O FADO E A ALMA PORTUGUESA
Toda a poesia – e a canção é uma poesia ajudada – reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.
O fado, porém, não é alegre nem triste. É um episódio de intervalo. Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar.
As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe.
O fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o abandonou.
No fado os Deuses regressam legítimos e longínquos. É esse o segredo sentido da figura de El-Rei D. Sebastião.
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14-4-1929
Sobre Portugal – Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979. – 98.
1ª publ. in Notícias Ilustrado , 2ª série, nº 44, Lisboa, 14-4-1929.
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Cantava, em uma voz muito suave, uma canção de país longínquo.
L. do D.
Cantava, em uma voz muito suave, uma canção de pais longínquo. A música tornava familiares as palavras incógnitas. Parecia o fado para a alma, mas não tinha com ele semelhança alguma.
A canção dizia, pelas palavras veladas e a melodia humana, coisas que estão na alma de todos e que ninguém conhece. Ele cantava numa espécie de sonolência, ignorando com o olhar os ouvintes, num pequeno êxtase de rua.
O povo reunido ouvia-o sem grande motejo visível. A canção era de toda a gente, e as palavras falavam às vezes connosco, segredo oriental de qualquer raça perdida. O ruído da cidade não se ouvia se o ouvíamos, e passavam as carroças tão perto que uma me roçou pelo solto do casaco. Mas senti-a e não a ouvi. Havia uma absorção no canto do desconhecido que fazia bem ao que em nós sonha ou não consegue. Era um caso de rua, e todos reparámos que o polícia virara a esquina lentamente. Aproximou-se com a mesma lentidão. Ficou parado um tempo por detrás do rapaz dos guarda-chuvas, como quem vê qualquer coisa. Nesta altura o cantor parou. Ninguém disse nada. Então o polícia interveio.
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s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol. II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. – 40.
“Fase confessional”, segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.
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* AMÁLIA E OS POETAS. Uma cumplicidade para a vida
Amália Rodrigues (1920-1999) projetou a música das vielas de Alfama para muito além das tradicionais casas de fado lisboetas e correu o mundo com sua arte. Seu magnetismo pessoal, a beleza e, obviamente, a voz conquistaram o mundo como numa nova era das navegações. A artista arrancou aplausos nos maiores palcos do planeta. Lenda em seu Portugal, a fadista , deixou imensa discografia e participa de incontáveis compilações. A cantora manteve relação íntima com o Brasil, sua música e alguns de nossos mais expressivos artistas, entre os quais Elizeth Cardoso, Dorival Caymmi e Vinicius de Moraes.
“Não há casa de fado em Lisboa em que não se veja sua imagem montada numa espécie de altar, ou onde o público não escute suas canções com o coração na mão”
‘Gaivota’ – Alexandre O’Neill, por Amália
Alexandre O’Neill é um dos mais originais e importantes poetas portugueses do século XX. Este poema é um exercício perfeito de conjugação entre a linguagem e ritmo modernos de O’Neill com a temática clássica do fado, particularmente o de Lisboa: o mar e o marinheiro, o amor e a despedida, que parece ser sempre a final.
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GAIVOTA
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
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Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
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Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
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Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
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Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
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Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
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Estranha forma de vida
Povo Que Lavas No Rio
#* Ouça outros fados no canal Amália Rodrigues – Official
#** Fundação Amália Rodrigues.
AMÁLIA E OS POETAS. Uma cumplicidade para a vida. In: Amália Rodrigues, s/data. Disponível no link. (acessado em 27.12.2022).
BERNARDINO, João. A poesia de Amália Rodrigues. In: Mosqueteiras literárias, s/data. Disponível no link. (acessado em 27.12.2022).
CIRURGIÃO, António. Amália, Camões e Pessoa. In: Malomi, 17.12.2016. Disponível no link. (acessado em 27.12.2022).
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