Marquinhos de Oswaldo Cruz - foto: Leo Aversa
O sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz lança o sexto álbum de sua sólida carreira, “Agbo ato” (Deck). A faixa-título do trabalho, foi inspirada numa visita, em 2024, do artista à Nigéria. Segundo Marquinhos, “Agbo ato” é uma expressão iorubá que significa “o desejo de que tudo dê certo, um sinal de esperança de tempos bons”.
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O novo álbum de Marquinhos de Oswaldo Cruz, “Agbo Ato” é com certeza, um marco no samba brasileiro, não só pelo talento do próprio Marquinhos e dos músicos que o acompanham, como pelas letras das canções e as muitas histórias que as inspiraram. Além de ser cantor, compositor e produtor, Marquinhos é criador de um dos projetos culturais mais bem sucedidos do país, o Trem do Samba, que está no calendário do Rio há quase 30 anos e também criou a Feira das Yabás há 17 anos, mostrando comida de tradição em encontros memoráveis para cariocas e turistas. E, mais recentemente, o Trem do Samba na Estrada, com o qual visita bairros/cidades com shows e encontros. Marquinhos tem o samba na alma e seu álbum reflete isso. Os dois primeiros singles lançados já davam uma boa mostra do que viria pela frente. “Verde Bandeira” exalta a tradição do samba e “Raiz da Memória” é um samba-enredo primoroso derrotado na Portela em 2021 e que traz a Velha Guarda como participação especial. O álbum tem mais oito músicas inéditas como “Meu Destino, Meu Ifá”, que faz uma ponte entre as matrizes do samba, o ijexá “A Onça Morreu, o Mato é Nosso”, “Boiadeiro”, “O Sonho dos Meus Versos” e outras. A faixa-título “Agbo Ato”, foi inspirada numa visita à Nigéria, no ano passado. A expressão iorubá, segundo Marquinhos, significa o desejo de que tudo dê certo. Com certeza já deu.“Agbo ato” é um disco para ser saboreado como uma iguaria fina, como se estivéssemos numa roda de samba que atravessasse a História, porque o talento, a qualidade, os músicos e a música são atemporais, como sempre o foram, desde os tempos “da moda antiga”.
Voz ativa em defesa do samba carioca, das tradições culturais, da resistência artística, Marquinhos de Oswaldo Cruz é herdeiro inconteste de dois personagens fundamentais de sua Portela do coração: Paulo Benjamim de Oliveira e Antônio Candeia Filho. O primeiro, o professor Paulo da Portela, fundador da azul e branco, o sambista que ensinou aos seus pares o seu real valor e os princípios que deveriam abraçar para terem o respeito e a projeção merecidos. O segundo, Candeia, um defensor ferrenho das tradições afro-brasileiras e fundador do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo. Dois enormes compositores que tiveram suas vidas atreladas a muita luta. Marquinhos se espelhou em Paulo ao criar o Trem do Samba, em 1996, e em ambos para dar vida à já tradicional Feira das Iabás, dois eventos que jogaram uma luz sobre Oswaldo Cruz. Mas, assim como os dois mestres, tem o seu trabalho autoral, por vezes, ofuscado por sua militância combativa. Por isso, e por diversas outras razões, é mais que necessário olhar com muito carinho para “Agbo ato” (Deck), o sexto disco do sambista.
O trabalho é uma reflexão sobre sua rica vivência no samba, sobre o convívio íntimo com a fina flor da Portela, com artistas geniais e seres humanos de sabedoria ímpar, como Monarco, Argemiro, Manacéa, Jair do Cavaquinho. Marquinhos, desde criança, era encantado com as histórias que, sabiamente, guardou como lições singulares de vida.
