“O filósofo Bertrand Russell escreveu em 1933 que “O problema fundamental do mundo é que os estúpidos estão seguros de si mesmos e os inteligentes, cheios de dúvidas!” A frase pertencente a um ensaio intitulado “O triunfo da estupidez” segue sendo usada para ilustrar um fenômeno que documentou mais de cem estudos desde então e que presenciamos diariamente nas redes sociais. É conhecido como efeito Dunning-Kruger, uma distorção cognitiva que leva as pessoas com escassa habilidade a se sentirem superiores a outras pessoas mais preparadas. O fenômeno só recebeu esse nome em 1999 pelas mãos dos psicólogos David Dunning e Justin Kruger, que demonstraram que tendemos a superestimar nossa própria capacidade. Sim, eu e você, inclusive.”(1)
– por Kate Fehlhaber*
Um dia em 1995, um homem grande e pesado de meia-idade roubou dois bancos de Pittsburgh em plena luz do dia. Ele não usava uma máscara nem qualquer tipo de disfarce. E sorria para as câmeras de segurança antes de sair de cada banco. Naquela noite, a polícia prendeu o surpreso McArthur Wheeler. Quando lhe mostraram as imagens de segurança, Wheeler olhou incrédulo. “Mas eu usei o suco”, murmurou. Aparentemente, Wheeler pensava que esfregar suco de limão em sua pele o tornaria invisível para as câmeras. Afinal, suco de limão é usado como tinta invisível, portanto, enquanto não se aproximasse de uma fonte de calor, ele deveria ter ficado completamente invisível.
A polícia concluiu que Wheeler não era louco nem estava drogado – apenas incrivelmente equivocado.
Essa saga chamou a atenção do psicólogo David Dunning, da Universidade de Cornell, que recrutou o estudante de pós-graduação Justin Kruger para ver o que estava acontecendo. Eles concluíram que, embora quase todos tenham percepções favoráveis de suas habilidades em variados âmbitos sociais e intelectuais, algumas pessoas equivocadamente avaliam suas habilidades como sendo muito maiores do que realmente são. Essa “ilusão de confiança” agora é chamada de “efeito Dunning-Kruger”, e descreve a tendência cognitiva de inflar a autoavaliação.
Para investigar esse fenômeno em laboratório, Dunning e Kruger propuseram alguns experimentos inteligentes. Em um estudo, eles perguntaram para estudantes de graduação uma série de questões sobre gramática, lógica e piadas, e depois pediram para cada estudante estimar sua própria pontuação geral, assim como sua posição relativa em comparação aos outros estudantes. Curiosamente, os que obtiveram os resultados mais baixos nessas tarefas cognitivas sempre superestimavam quão bem eles haviam se saído – de longe. Os estudantes que pontuaram no quartil inferior estimavam que seu desempenho havia sido melhor do que dois terços dos outros estudantes!
Essa “ilusão de confiança” se estende para além da sala de aula e permeia a vida cotidiana. Em um estudo de acompanhamento, Dunning e Kruger saíram do laboratório e foram para o universo das armas, onde questionaram os aficionados sobre a segurança das armas. Semelhante a seus achados anteriores, aqueles que responderam o menor número de questões corretamente foram os que mais superestimaram seu conhecimento sobre armas de fogo. Fora do conhecimento factual, o efeito Dunning-Kruger também pode ser observado na autoavaliação das pessoas sobre uma miríade de outras habilidades pessoais. Se você assistir a qualquer show de talentos na televisão hoje, verá a surpresa no rosto dos concorrentes que não passam nas audições e são rejeitados pelos juízes. Ainda que seja quase cômico para nós, essas pessoas são genuinamente inconscientes sobre quanto estavam enganadas por sua superioridade ilusória.
Claro, é típico das pessoas superestimar suas habilidades. Um estudo descobriu que 80% dos motoristas se consideram acima da média – uma impossibilidade estatística. E tendências similares foram encontradas quando as pessoas avaliam sua popularidade relativa e suas habilidades cognitivas. O problema é que, quando as pessoas são incompetentes, não apenas chegam a conclusões erradas e fazem escolhas infelizes, mas também são privadas de sua capacidade de perceber seus erros. Em um estudo de um semestre sobre estudantes universitários, os bons alunos podiam prever melhor sua performance nos exames futuros tendo recebido o feedback sobre suas pontuações e percentil relativo. Entretanto, os que tiveram os piores desempenhos não mostraram reconhecimento disso, apesar dos feedbacks claros e repetidos de que estavam se saindo mal. Em vez de ficarem confusas, perplexas ou pensativas sobre seus caminhos errados, as pessoas incompetentes insistem que seus caminhos estão corretos. Como escreveu Charles Darwin em “A descendência do homem” (1871): “A ignorância gera mais frequentemente confiança do que o conhecimento”.
Curiosamente, as pessoas realmente inteligentes também fracassam em autoavaliar suas habilidades com precisão. Assim como estudantes que tiram notas baixas superestimam suas capacidades, os que tiram notas altas subestimam as suas. Em seu estudo clássico, Dunning e Kruger descobriram que os estudantes de alta performance, cujas pontuações cognitivas estavam no quartil superior, subestimavam sua competência relativa. Esses estudantes presumiam que, se essas tarefas cognitivas eram fáceis para eles, então deveriam ser tão fáceis quanto, ou até mais fáceis, para todos os outros. A chamada “síndrome do impostor” pode ser considerada o inverso do “efeito Dunning-Kruger”, com ela os mais bem-sucedidos não conseguem reconhecer seus talentos e pensam que os outros são igualmente competentes. A diferença é que as pessoas competentes conseguem ajustar, e ajustam, sua autoavaliação quando recebem feedback apropriado, enquanto os indivíduos incompetentes não conseguem.
E nisso está a chave para não terminar como o assaltante de bancos desmiolado. Às vezes, tentamos coisas que levam a resultados favoráveis, mas outras vezes – como na ideia do suco de limão – nossas abordagens são imperfeitas, irracionais, ineptas ou simplesmente estúpidas. O truque é não se deixar enganar por ilusões de superioridade e aprender a reavaliar nossa competência com precisão. Afinal, como Confúcio teria dito, o conhecimento real é conhecer a extensão de sua própria ignorância.
*Kate Fehlhaber é editora-chefe da Knowing Neurons e doutoranda em neurociência na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Ela vive em Los Angeles.**Publicado e traduzido pelo NexoJornal.
DOLAN, Eric W.. Study: People with less political knowledge think they know a lot about politics. in: PsyPost, april 16, 2018. Disponível no link. (acessado em 23.8.2018)
HALL, Michael P.; RAIMI, Kaithlin T.. Is belief superiority justified by superior knowledge?. in: Journal of Experimental Social Psychology, Vol. 76, May 2018, p. 290-306. Disponível no link. (acessado em 23.8.2018).
LOPES, Maurício Antônio. O embate entre o conhecimento e a ignorância. in: Embrapa, 11.12.2017. Disponível no link. (acessado em 23.8.2018)
PAZES, Revista. Síndrome de sabe-tudo: o ego excessivo que impede o crescimento. Disponível no link. (acessado em 23.8.2018).
(1) REDAÇÃO. Por que as pessoas incompetentes se acham tão especiais (e como evitar que isso ocorra com você). in: Mdig, 16.11.2017. Disponível no link. (acessado em 23.8.2018)
VALLEY, Marcio. O Efeito Dunning-Kruger na qualidade do debate político. in: blog do autor, 28.9.2016. Disponível no link. (acessado em 23.8.2018)
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