LITERATURA

Lúcia Constantino – poemas

Dual
Sim,
o amor é isto tudo.
Uma alegria, um tormento.
Dois pássaros vivos
dentro do pensamento.

O bem e o mal não se apertam.
Sempre voam na mesma medida.
Mas não há árvores
no deserto
de cabeças resolvidas.
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

Mandala
Um e outro adeus deixamos pelos caminhos.
Uma e outra lágrima que não refletiu a luz
que havia em nosso vaso interior.
Então, Deus reuniu muitas chamas
ao nosso redor,
para que pudéssemos aprender a nos enxergar
mesmo na noite mais densa.
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

Metamorfose
A noite de outrora silencia.
Pelas mãos do destino se cala
até que surja um novo dia
no seu coração, para um regresso à fala.

Podem ocorrer seres desnudos
vagos tristes seres de segredos,
carregando o peso do mundo
em seu fardo de medo.

À noite não importará esta brusca espera
até que passem as trevas sobre a matéria
quando a Divindade retém o julgamento.

A metamorfose da própria vida
transforma a dor de uma ferida
no mais sincero dos depoimentos
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

Murmúrio
Antes que eu volte um dia
para o lar de mim mesma
onde uma réstia de luz
não esmaece
a verdade primeira de todas as coisas
por serem laços da alma,
antes que te vás
ou somente te desprendas,
ouve.
Que estranhamente te percebo
pelos caminhos.Como se fossem planos.
Mas não são.
Como se anjos andassem curvos.
Mas não andam.
Como se a terra fosse ausente.
Mas não é.
Uma gota no oceano
em selvagens dose cósmica.
Alquimia de pássaros
despojados de si mesmos.
Em ventos transmudando exiláveis.
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

O silêncio
O silêncio é crístico.
É o emblema da luz.
A conexão com a fonte.
Tome-o por filho
e ouça a sua respiração.
Ouvirás o inspirar da prece
e o expirar da paz.
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

Quando
e que por fim vos recupere
a vasta e santa sinfonia
de velhas mães: a Macabéia,
Ana, Isabel,Raquel e Lia.
           Gabriela Mistral

Quando, nesta hora do dia,
pouso a caneta, esqueço o verso,
minha alma é calmaria
paz profunda de um berço.

Quando o pássaro canta
no beiral da minha messe,
minha vida que acalentas
cerra os olhos…adormece.

Quando o gongo soa
e o meu corpo já não sinto
minha alma sai e voa
te buscando no infinito.
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

Vento
Tremulou o galho
sob os pés da ave.
Flores brancas caem
na arena da tarde.
Rosário disperso
foge da paisagem.
Meus olhos submersos:
saudade.
– Lúcia Constantino (Maria Lúcia Siqueira), no livro “Asas ao anoitecer”. [prefácio Olga Savary]. Curitiba: Edições da Autora, 2004.

§

Saudade
Uma pintura renascentista do coração.
Um violino plangendo eternamente
seu adágio entre as lágrimas
que cantam pelos cantos dos olhos.

Um arco-íris que nunca se esvai,
cruzando os céus do tempo
dividindo a alma
em duas eternidades: a do passado
e a das chuvas nos pensamentos.
– Lúcia Constantino, em ‘Recanto das Letras’ (site)

§

Esperei em ti
Esperei em ti
umas águas doces
quando minha poesia fosse amarga.
Esperei em ti um orvalho pleno,
quando minha pele fosse deserto.
Umas uvas raras, que me falassem
de sagradas terras onde sempre há sol.

Agora no rosto, que esse marujar interno
se vá com o inverno por força da vontade.
No dia de hoje, especialmente hoje,
te conheci… saudade.
– Lúcia Constantino, em ‘Recanto das Letras’ (site)

§

Pelos meus caminhos
Dos anjos que não vi,
quando a noite se fez dia,
que pelos caminhos, me despedi,
como se fosse partir
para uma terra que eu não queria,

dos anjos que não vi
que não pude socorrer
nas tantas vidas dentro da vida,
nas tantas coisas por fazer,
fui aos poucos me rendendo, consciente
aos meus passos tão humanos
e que nem todos podem sonhar
esses sonhos diferentes
que às vezes sonhamos.

Dos anjos que eu não vi
nas minhas ocultas varandas,
nos meus invisíveis beirais
restou no coração a dor e a saudade
daqueles que um dia eu vi
mas que não voltam mais.

Dos seus acenos sobre a imensidão
dos meus dias e das minhas cinzas
restou- me essa cortina de céus sobre o coração
onde suas estrelas me iluminam – ainda.
– Lúcia Constantino, em ‘Recanto das Letras’ (site)

§

Childe Hassam – mrs hassam at villiers le bel

BREVE BIOGRAFIA
Lúcia Constantino (pseudônimo de Maria Lúcia Siqueira) nasceu em Curitiba. Viveu por quinze anos no Rio de Janeiro. É professora da Rede Estadual de Ensino e tradutora. Formada em Letras, cursou inglês na Georgia State University (Atlanta) e espanhol no Instituto Cultural Brasil-Argentina (RJ). Também se formou em teatro pela Escola de Teatro Martins Pena, no Rio de Janeiro.
Em 2004 lançou o livro “Asas ao Anoitecer”, com incentivo da Fundação Cultural de Curitiba e da empresa Electrolux, com prefácio da poeta, jornalista e tradutora Olga Savary (RJ). Tem trabalhos publicados na LB-Revista de Literatura Brasileira (SP), antologias, jornais, na Revista AMORC (GLP) e obteve alguns prêmios literários quando ainda residia no Rio.
Estudiosa da obra de Antoine de Saint-Exupèry, também foi consultora de pesquisa e redigiu a introdução do programa da peça “O Pequeno Príncipe”, detentora do Troféu Gralha Azul de Teatro do Paraná, em 1998.
Na Internet, participou da Antologia “Saciedade dos Poetas Vivos Digital” (Volume 8), editado pela Editora Blocos. Tem poemas publicados em sites e blogs diversos, onde também escreve sob o pseudônimo de Clara Letícia.
Fonte: Teoria e Crítica Literária/Recanto das Letras

Lúcia na rede
Recanto das Letras/Perfil de Lúcia Constantino

Revista Prosa Verso e Arte

Música - Literatura - Artes - Agenda cultural - Livros - Colunistas - Sociedade - Educação - Entrevistas

Recent Posts

O terror – uma crônica breve de Clarice Lispector

E havia luz demais para seus olhos. De repente um repuxão; ajeitavam-no, mas ele não…

4 dias ago

Memórias, um conto de Luis Fernando Verissimo

Estavam na casa de campo, ele e a mulher. Iam todos os fins de semana.…

4 dias ago

‘Não há sombra no espelho’ – um conto de Mario Benedetti

Não é a primeira vez que escrevo meu nome, Renato Valenzuela, e o vejo como…

4 dias ago

Negro Leo une desejo e tradição popular em novo álbum ‘Rela’

Um dos mais inventivos e prolíficos artistas de sua geração, cantor e compositor maranhense Negro…

4 dias ago

Guiga de Ogum lança álbum ‘Mundo Melhor’

Aos 82 anos, Guiga de Ogum, um dos grandes nomes do samba e da música…

4 dias ago

Espetáculo ‘A Farsa do Panelada’ encerra a temporada teatral no Teatro a Céu Aberto do Saquassu

“A Farsa do Panelada” com a missão de fazer o público rir através do texto…

4 dias ago