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Esse saber vira samba, por exemplo, quando responde a uma declaração infeliz de um companheiro de ofício que, seduzido pelo caminho mais fácil e medíocre do sucesso disse, certa vez, que “raiz, se fosse boa, não ficava embaixo da terra”. “Verde bandeira”, criada há mais de 20 anos em parceria com o craque Luiz Carlos Máximo, é uma preciosidade de resposta: “Pode tentar me podar/ pode tentar derrubar/fortalecido eu vou nascer de novo”. E tome aula de história do samba. A jaqueira da Portela, imortalizada por Zé Keti, a tamarineira do Cacique, a Mangueira que dá Jamelão. Eita, que bordoada elegante.
Os trabalhos começam com a faixa-título, “Agbo ato”, inspirada numa visita à Nigéria, no ano passado. A expressão iorubá, segundo Marquinhos, significa o desejo de que tudo dê certo, um sinal de esperança tempos bons. – Essa viagem me fez compreender muita coisa. Uma delas é que eu tinha uma certa resistência a compor coisas usando o iorubá. Talvez por ser uma tradição muito atrelada à Bahia, por conta do fluxo de escravos da região da Nigéria, entre outros países, no Período Brasil Colônia. Eu ficava naquela coisa do samba carioca, da nossa herança bantu. Hoje vejo que o samba vem de todos os cantos, nasce e renasce diariamente em muitos lugares.
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E ele faz essa ponte entre as matrizes do samba em “Meu destino, meu ifá”, criada em parceria com Rogério Lessa. “Saravá! Pro meu Rio eu vou voltar/ Com axé pra Portela desfilar/Vou sambar da Central a Irajá com meu amor”. Do encontro com Lessa ele também traz uma gravação de “Raiz da memória”, samba-enredo primoroso derrotado na Portela em 2021. – Quando mostrei esse samba para o (violonista) Cláudio Jorge, antes da disputa na quadra, ele me deu um sábio conselho: “Pensa em gravar, não em cantar”. Eu não entendi porque estava na empolgação da disputa. O enredo falava de baobá, de tradição, essas coisas. Agora, ouvindo essa gravação com a cadência merecida, os instrumentos em seus lugares, percebo que ele tinha razão. Disputa de samba não é medida de nada.
Cláudio Jorge, que faz o violão de seis cordas da maioria das faixas – o de sete fica a cargo de Carlinhos Sete Cordas – escreveu, por sinal, um belo texto em sua página do Facebook falando da felicidade de se gravar um disco “à moda antiga, à moda eterna”. Ele define o disco como um “culto à ancestralidade”. Ancestralidade familiar, religiosa, do samba, do subúrbio carioca”. E isso está estampado nos arranjos de Marlon Sette, produtor deste “Agbo ato”; e nas participações de músicos fabulosos como os já citados Cláudio Jorge e Carlinhos; Marcio Vanderlei, no cavaquinho; Beloba, no tantan; Alex Almeida no repique, além dos jovens Camarão Netto e Nando Gigante, representantes da nova geração de percussionistas e filhos de Gaúcho, figura histórica da Ala de Compositores da Portela.
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Importante frisar a participação especial de Luizinho do Jêje, outro grande alicerce da banda que acompanha Marquinhos. Convidado por Marlon Sette, ele é um dos mais talentosos percussionistas brasileiros, ogan do Terreiro de Bogum e músico que já acompanhou Maria Bethânia, Gilberto Gil, Matheus Aleluia (Tincoâs), entre outros.
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Sette é também parceiro no ijexá “A onça morreu, o mato é nosso”, feito sobre a expressão de Mestre Marçal. Do seu baú pessoal, Marquinhos saca a amorosa “O sonho dos meus versos”, feita para a companheira Maria Machado, pontuada lindamente pelo trombone de Sette. Maria também é inspiração para “A luz de um novo dia”, um samba-canção em parceria com Binho Sá, companheiro de rodas de samba suburbanas.
Já “Mártires dos meus sonhos”, outra com Luiz Carlos Máximo, é um dos sambas mais bonitos que ouvi ultimamente. Uma reparação delicada da distância na formação dos filhos, criados por seus pais, enquanto o jovem “dormia no sapato”, batalhando trabalhos e sambas com o amigo Renatinho Partideiro, gênio dos versos que nos deixou precocemente aos 50 anos, em 2013. Olha que maravilha: “Quem inflou seus balões?/ Quem rodou seus piões?/ Quem cuidou dos seus sonhos, pesadelos medonhos de chacais e vilões?/ Quantos sambas cantei e seus sonhos não embalei?”
