‘O tempo, no meu tempo’ – Ana Claudia Quintana Arantes

“Será que é tempo Que lhe falta para perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara, tão rara…” – Lenine – “Paciência”

Eu trabalho com pessoas gravemente doentes que quando chegam aos meus cuidados esgotaram todas as possibilidades de cura ou controle de suas doenças. Isso significa que meu trabalho como médica se concentra em aliviar o sofrimento que a natureza da doença vem trazendo. E isso também significa que essas pessoas têm muito pouco tempo de vida. Me preparei muito para escrever essas linhas por aqui. Não pense que foi por alguns meses apenas, por um tempo onde procurei pelas origens das citações e reflexões que me tomaram o sono em algumas noites desde o convite para participar desta edição. Revirei minha própria história, meu tempo até aqui, o que fiz dele, o que estou fazendo ainda. Procurei por antigos textos, livros, entrevistas que cedi, publicações recentes e outras nem tanto. Numa delas, eu disse que escolhi essa área da medicina por valorizar meu tempo e por isso me sentia capaz de valorizar o tempo do outro. Achei que nessa resposta eu dei o melhor motivo de existir, de viver. Dou valor ao meu tempo… Quem está morrendo não tem tempo pra desperdiçar com quem não sabe o valor que o tempo tem e eu me dedico muito a respeitar isso. Mas antes de você se assustar com essa realidade, permita-me esclarecer que temos todos nós essa possibilidade de encontro com a morte, mais cedo ou mais tarde. Quando nos deparamos com essa verdade, sobe ao coração um esfriamento, um estranhamento.

“O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.” – Fernando Pessoa

Nossa cultura é frágil demais em consciência da finitude humana. Falta maturidade, integridade, realidade. O tempo acaba, mas a maioria das pessoas não percebe que quando olha o relógio repetidas vezes esperando o fim do dia, na verdade estão torcendo para que sua morte se aproxime mais rápido. Quando passamos a vida esperando pelo fim do dia, pelo fim de semana, pelas férias, pelo fim do ano, pela aposentadoria, estamos torcendo para que o dia da nossa morte se aproxime mais rápido. Dizemos que depois do trabalho vamos viver, mas esquecemos que a opção “vida” não é um botão “on/off” que a gente liga e desliga conforme o clima ou o prazer de viver. Com ou sem prazer, estamos vivos 100% do tempo. Vida é coisa constante. Vida acontece todo dia e poucas vezes as pessoas parecem se dar conta disso…

Fonte: HumanaVida

Ana Claudia Quintana neste site:
Ana Claudia Quintana (Entrevistas & textos)

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