Em São Paulo, ex-presidente dos Estados Unidos afirmou que países precisam investir nas pessoas para crescer economicamente.
Em sua terceira visita ao Brasil, Obama continuou colecionando um número grande de fãs e foi recebido como estrela. Bastante carismático, ele começou a palestra de abertura do Vtex Day (2019), dando boa tarde em português, reclamou do trânsito de São Paulo, contou que tinha encontrado Pelé na parte da manhã e revelou que tocava músicas de Tom Jobim para a esposa Michelle.
E em um dia marcado por protestos em defesa da educação, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, defendeu a importância do investimento na área para o desenvolvimento dos países. Ele ressaltou que “Dar boa educação e serviço social não é caridade, é necessidade do desenvolvimento econômico de um país. Quanto mais se investe em capital humano, mais as economias vão crescer”.
“A chave do sucesso é a educação”
Diante de uma plateia de 10.000 pessoas —a maioria empresários, que ovacionaram todo o tempo o ex-presidente— , Obama disse que é necessário criar um sistema educacional que prepare crianças e jovens para o pensamento crítico. “As pessoas querem que os fatos se encaixem nas opiniões delas”, disse. “Acho que o mais valioso da educação é aprender a habilidade de analisar a realidade, mesmo quando isso é desconfortável e prova que aquilo que eu achava ser verdade está errado.”
Obama falou sobre como a sua formação contribuiu para que ele chegasse à presidência dos Estados Unidos.
“Uma coisa que se diz quando você é bem-sucedido é que você teve sorte, mas é importante lembrar que muito poucas pessoas conseguem as coisas sozinhas. Eu tive a sorte de ter uma mãe incrível, que me dizia que eu podia ser o que eu quisesse. Também tive avós que cuidaram de mim”, afirmou.
“Eu não conheci o meu pai, eu era uma das poucas crianças de ascendência africana [na escola], eu sentia que sempre tinha que provar algo. Por isso, eu sempre digo, quando você enfrenta dificuldades, use isso como um motor para trabalhar e se lembre: ‘yes, we can'”, lembrando o seu slogan de campanha.
Ele lembrou de duas professoras que foram marcantes em sua vida: uma com quem conviveu ainda criança no Havaí e uma da universidade.
Obama lembrou que, aos 10 anos, depois de voltar do período em que viveu na Indonésia, enfrentou problemas de adaptação no Havaí. Só havia duas crianças negras na escola, e a professora, que passou pelo Quênia (país de origem de seu pai), fazia com que ele se “sentisse orgulhoso de ser diferente”.
“O grande poder de um professor é desenvolver a confiança de uma criança”, afirma.
Já na universidade, uma outra professora o repreendeu quando ele reclamou de não ter se saído bem em um discurso durante uma manifestação no campus. A professora disse a ele que era preciso dar mais importância para a causa do que para sua performance, ajudando a despertar sua consciência política. “Isso foi mais importante do que aprendi em sala de aula”, lembra.
Obama ainda destacou “Algumas vezes, particularmente na América Latina, onde existem profundas divisões políticas entre esquerda e direita, tudo é muito ideológico, vejo que as pessoas não acreditam no governo e no mercado. Não existe um mercado funcional sem um bom governo. E, se você não tem um bom sistema educacional, não tem um bom mercado. Sem isso tudo, não há um bom governo”.
O democrata elogiou ainda o poder que um professor tem de dar confiança a uma criança e criticou como a categoria é pouco reconhecida em alguns países. “Nos Estados Unidos, os professores também não são valorizados, em parte porque a maioria deles é mulher”, disse o ex-presidente, que defendeu o modelo da Finlândia, onde a categoria é valorizada e “ganha tão bem quanto um médico”.
O ex-presidente afirmou que os governos, além de investir na educação, precisam investir em leis, em transparência e no combate à corrupção para incentivar o mercado.
“Um país precisa de leis, de transparência, responsabilidade, base tributária, infraestrutura, investimentos em escolas. Todas estas coisas formam um bom mercado, melhor para fazer negócios”, disse Obama. Ele ressaltou ainda que tudo isso ocorre por meio do bom uso da arrecadação fiscal.
“Eu sempre digo: fiquem felizes de pagar os seus impostos, porque é o investimento que você faz na sociedade. Vá a países que tem pouca governança! Seus contratos não são aplicáveis. Às vezes, estamos tão obcecados com dinheiro, com market share, que nos esquecemos das condições que permitem que sejamos bem-sucedidos.” Obama afirmou não defender o fim da liberdade que vem do mercado ou a capacidade de inovação.
