Que nome tenho eu para ti?
Decerto não há nome para ti
No sentido em que as estrelas não têm nomes
Que de algum modo lhes servem. Andando por aí,
Um motivo de curiosidade para alguns,
Mas tu estás demasiado preocupado
Com a nódoa secreta do outro lado da tua alma
Para falar muito, e vagueias por aí,
Sorrindo para ti e para os outros.
Chega a ser um tanto solitário,
Mas ao mesmo tempo desanimador,
Contraproducente, quando percebes uma vez mais
Que o caminho mais longo é o mais eficaz,
Aquele que serpenteava por entre as ilhas, e
Parecia que andavas sempre em círculo.
E agora que o fim está perto
Os gomos da viagem abrem-se como um laranja.
Lá dentro há luz, e mistério e sustento.
Anda ver. Vem, não por mim, mas por isso.
Mas se eu ainda lá estiver, concede que nos possamos encontrar.
– John Ashbery, em “Uma onda e outros poemas”. [tradução colectiva João Barrento e poetas em Mateus]. Quetzal editores, 1992.
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John Ashbery, um dos grandes autores da poesia moderna americana, morreu neste domingo (3), em sua casa em Nova York, aos 90 anos —de “causas naturais”, segundo informou com seu companheiro, David Kermani.
Ashbery era um dos nomes da chamada Escola de Nova York, grupo de artistas dos anos 1950 e 1960, que contava com poetas como Frank O’Hara e Tom Savage.
Elogiado por figuras como Harold Bloom, um dos grandes críticos de seu país, Ashbery levou todos os prêmios literários relevantes dos EUA.
Em 1975, seu livro “Self-Protrait in a Convex Mirror” ganhou o Pulitzer, o National Book Award e o National Book Critics Circle Prize —o poema que dá título ao livro é considerado um dos mais importantes da literatura americana.
O autor nascido em 1927 também ficou conhecido por trazer influências do expressionismo abstrato —e das artes visuais como um todo— para a literatura. Ashbery, aliás, chegou a estudar pintura na adolescência e, mais tarde, também atuou como crítico de arte.
Embora visto como hermético, tornou-se um dos poetas mais conhecidos dos EUA. Às vezes, porém, a dificuldade de sua obra gerava anedotas: o poeta W. H. Auden, por exemplo, que elegeu o livro “Some Trees” (1956) para um prêmio, depois confessou não ter compreendido uma palavra do manuscrito.
A ideia de seus versos, dizia Ashbery, era justamente motivar os leitores a repensar seus conceitos sobre a poesia. Da mesma forma que os expressionistas abstratos faziam com o espectador da pintura.
O autor falava ainda que o melhor jeito de ler sua obra era encará-la como se fosse música. “Palavras, como notas musicais isoladas, quando colocadas juntas, formam um novo significado e, às vezes, toda uma nova sinfonia”, afirmava.
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Fonte: Folha S. Paulo/ Ilustrada