“Mãe Stella foi fiel guardiã de toda uma cultura de um povo de um lugar chamado Bahia de Todos os Santos, sempre pregando a paz e a integração harmoniosa das religiões por meio do sincretismo tão presente na Bahia.”
Na tarde de ontem, quinta-feira, 27/12(2018), a Ialorixá Maria Stella de Azevedo Santos, ou Mãe Stella de Oxóssi, ou, ainda, Odé Kayodê, nome recebido após a iniciação no candomblé em 1939, uma das maiores e mais respeitadas líderes religiosas do Brasil e internacional, cuja importância atravessou as fronteiras continentais, deu o seu último suspiro, aos 93 anos, no Hospital Incar, em Santo Antônio de Jesus, onde estava internada desde o último dia 14 para tratar uma infecção.
Foram 42 anos à frente de um dos terreiros mais famosos do País, o Ilê Axé Opó Ofunjá, em Salvador, e mais de 80 anos de contribuição histórica para a religião do Candomblé, o que fez de Mãe Stella de Oxóssi uma referência da Bahia para todo o mundo. Seu legado está imortalizado desde 2013 na Academia de Letras da Bahia (ABL), onde ocupou a cadeira nº 33, e nas inúmeras páginas documentadas de livros, artigos, estudos e jornais que ajudam a contar e a perpetuar a história da mais famosa sacerdotisa baiana.
História
Considerada uma das maiores ialorixás do país, Mãe Stella nasceu no dia 2 de maio de 1925, em Salvador. Foi a quarta filha de Esmeraldo Antigno dos Santos e Thomázia de Azevedo Santos.
Aos 13 anos de idade, foi levada pela tia, que a criava, para o terreiro de mãe Aninha, a fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. Um ano depois, foi iniciada no candomblé. Na juventude, sempre gostou de ler. Formou-se enfermeira, profissão que exerceu durante 30 anos. Em 1976, aos 51 anos de idade, foi escolhida pelos orixás para ser a nova líder do terreiro de São Gonçalo do Retiro. Mãe Stella foi a quinta ialorixá a comandar o Ilê Axé Opó Afonjá.
Em 1999, Mãe Stella conseguiu que o terreiro fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em 2005, recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Quatro anos depois, recebeu o mesmo título pela Universidade do Estado da Bahia. Além disso, Mãe Stella foi agraciada com a Comenda Maria Quitéria, da Prefeitura de Salvador, com a Ordem do Cavaleiro, do Governo do Estado, e a Ordem do Mérito, do Ministério da Cultura.
Estudiosa e divulgadora da crença religiosa africana, Mãe Stella foi a primeira ialorixá no Brasil a escrever livros e artigos sobre o candomblé. Em 2013, foi eleita por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira de número 33 cujo patrono é o poeta Castro Alves.
A líder religiosa, cultural e social do seu povo sempre condenou o sincretismo religioso. Para a mãe de santo Stella de Oxóssi, candomblé é candomblé, e catolicismo é catolicismo. Não concordava com a fusão entre santos e orixás.
Sempre preocupada em garantir a preservação da cultura negra, Mãe Stella participava de conferências e dava palestras. No Ilê Axé Opô Afonjá, montou o primeiro museu aberto em uma casa de candomblé, onde podem ser vistas as roupas e os objetos usados pelas mães de santo da casa e pelos orixás.
O livro “Mãe Stella de Oxóssi – Estrela nossa, a mais singela!”, obra organizada pelo escritor Marcos Santana, conta a história de vida da ialorixá com poesias, depoimentos, resenhas e análises de algumas de suas produções intelectuais. A obra foi lançada em 2014, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.
O livro é uma coletânea que reúne resgate histórico e cultural, com textos de diversos autores, como: Edivaldo Boaventura, Muniz Sodré, Antonio Olinto, Jorge Amado, Fernando Coelho, Padre Arnaldo Lima, Dorival Caymmi, Jorge Portugal, Menininha dos Gantois, Detinha de Xangô, Marcos Santana e da própria Mãe Stella.
Em 2014, ela também foi homenageada da Flica, festa literária que é realizada todos os anos na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Na mesma época, criou a biblioteca itinerante adaptando um ônibus para levar a qualquer lugar livros que abordam curiosidades sobre todas as religiões. Pregava um respeito mútuo e uma convivência pacífica entre todas as crenças para que as pessoas se aproximassem pela fé.
Mais do que uma sacerdotisa de um dos mais importantes terreiros de candomblé do país, Mãe Stella de Oxóssi foi uma militante do resgate cultural de um povo.
Ficou durante 42 anos à frente da casa centenária Ilê Axé Opó Afonjá, por onde passaram nomes como o antropólogo Verger, os escritores Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008), o pintor Carybé (1911-1997), o político Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) e os filósofos franceses Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvouir (1908-1986).
Obra e trabalhos
“E Dai Aconteceu o Encanto”, Maria Stella de Azevedo Santos e Cléo Martins, Salvador, 1988; “Meu Tempo é Agora “, Maria Stella de Azevedo Santos. 1a Edição: Editora Oduduwa, São Paulo, 1993. 2a Edição: Vol.1. Salvador, BA: Assembleia Legislativa da Bahia, 2010; “Lineamentos da Religião dos Orixás – Memória de ternura”- Cléo Martins, 2004; participação especial de Mâe Stella – Alaiandê Xirê- “Òsósi – O Caçador de Alegrias”, Mãe Stella de Òsósi, Secretaria da Cultura e Turismo, Salvador, 2006; “Owé – Provérbios” – Salvador – 2007.; “Epé Laiyé- terra viva”, conta a história de uma árvore que ganha pernas e vai lutar pela construção de um mundo que respeita o meio ambiente. Em sua trajetória o personagem ganha ajuda do orixá Ossain, divindade que domina o conhecimento sobre o mundo vegetal. Salvador – 2009.
Fonte: A Tarde | G1/Globo