Academia Sueca escolheu entregar o prêmio de 2018 junto ao de 2019. Premiação foi cancelada no ano anterior após o dramaturgo Jean-Claude Arnault ter sido acusado de abuso sexual.
A polonesa Olga Tokarczuk e o austríaco Peter Handke ganharam o prêmio Nobel de Literatura. O comunicado foi feito nesta quinta-feira (9) pela Academia Sueca.
O prêmio entregue a Olga Tokarczuk foi referente ao ano de 2018, quando a academia cancelou a premiação após um escândalo sexual. No início de 2019, a instituição anunciou a decisão de conceder dois prêmios em 2019 para tentar recuperar seu prestígio.
O prêmio para cada um dos ganhadores é de 9 milhões de coroas suecas (o equivalente a cerca de R$ 3,7 milhões).
Segundo a academia, Olga foi escolhida por ter “uma imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida.” Antes da premiação, a expectativa era que ao menos uma mulher levasse o prêmio, e a polonesa estava entre os nomes cotados, junto com a chinesa Can Xue, a russa Lyudmila Ulitskaya e a americana Joyce Carol Oates.
Peter Handke foi nomeado “por um trabalho influente que, com engenhosidade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana”, segundo a Academia Sueca.
A escritora nasceu em 1962, em Sulechów, na Polônia, e hoje vive em Breslau, também na Polônia. Formada em psicologia na Universidade de Varsóvia, estudou os trabalhos de Carl Jung. Por um tempo, trabalhou como psicoterapeuta. Publicou uma coletânea de poemas antes de escrever prosa. Estreou como escritora de ficção em 1993 com “Podróz ludzi Księgi” (“A jornada do povo do livro”, em tradução livre).
Segundo o Nobel, a verdadeira inovação de Olga veio com seu terceiro romance, “Prawiek i inne czasy” (“Primitivo e Outros Tempos”), de 1996. O romance é “um excelente exemplo de nova literatura polonesa após 1989”, disse o comitê do prêmio.
“A obra-prima de Olga Tokarczuk, até agora, é o impressionante romance histórico ‘Księgi Jakubowe’ 2014 (‘Escrituras de Jacó’). Ela mostrou neste trabalho a capacidade suprema do romance de representar um caso quase além da compreensão humana”, acrescentou o comitê.
Na obra, Olga conta a história de Jacob Frank, figura histórica altamente controversa do século 18 e líder de um misterioso grupo herético judeu que se converteu em diferentes épocas ao Islã e ao catolicismo. Aplaudido pelos críticos, o livro teve violentas reações por grupos de direita na Polônia, e a autora chegou a receber ameaças de morte.
Em 2018, a escritora ganhou o Man Booker International do Reino Unido pelo romance “Flights”, que reúne uma série de histórias, como um conto do século 17 sobre o anatomista holandês Philip Verheyen, que dissecou e desenhou detalhes de sua perna amputada, e uma história do século 19 sobre o coração do finado Chopin, que viajou oculto de Paris a Varsóvia.
Seus livros são best-sellers na Polônia, traduzidos para mais de 25 idiomas, incluindo catalão e chinês. No Brasil, foi publicado, em 2014, apenas um título em português de Olga, chamado “Os Vagantes” (“Bieguni”, no título original em polonês). A editora todavia vai lançar, em novembro, outra obra dela – “Sobre os ossos dos mortos”.
Politicamente engajada à esquerda, ecologista e vegetariana, a escritora costuma criticar a política do atual governo nacionalista conservador, do partido Lei e Justiça (PiS).
Handke, de 76 anos, nasceu em 1942, na vila de Griffen, na região de Kärnten, no sul da Áustria, mesmo local que sua mãe, que pertencia à minoria eslovena do lugar. Hoje ele vive em Chaville, um subúrbio de Paris. É conhecido como um dos poucos intelectuais ocidentais pró-sérvios.
O romance de estreia dele, Die Hornissen, (“As Vespas”, em tradução livre), foi publicado em 1966. A obra, junto com a peça ‘”Ofendendo o Público”, de 1969, são citadas como responsáveis por deixar a marca do escritor no cenário literário. Os trabalhos são reconhecidos pelas experimentações radicais.
