O velório de Maradona
– por Fabrício Carpinejar
Os argentinos sabem doer. Sabem fazer um morto se sentir importante. Sabem homenagear os seus heróis. Sabem se despedir com música e langor. Sabem expor a paixão de seu sofrimento. Sabem se desesperar. Sabem uivar aos céus, com os lobos de suas lágrimas.
Nunca se testemunhou uma comoção nacional tão grande desde o velório de Evita Perón. Maradona é capaz de superar as duas milhões de pessoas nas ruas de 1952. E isso no meio de uma pandemia.
Ele morre e continua jogando futebol, ele morre e continua arrastando multidões para vê-lo.
Não é um homem, mas um estádio.
É uma demonstração monstruosa de fé na eternidade que só é testada com a morte.
Como diz o escritor argentino Roberto Fontanarrosa, “não me importa o que Maradona fez com a vida dele. Eu me importo com o que ele fez com a minha”.
Ele transformou corações, garantiu ao seu povo sofrido e massacrado por golpes militares e sucessivas inflações a possibilidade de ser feliz por noventa minutos. Ele venceu uma Guerra das Malvinas paralela dentro do campo, deixando os adversários ingleses no chão e trazendo uma Copa do Mundo para casa. Ele saiu de um bairro pobre de Buenos Aires, privado de luz, com a eletricidade de suas próprias pernas.
E pensar que ele não jogava futebol para se exibir, mas para sobreviver – na infância, disputava campeonatos para conseguir um refrigerante e um sanduíche.
A magia nos gramados começou cedo demais. Não teve tempo de ser adulto. Estreou profissionalmente aos 15 anos – El Pibe de Oro -, com uma inacreditável habilidade de girar e mudar a sua direção e a sua velocidade. Driblou a miséria, enganou sucessivos escândalos, recomeçou sempre.
Foi um exemplo de sinceridade passional, com as suas glórias e pecados, não querendo nunca ser um modelo para ninguém. Mantinha a consciência de que custava muito sangue ser Maradona todo o dia.
Dom Diego é a maior celebridade da Argentina de todos os tempos. Nem a política, nem a religião produzirão um ídolo igual.
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