Um dos momentos mais deslumbrantes de minha vida foi o dia em que andei de avião pela primeira vez. Tinha por volta de dez anos, e a curiosidade teimosa pela sensação de voar me consumia a mente desde quando, alguns anos antes, haviam me levado ao aeroporto para buscar um parente. O destino não importava: a principal aventura era o percurso até lá, entre as nuvens, sobre o mundo.
A ansiedade foi aumentando à medida que eu avançava de mãos dadas com meu pai pelo aeroporto. As pessoas arrumadas com coques de laquê, o barulho dos saltos, o cheiro de limpo, a luminosidade homogênea, os letreiros coloridos: tudo parecia compor uma sinfonia caótica que, contudo, se movia harmonicamente em direção aos portões de embarque. Fazer parte daquele mundo de pessoas viajantes me dava uma sensação de invencibilidade: eu era capaz de transpor barreiras, ir para longe, desbravar. Dentro de mim se potencializava um sentimento de independência, não em relação a algo ou alguém, mas às limitações físicas, como se eu tivesse a habilidade de me dissipar no ar e me refazer em outro local.
Um refresco e um salgado, horário do embarque. Atravessamos a passarela. Chegamos ao avião. Ia mesmo acontecer. Afivelei os cintos. Senti um formigamento na parte interna da coxa, que foi se expandindo pouco a pouco para a barriga, faringe, boca, até se tornar uma rede de energia à minha volta. Não conseguia mais conter a felicidade: vivia uma explosão de êxtase em todos os meus órgãos.
E então aconteceu. O avião acelerou, barulho, barulho, barulho e, de repente, um milagre. Não existiam aeronave, pessoas, nem mesmo meu pai. Éramos apenas eu e o universo, em uma conexão única. Eu estava voando. Eu estava voando, e o mundo estava aos meus pés.
Tempos depois, nessas conversas em retrospectiva, vim a descobrir que o meu primeiro voo foi motivado pela falência de meu pai, que, sem família no Rio, retornava a Pernambuco para se abrigar por tempo indefinido na casa da irmã. O meu momento de indestrutibilidade contrastava, nessa costura delicada de sentimentos que é a vida, com um dos momentos de maior fragilidade de meu pai, sentado logo ao meu lado. Ah!, o poder da fantasia. Nunca, nunca mais, me senti invencível como naquele dia.
* Juliana Ludmer, colunista da Revista Prosa Verso e Arte. Formada em Direito pela PUC-Rio e mestranda em Sociologia e Direito pela UFF.
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