“Mais de cinquenta anos depois do lançamento de seu primeiro livro, tendo produzido um grande número de obras em diferentes gêneros, o laureado de 2019, Peter Handke, estabeleceu-se como um dos escritores mais influentes da Europa após a Segunda Guerra Mundial”, disse o comitê do Nobel.
Em 2006, Handke causou controvérsia ao discursar no velório do ex-presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, que foi acusado de genocídio e crimes de guerra. Considerado o mentor da Guerra do Kosovo (província com maioria albanesa que queria se separar da Iugoslávia), assim como de outras guerras nos Bálcãs nos anos 90, Milosevic morreu na prisão aos 64 anos. Handke já vinha defendendo os sérvios publicamente. Em 1996, um polêmico ensaio chamado “Justiça à Sérvia”, que via os sérvios como “as vítimas reais da guerra civil”.
Após o anúncio do Nobel, o presidente austríaco elogiou a escolha. “Que dia! Um dia de sucesso – pelo menos para a literatura austríaca, para a literatura de forma geral. Com Peter Handke, o Nobel ganhou um autor cuja voz calma e assustadora projeta, há décadas, lugares e pessoas que não poderiam ser mais fascinantes”, disse Alexander van der Bellen.
Há dois títulos de Handke publicados no Brasil: “Don Juan (narrado por ele mesmo)”, de 2007, e “A perda da imagem: ou através da Sierra de Gredos”, de 2009, ambos pela Estação Liberdade. Peter também escreveu o roteiro do filme “Asas do Desejo (1987)” em parceria com Win Wenders.
O prêmio de literatura de 2018 foi cancelado após acusações contra o marido de uma das integrantes da Academia Sueca. O dramaturgo Jean-Claude Arnault foi acusado cometer abusos sexuais dentro de uma instituição cultural que recebia dinheiro da academia e de vazar o nome de vários ganhadores do prestigiado prêmio. Ele negou ter cometido crimes, mas foi condenado por estupro no ano passado.
Em meio às denúncias, vários membros do comitê que escolhe o Prêmio Nobel de Literatura renunciaram, o que obrigou a organização a cancelar a edição de 2018.
Depois do escândalo, nomeações externas foram impostas pela Fundação Nobel, que financia o prêmio. Segundo a France Press, o comitê — composto normalmente por cinco membros que recomendam um laureado ao resto da academia — decidiu incluir em 2019 e 2020 “cinco especialistas externos”, especialmente críticos, editores e autores de entre 27 e 73 anos.
Agora, uma lista de candidatos é escolhida pelos nove membros do comitê de seleção. Os nomes são mantidos em segredo, e 8 finalistas são selecionados. Para que o vencedor seja escolhido, ele precisa receber mais da metade dos votos do comitê.
“As mudanças foram muito frutíferas e temos esperança para o futuro”, declarou à agência o novo secretário permanente, Mats Malm, dias antes do anúncio dos premiados.
Desde 1901, foram 116 laureados em 112 premiações. Isso porque eu quatro delas, dois nomes foram anunciados como vencedores no mesmo ano. Até hoje, ninguém foi premiado mais de uma vez no Nobel.
Rudyard Kipling foi o mais jovem vencedor do prêmio. Em 1907, quando foi nomeado, tinha 41 anos de idade.
Já a mais velha foi Doris Lessing, que estava com 88 anos quando foi premiada em 2007.
Até então, o Prêmio Nobel de Literatura havia sido concedido a apenas 14 mulheres entre uma centena de homens desde sua criação, em 1901. Com o nome de Olga, o número sobe para 15.
1909 – Selma Lagerlöf
1926 – Grazia Deledda
1928 – Sigrid Undset
1938 – Pearl Buck
1945 – Gabriela Mistral
1966 – Nelly Sachs
1991 – Nadine Gordimer
1993 – Toni Morrison
1996 – Wislawa Szymborska
2004 – Elfriede Jelinek
2007 – Doris Lessing
2009 – Herta Müller
2013 – Alice Munro
2015 – Svetlana Alexievich
2018 – Olga Tokarczuk
Fonte: G1/O Globo.
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