“Temos que projetar um sistema que não destrua os nossos valores. Queremos ter inovação, que é responsável pelo desenvolvimento tecnológico, mas com responsabilidade ambiental, porque não adianta ter aplicativos maravilhosos quando oceanos e florestas estão sendo devastados e não conseguimos respirar”, declarou.
O ex-mandatário também defendeu uma maior inclusão de mulheres e afro brasileiros na política e na sociedade. “Se afro brasileiros não são incluídos, o país está desperdiçando talento. Se mulheres não estão incluídas, estão desperdiçando talento”, afirmou. Segundo Obama, ele sempre fez questão de ter mulheres em sua equipe. “Se sua organização só tem homens brancos que parecem todos iguais, você está perdendo algo”.
“Na primeira vez em que estive no Brasil como presidente, joguei futebol com umas crianças na favela no Rio. Olhava para elas e as achava parecidas comigo, quando eu tinha dez anos de idade. Elas tinham as mesmas ideias, a mesma energia e as mesmas possibilidades que eu. A única diferença é que eu tive oportunidades, fui capaz de ter mais conhecimento, superando algumas adversidades. E sempre lembro que, se a gente pode dar as estas pessoas as mesmas oportunidades, uma destas crianças pode acabar inventando a cura do câncer, criar a próxima inovação tecnológica”
O ex-presidente contou que, após deixar a Casa Branca, decidiu focar seu trabalho em preparar novos líderes pelo mundo. “Avaliei que meu maior impacto seria o de inspirar outras pessoas a se envolverem e a encorajar as pessoas para que se engajem a fazer a diferença”, diz.
Perguntado sobre o que apreciava no Brasil, ele disse amar o país e adorar música brasileira. “Eu escutava Tom Jobim e, quando namorava com Michelle, eu colocava para ela escutar”, contou. Também destacou a diversidade como uma semelhança entre seu país e o Brasil.
“O Brasil tem grande diversidade e acho que é uma força muito grande dos nossos países”, destacou. Por outro lado, Obama se queixou do trânsito paulistano. “O trânsito é complicado mesmo quando você é escoltado pela polícia”, brincou, provocando risos na plateia.
O americano confessou que, apesar de atualmente ter muito mais dinheiro do que ao longo de grande parte da sua vida, sua felicidade não está relacionada a esse tipo de riqueza. Obama criticou ainda que a acumulação de dinheiro e de bens seja hoje a medida para avaliar o sucesso de uma pessoa. “Nós ensinamos a nós mesmos que a nossa medida de sucesso é esta: quanto mais nós temos e quando mais nos apegamos a isso, melhor devemos ser. Mais alto é o nosso status”, disse. Para ele, essa forma de raciocínio pode explicar um pouco porque no Brasil, nos EUA e em muitas partes do mundo temos dificuldade em criar sociedades mais justas.
Ao fazer uma análise dos seus oito anos na Casa Branca, Obama celebrou o fato de não ter se envolvido em nenhum escândalo. “Ninguém foi preso. Erramos, não fomos perfeitos. Mas mantivemos a integridade. E fomos capazes de mostrar que é possível alcançar um grande poder sem corrupção”. Ele também fez questão de mencionar o esforço de seu Governo nas negociações que deram início ao Acordo de Paris, embora seu país, agora sob comando de Donald Trump, não estivesse mais nele.
Perguntado sobre o pior dia em seus mandatos, Obama voltou a relatar o atentado de Sandy Hook, onde 20 crianças de uma escola infantil foram mortas por um atirador, além de sete professores e do atirador.
“Minhas filhas não eram muito mais velhas do que as crianças assassinadas, e tive que confortar os pais delas. E alguns aqui podem não saber sobre as leis para compra de armas dos EUA. Elas não fazem o menor sentido, qualquer pessoa pode comprar qualquer arma a qualquer momento e até pela internet. Para mim, ter que falar com os pais que perderam seus filhos foi muito difícil”, disse.
“E não pude nem prometer mudanças na legislação que impedissem que algo assim ocorresse com os filhos de outras pessoas. Isso foi a maior frustração para mim.”
Obama foi fortemente aplaudido ao criticar as leis referentes à venda de armas nos Estados Unidos e lamentar não ter tido o poder de alterá-las.
O ex-mandatário encerrou sua fala pedindo que os brasileiros mantivessem o seu otimismo. Apesar de considerar que muitas coisas não andam bem, Obama afirmou que o mundo nunca viveu tamanho progresso com elevado padrão de vida.
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