threads of the craftsman’s loom,
who copulated ecstatic and insatiate with a bottle of beer a sweetheart a package of cigarettes a candle and fell off the bed, and continued along the floor and down the hall and ended fainting on the wall with a vision of ultimate cunt and come eluding the last gyzym of consciousness,
who sweetened the snatches of a million girls trembling in the sunset, and were red eyed in the morning but prepared to sweeten the snatch of the sunrise, flashing buttocks under barns and naked in the lake,
who went out whoring through Colorado in myriad stolen night-cars, N.C., secret hero of these poems, cocksman and Adonis of Denver—joy to the memory of his innumerable lays of girls in empty lots & diner backyards, moviehouses’ rickety rows, on mountaintops in caves or with gaunt waitresses in familiar roadside lonely petticoat upliftings & especially secret gas-station solipsisms of johns, & hometown alleys too,
who faded out in vast sordid movies, were shifted in dreams, woke on a sudden Manhattan, and picked themselves up out of basements hung-over with heartless Tokay and horrors of Third Avenue iron dreams & stumbled to unemployment offices,
who walked all night with their shoes full of blood on the snowbank docks waiting for a door in the East River to open to a room full of steam-heat and opium,
who created great suicidal dramas on the apartment cliff-banks of the Hudson under the wartime blue floodlight of the moon & their heads shall be crowned with laurel in oblivion,
who ate the lamb stew of the imagination or digested the crab at the muddy bottom of the rivers of Bowery,
who wept at the romance of the streets with their pushcarts full of onions and bad music,
who sat in boxes breathing in the darkness under the bridge, and rose up to build harpsichords in their lofts,
who coughed on the sixth floor of Harlem crowned with flame under the tubercular sky surrounded by orange crates of theology,
who scribbled all night rocking and rolling over lofty incantations which in the yellow morning were stanzas of gibberish,
who cooked rotten animals lung heart feet tail borsht & tortillas dreaming of the pure vegetable kingdom,
who plunged themselves under meat trucks looking for an egg,
who threw their watches off the roof to cast their ballot for Eternity outside of Time, & alarm clocks fell on their heads every day for the next decade,
who cut their wrists three times successively unsuccessfully, gave up and were forced to open antique stores where they thought they were growing old and cried,
who were burned alive in their innocent flannel suits on Madison Avenue amid blasts of leaden verse & the tanked-up clatter of the iron regiments of fashion & the nitroglycerine shrieks of the fairies of advertising & the mustard gas of sinister intelligent editors, or were run down by the drunken taxicabs of Absolute Reality,
who jumped off the Brooklyn Bridge this actually happened and walked away unknown and forgotten into the ghostly daze of Chinatown soup alleyways & firetrucks, not even one free beer,
who sang out of their windows in despair, fell out of the subway window, jumped in the filthy Passaic, leaped on negroes, cried all over the street, danced on broken wineglasses barefoot smashed phonograph records of nostalgic European 1930s German jazz finished the whiskey and threw up groaning into the bloody toilet, moans in their ears and the blast of colossal steamwhistles,
who barreled down the highways of the past journeying to each other’s hotrod-Golgotha jail-solitude watch or Birmingham jazz incarnation,
who drove crosscountry seventytwo hours to find out if I had a vision or you had a vision or he had a vision to find out Eternity,
who journeyed to Denver, who died in Denver, who came back to Denver & waited in vain, who watched over Denver & brooded & loned in Denver and finally went away to find out the Time, & now Denver is lonesome for her heroes,
who fell on their knees in hopeless cathedrals praying for each other’s salvation and light and breasts, until the soul illuminated its hair for a second,
who crashed through their minds in jail waiting for impossible criminals with golden heads and the charm of reality in their hearts who sang sweet blues to Alcatraz,
who retired to Mexico to cultivate a habit, or Rocky Mount to tender Buddha or Tangiers to boys or Southern Pacific to the black locomotive or Harvard to Narcissus to Woodlawn to the daisychain or grave,
who demanded sanity trials accusing the radio of hypnotism & were left with their insanity & their hands & a hung jury,
