O crítico Harold Bloom se autodefinia como “um monstro” da leitura. Ele se gabava da capacidade de devorar um livro de 400 páginas em apenas uma hora. Um intelectual próximo dizia que, de fato, era “assustador” ver o amigo absorvendo as palavras em frenesi em sua biblioteca. Depois de processar tudo o que lia, de Shakespeare a poemas do Velho Testamento, Bloom devolvia seu conhecimento ao mundo de forma prodigiosa: ele foi um monstro da crítica literária.
No prefácio ao livro “Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da literatura”, o autor, Harold Bloom*, indaga: “Por que estes 100 autores?”, e, logo a seguir, responde: “A certa altura, considerei incluir muitos outros nomes, mas uma centena me pareceu número suficiente. Excetuando aqueles que jamais poderiam ser omitidos – Shakespeare, Dante, Cervantes, Homero, Virgílio, Platão e companheiros -, minha seleção é totalmente arbitrária e idiossincrática. A lista não encerra, em absoluto, os 100 melhores, na avaliação de quem quer que seja, inclusive na minha. Apenas estes autores são aqueles sobre os quais desejei escrever.”
“Falstaff e Hamlet estão bem mais vivos do que muita gente que conheço. (…) Lemos em busca de mais vida, e só o gênio é capaz de nos prover de mais vida”, afirma o escritor.
Para organizar a antologia “Gênio”, que reúne cem nomes essenciais da literatura mundial de todos os tempos, o crítico americano Harold Bloom lançou mão de uma definição estritamente pessoal do conceito de genialidade. Para ele, fundamentalmente, consciência é o que define o gênio:
“Todas as mentes criativas exemplares aqui incluídas contribuíram para a expansão da consciência dos respectivos leitores e ouvintes. As questões que devemos colocar a qualquer escritor são as seguintes: ele ou ela alarga a nossa consciência? E como isso se dá? Sugiro um teste simples, mas eficaz: fora o aspecto do entretenimento, a minha conscientização foi aguçada? Expandiu-se a minha consciência, tornou-se mais esclarecida? Se não, deparei-me com talento, e não com gênio. Aquilo que há de melhor e de primordial em mim não terá sido tocado”, esclarece Bloom.
Um exemplo dessa capacidade, para o crítico, é Machado de Assis (1839-1908). “Machado de Assis é uma espécie de milagre, mais uma demonstração da autonomia do gênio literário quanto a fatores como tempo e lugar, política e religião, e todo o tipo de contextualização que supostamente produz a determinação dos talentos humanos.” E isso vale para todos os cem eleitos em “Gênio”. “Qualquer contemporâneo de Dante poderia compartilhar da relação que o poeta teve com a tradição, do conhecimento e de algo semelhante ao amor do poeta por Beatriz, mas somente Dante escreveu a ‘Comédia’ “, diz Bloom.
BLOOM, Harold. Gênio: os 100 escritores mais criativos da história da literatura. [tradução José Roberto O’Shea; revisão de Marta M. O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2003.
“A noção de ‘grandeza’ está fora de moda, assim como a ideia de transcendência, mas é difícil continuar vivendo sem alguma esperança de se deparar com o extraordinário.”
“Dividi a centena de gênios da linguagem aqui relacionados em dez conjuntos, cada qual contendo dez nomes; em seguida, dividi cada conjunto em subconjuntos de cinco nomes. Todo gênio, a meu ver, é idiossincrático, extremamente arbitrário e, em última instância, solitário. Qualquer contemporâneo de Dante poderia compartilhar da relação que o poeta teve com a tradição, mas somente Dante escreveu a Comédia. Cada um dos 100 autores por mim selecionados é singular, mas, tanto quanto qualquer outro livro, este requer algum princípio de organização ou classificação. Estruturei-o como um mosaico, por acreditar no surgimento de contrastes e inspirações importantes.”
– Harold Bloom, em “Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da literatura”. [tradução José Roberto O’Shea; revisão de Marta M. O’Shea]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 13.
Fonte: BLOOM, Harold. Gênio: os 100 escritores mais criativos da história da literatura. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2003.
*Harold Bloom é professor titular de Ciências Humanas, na Universidade de Yale, e já ocupou cátedra na Universidade de Harvard. Escreveu mais de 25 livros, entre os quais Hamlet: Poema Ilimitado, Gênio,Como e Por Que Ler, Shakespeare: A Invenção do Humano, O Cânone Ocidental, entre outros. Ganhou o prêmio McArthur, da Academia Norte-Americana de Letras e Artes, e recebeu inúmeras distinções e diplomas honorários, inclusive a Medalha de Ouro de Crítica e Belles Lettres, conferida pela mesma academia, o Prêmio Internacional da Catalunha e o Prêmio Alfonso Reyes, do México. Bloom nasceu em Nova York, em 11 de julho de 1930.
:: Anjos caídos. Harold Bloom. [tradução Antonio Nogueira Machado]. Rio Janeiro: Objetiva, 2008.
:: Jesus e Javé: os nomes divinos. Harold Bloom. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2006.
:: Onde encontrar a sabedoria? Harold Bloom. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2005.
:: Hamlet: poema ilimitado. Harold Bloom. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2004.
:: Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as idades. Vol. 1 – Primavera; Vol. 2 – Verão; Vol. 3 – Outono; Vol. 4 – Inverno. Harold Bloom. [tradução José Antonio Arantes]. Rio Janeiro: Objetiva, 2003.
:: Gênio: os 100 escritores mais criativos da história da literatura. Harold Bloom. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2003.
:: A angústia da influência. Harold Bloom. [tradução Marcos Santarrita]. Rio de Janeiro: Imago, 2ª ed., 2002.
:: Como e por que ler. Harold Bloom. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2000.
:: Shakespeare: a invenção do humano. Harold Bloom. [tradução José Roberto O’Shea]. Rio Janeiro: Objetiva, 2003.
:: Um mapa da desleitura. Harold Bloom. [tradução Thelma Médici Nóbrega]. Rio de Janeiro: Imago, 1999; 2ª ed., 2003.
:: Presságios do milênio. Harold Bloom. [tradução Marcos Santarrita]. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
:: O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Harold Bloom. [tradução Marcos Santarrita]. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
:: Poesia e repressão: o revisionismo de Blake a Stevens. Harold Bloom. [tradução Cillu Maia]. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
:: Abaixo as verdades sagradas. Harold Bloom. [tradução Alípio Correa de França e Heitor Ferreira da Costa]. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
:: Livro de J. Harold Bloom. [tradução Monique Balbuena]. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
:: Cabala e crítica. Harold Bloom. [tradução Monique Balbuena]. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
:: A angústia da influência. Harold Bloom. [tradução Arthur Nestrovski]. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
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