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Em um trabalho que passeia por diversas levadas, pela sua história e pela sua maneira de cantar a ancestralidade não poderia ficar de fora uma pérola da Portela, pescada a partir de uma passagem interessante com Paulinho da Viola. Certa vez, em um show do projeto do Trem do Samba, que todo ano, desde 1996, parte da Central do Brasil em direção a Oswaldo Cruz, Zona Norte carioca, Paulinho se lembrou de um partido alto do compositor Ventura: “Boiadeiro”.
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– Estávamos em frente ao lugar onde era o antigo Bar do Nozinho, ponto sagrado de encontro dos sambistas da velha guarda. Ali muita coisa foi criada. Lembro muito desse dia porque, quando o show acabou, a dona do bar botou um funk aos berros. Um sacrilégio. Mas aquele samba me marcou. No ano em que a Portela comemorou seu centenário, 2023, encontrei o Paulinho no desfile e pedi para ele que me cantasse o samba novamente. Mas não tinha a ideia de gravá-lo – conta Marquinhos. Quando entrou no estúdio, o samba veio à sua cabeça. O compositor, então, criou versos para a gravação e o improviso ficou por conta da melodia.
– Muita gente acha, e ficou mesmo estabelecido com o tempo, que o partido-alto é composto por um refrão, que se repete, e versos improvisados sobre uma mesma melodia. Mas, tradicionalmente, não era bem assim. Na hora dos versos, a melodia também ganhava detalhes de improviso, também entrava no pacote criativo. Então, sabendo disso, decidimos criar os versos para a gravação e improvisar, no estúdio, a melodia de cada parte cantada – lembra o compositor. – Foi uma forma de homenagear a história da Portela através de um dos seus personagens fundamentais.
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“Agbo ato” é, pois, um disco para ser saboreado como uma iguaria fina, como se estivéssemos numa roda de samba que atravessasse a História, porque o talento, a qualidade, os músicos e a música são atemporais, como sempre o foram, desde os tempos “da moda antiga”.
— João Pimentel (texto – março/2024) —
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“‘Agbo Ato’ não é apenas um álbum, é pura aula de samba.”
– Carlos Bozzo Junior (Música em Letras – Folha de S. Paulo)
Disco ‘Agbo Ato’ • Marquinhos de Oswaldo Cruz • Selo Deck • 2025
Canções / compositores
1. Agbo Ato (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Ekundayo Awe)
2. Meu destino, meu Ifá (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Rogério Lessa)
3. O sonho dos meus versos (Marquinhos de Oswaldo Cruz)
4. A onça morreu, o mato é nosso (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Marlon Sette)
5. Mártires dos meus sonhos (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Luiz Carlos Máximo)
6. Verde bandeira (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Luiz Carlos Máximo)
7. Boiadeiro (Ventura)
8. A luz de um novo dia (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Binho Sá)
9. Raiz da memória (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Rogério Lessa) | Participação especial: Velha Guarda da Portela
10. Oborê (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Ekundayo Awe)
– ficha técnica –
Faixa 1 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo, trombone e coro; Luizinho do Jêje: Rum e agogô; Alex Almeida: Pi e surdo; Beloba: Tantan; Nando Gigante: Caxixi; Carlinhos 7 Cordas: Violão 7 cordas; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Dirceu Leite: Clarone; Diogo Gomes: Trumpete; Coro: Lazir Sinval, Nina Rosa, Analimar Ventapane e Julyana Ferreirah | Faixa 2 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo, Trombone e coro; Luizinho do Jêje: Atabaques, xequerê e reco reco; Alex Almeida: Congas e surdo; Beloba: Tantan; Nando Gigante: Pandeiro, agogô; Carlinhos 7 Cordas: Violão 7 cordas; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Coro: Lazir Sinval, Nina Rosa, Analimar Ventapane e Julyana Ferreirah | Faixa 3 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Trombone e arranjo; Alex Almeida: Repique de anel; Beloba: Tantan; Nando Gigante: Pandeiro; Luizinho do Jêje: Atabaque, timbau e reco-reco; Camarão Netto: Surdo; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Carlinhos 7 Cordas: Violão de 7 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco | Faixa 4 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo, trombone e coro; Alex Almeida: Congas; Beloba: Tantan; Luizinho do Jêje: Atabaques, Agogô e caxixi; Camarão Netto: Surdo; Nando Gigante: Agogô; Carlinhos 7 Cordas: Violão 7 cordas; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Dirceu Leite: Flautas; Coro: Lazir Sinval, Nina Rosa, Analimar Ventapane e Julyana Ferreirah | Faixa 5 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo; Beloba: Tantan; Alex Almeida: Surdo e cuíca; Luizinho do Jêje: Ovinho; Nando Gigante: Pandeiro; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Carlinhos 7 Cordas: Violão de 7 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Dirceu Leite: Clarinete | Faixa 6 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo, trombone e coro; Alex Almeida: Repique de anel; Beloba: Tantan e tamborim; Camarão Netto: Surdo; Nando Gigante: Pandeiro 1 e 2; Luizinho do Jêje: Caxixi; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Carlinhos 7 Cordas: Violão de sete cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Coro: Lazir Sinval, Nina Rosa, Analimar Ventapane e Julyana Ferreirah | Faixa 7 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo e coro; Alex Almeida: Agogô, pandeiro e prato; Beloba: Tantan; Camarão Netto: Surdo; Nando Gigante: Pandeiro; Luizinho do Jejê: Atabaques e ganzá; Hudson Santos: Violão de 7 cordas; Wallace Peres: Violão de 6 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Coro: Lazir Sinval, Nina Rosa, Analimar Ventapane e Julyana Ferreirah | Faixa 8 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Trombone e arranjo; Alex Almeida: Surdo e cuíca; Beloba: Tantan e Tamborim; Nando Gigante: Pandeiro; Luizinho do Jêje: Xequerê; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Carlinhos 7 Cordas: Violão de 7 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco | Faixa 9 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Marlon Sette: Arranjo e coro; Alex: Conga, surdo 1 e 2, repique, tamborim e cuíca; Beloba: Tantan e tamborim; Camarão Netto: Coordenação rítmica, surdo 4, caixa e tamborim; Nando Gigante: Agogô, caixa, repique e tamborim; Luizinho do Jêje: Atabaques, timbaques e agogô; Cláudio Jorge: Violão de 6 cordas; Carlinhos 7 Cordas: Violão de 7 cordas; Márcio Vanderlei: Cavaco; Velha Guarda da Portela: Áurea Maria, Camarão Netto, Diniz Júnior, Evandro Lima, Jane Carla, Marquinho Pandeiro, Serginho Procópio, Tia Surica | Faixa 10 – Marquinhos de Oswaldo Cruz: Voz; Luizinho do Jêje: Rum e agogô; Alex Almeida: Pi e surdo; Beloba: Tantan; Nando Gigante: Caxixi || Produção musical: Marlon Sette | Gravação: Matheus Gomes, no estúdio Tambor | Mixagem: Vitor Farias no estúdio Tambor | Masterização: Fábio Roberto, no estúdio Tambor | Capa/designer gráfico: Pedro Hansen | Fotos: Leo Aversa | Texto: João Pimentel | Assessoria de imprensa (Deck): Mariana Candeias / Piky Candeias Comunicação | Selo: Deck | Formato: CD digital | Ano: 2025 | Lançamento: 28 de março | ♪Ouça o álbum: clique aqui | ♩Assista o clipe “Meu destino, meu Ifa”: clique aqui.
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>> Siga: @marquinhosdeoswaldocruz
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Samba / Canção / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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