‘Nascimento, dor e crescimento psíquico’ – Carlos de Almeida Vieira

Psicanálise da Vida Cotidiana

Quando nascemos, inevitavelmente, caímos numa terra estranha. Fica estabelecido que essa cicatriz traumática da separação será por toda a vida uma angústia a ser elaborada.

Somos anjos caídos, perdemos a ilusão paradisíaca e, a partir daí, procuraremos sempre resgatar através de empreendimentos, sonhos e realizações esse espaço da separação. A dor do nascimento é pavorosa, mas ela é aliviada se tivermos a sorte de sermos acolhidos por uma mãe ou por qualquer pessoa com função maternal. No colo, mamando, aparece a alegria, o prazer e uma nova tentativa de fusão com o “objeto perdido”. Somos condenados a procurar novas uniões com o mundo e nossos semelhantes.

Octavio Paz, poeta e crítico literário mexicano, em seu discurso ao receber o Nobel de Literatura, em 1990 escreveu: O sentimento de separação se confunde com minhas recordações mais antigas e confusas: com o primeiro choro, com o primeiro medo. Como todas as crianças, construí pontes imaginárias e afetivas que me uniam ao mundo e aos outros”.

A função de viver é a busca do outro, o amor pelo outro, o conforto perdido no início. O indivíduo procura em toda a sua vida “um porto seguro”, alguma pessoa que ele acredite que estará sempre à sua disposição, pois a condição humana será sempre conviver com a eterna insegurança e possibilidade de sentimento de perda e falência psíquica. No entanto, podemos pensar que, crescendo e se desenvolvendo, criamos um aparelho mental, psíquico, que possa suportar, digerir e elaborar a angústia sem necessariamente enlouquecer ou ter necessidade de uma dependência patológica. Daí teremos de contar com uma força de vida, intrínseca, inerente, e com ela desenvolver a capacidade de trabalho psíquico, sozinho ou com a ajuda de outra pessoa.

Existem pessoas que têm ódio ao trabalho, tendência a ficar esperando ajuda sempre, preguiça de usar seus recursos psíquicos, medo de ousar no desconhecido, conviver com a incerteza – todos esses fatores terminam por levar essa pessoa a um estado latente, e às vezes, uma vida de colorido depressivo acompanhado de queixumes e raiva. Essas pessoas definitivamente não fazem nada para suportar a separação.

Jean-Paul Sartre um dia escreveu (citado por Elisabeth Roudinesco): “O segredo de um homem não é o seu complexo de Édipo, e sim o próprio limite de sua liberdade, seu poder de resistência aos suplícios e à morte”.

*Carlos de Almeida Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association

Originalmente publicado no blog Noblat.

Revista Prosa Verso e Arte

Música - Literatura - Artes - Agenda cultural - Livros - Colunistas - Sociedade - Educação - Entrevistas

Recent Posts

Clarin Cia. de Dança apresenta ‘Da Cor de Cobre’ no Centro Cultural Olido e Teatro Flávio Império

O espetáculo de dança “Da Cor de Cobre” da Clarin Cia. de Dança traz uma…

32 minutos ago

Grupo Tápias estreia ‘Ziraldo – O Mineiro Maluquinho’, no Sesc Tijuca, em curta temporada

Com texto original de Fernando Caruso, o Grupo Tápias estreia “Ziraldo – O Mineiro Maluquinho”…

1 hora ago

Espetáculo ‘Passaporte para o Amor’, estreia temporada no Teatro Arthur Azevedo

Comédia romântica 'Passaporte para o Amor', escrita pelo autor Dan Rosseto, inédita nos palcos, estreia…

2 horas ago

Ana Paula Albuquerque lança álbum ‘Tributo aos Tincoãs’

A cantora, compositora e arranjadora maranhense Ana Paula Albuquerque saúda ancestralidade e legado dos Tincoãs…

6 horas ago

Daniela Aragão entrevista a cantora Áurea Martins

Áurea Martins - iniciou sua carreira na Rádio Nacional. Gravou seu primeiro disco como prêmio…

10 horas ago

Grupo Nós do Morro comemora 38 anos com eventos gratuitos para todas as idades no Vidigal

“Festival 38 em Nós” terá show a céu aberto no dia 22, quarta-feira, e mostra…

10 horas ago