O sol estava se pondo. O pôr do sol a fez lembrar-se do seu pai. E ela começou a falar. Ele estava mortalmente enfermo e sabia disso. Ela abandonou o seu trabalho para estar com ele. E conversavam sobre a partida que se aproximava.
Tranquilamente. Aqueles que aceitam a chegada da morte ficam tranquilos.
Disse-me que a hora que seu pai mais amava era o crepúsculo.
Desde menina, ele se assentava com ela e ia mostrando a beleza das nuvens incendiadas, a progressiva e rápida sucessão das cores, azul, verde, amarelo, abóbora, vermelho, roxo…
À medida que a morte se aproximava, a fraqueza aumentava. Mas, mesmo fraco, queria ver o pôr do sol. Talvez pela irmandade de um homem que morre e um sol que se põe.
Numa dessas tardes, ela não conseguiu conter as lágrimas. Chorou. Ele a abraçou e colocou seu dedo sobre os seus lábios. “Não quero que você chore…”
E, apontando para o sol que se punha, disse: “Eu estarei lá…”.
E contou-me também de uma orquídea que silenciosamente acompanhou esses momentos de despedida.
A orquídea, depois que seu pai partiu para o pôr do sol, se recusou a parar de florir…
Será que o seu pai foi morar na orquídea? É possível…
Rubem Alves, no livro “Ostra feliz não faz pérola”. Editora Planeta, 2008.
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