who threw potato salad at CCNY lecturers on Dadaism and subsequently presented themselves on the granite steps of the madhouse with shaven heads and harlequin speech of suicide, demanding instantaneous lobotomy,
and who were given instead the concrete void of insulin Metrazol electricity hydrotherapy psychotherapy occupational therapy pingpong & amnesia,
who in humorless protest overturned only one symbolic pingpong table, resting briefly in catatonia,
returning years later truly bald except for a wig of blood, and tears and fingers, to the visible madman doom of the wards of the madtowns of the East,
Pilgrim State’s Rockland’s and Greystone’s foetid halls, bickering with the echoes of the soul, rocking and rolling in the midnight solitude-bench dolmen-realms of love, dream of life a nightmare, bodies turned to stone as heavy as the moon,
with mother finally ******, and the last fantastic book flung out of the tenement window, and the last door closed at 4 A.M. and the last telephone slammed at the wall in reply and the last furnished room emptied down to the last piece of mental furniture, a yellow paper rose twisted on a wire hanger in the closet, and even that imaginary, nothing but a hopeful little bit of hallucination—
ah, Carl, while you are not safe I am not safe, and now you’re really in the total animal soup of time—
and who therefore ran through the icy streets obsessed with a sudden flash of the alchemy of the use of the ellipsis catalogue a variable measure and the vibrating plane,
who dreamt and made incarnate gaps in Time & Space through images juxtaposed, and trapped the archangel of the soul between 2 visual images and joined the elemental verbs and set the noun and dash of consciousness together jumping with sensation of Pater Omnipotens Aeterna Deus
to recreate the syntax and measure of poor human prose and stand before you speechless and intelligent and shaking with shame, rejected yet confessing out the soul to conform to the rhythm of thought in his naked and endless head,
the madman bum and angel beat in Time, unknown, yet putting down here what might be left to say in time come after death,
and rose reincarnate in the ghostly clothes of jazz in the goldhorn shadow of the band and blew the suffering of America’s naked mind for love into an eli eli lamma lamma sabacthani saxophone cry that shivered the cities down to the last radio
with the absolute heart of the poem of life butchered out of their own bodies good to eat a thousand years.
(San Francisco, 1955—1956)
*Excerto (I parte) extraído do livro “Uivo e Outros Poemas”. [tradução, introdução e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2014.
**Carl Solomon (1928–1993), a quem o poema é dedicado, foi um dadaísta do Bronx que escreveu poesia em prosa.
Manuscrito original de Uivo (‘Howl’) revela o processo criativo de Allen Ginsberg. Documento disponibilizado na internet pela Universidade de Stanford, composto de 163 páginas, traz os originais datilografados com notas, alterações e correções que revelam ao leitor o processo criativo do poeta beat. Acesse AQUI!
Poeta beat nascido em New Jersey (Estados Unidos). Allen Ginsberg (1926-1997) foi não apenas o poeta norte-americano de maior prestígio da segunda metade do século XX, como também o grande rebelde romântico e poeta-anarquista contemporâneo. Promoveu, em parceria com Kerouac, Burroughs, Corso, Ferlinghetti, Snyder e outros uma revolução na linguagem e nos valores literários que se transformou em rebelião coletiva, na série de acontecimentos revolucionários que foi o ciclo da Geração beat na década de 50, e da contracultura e rebeliões juvenis dos anos 60 e 70. Conseqüências do impacto provocado pelo lançamento de Howl and other poems, em 1956, e, logo em seguida, de On the Road, de Kerouac, em 1957, e de outras obras representativas da literatura beat, como Kaddish and other poems, do próprio Ginsberg, e Naked Lunch, de Burroughs. Expressões da liberdade de criação, tais obras romperam com o beletrismo, o exacerbado formalismo que dominava a criação poética e o ambiente acadêmico, e com seu correlato, o bom-mocismo da sociedade. Arejaram um mundo sufocado pela polarização entre o macarthismo e o stalinismo, abrindo perspectivas, não só literárias, mas existenciais e políticas. Alusivas a acontecimentos reais, escritas na primeira pessoa, a partir do “eu” de seu criador, e não de um mundo de abstração formal, promoveram uma nova relação entre poesia e vida.
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