sexta-feira, dezembro 20, 2024

Os seis conselhos de George Orwell para escrever melhor

Escritor os incluiu em ensaio publicado em 1946, em que criticava principalmente a linguagem política

por Jaime Rubio Hancock – El País

Normalmente se diz que não há regras para escrever bem. Mas não é verdade. Ajuda ter em mãos, por exemplo, as seis normas propostas por George Orwell. Seu filho, Richard Blair, as lembrou em uma entrevista feita por Bernardo Marín e publicada há alguns dias pelo El País.
1. Nunca use uma metáfora, comparação ou outra frase feita que esteja acostumado a ver escrita.

2. Nunca use uma palavra longa se pode usar uma curta que signifique o mesmo.

3. Quando possível eliminar uma palavra, sempre elimine.

4. Nunca use a voz passiva quando puder usar a ativa.

5. Nunca use uma expressão estrangeira, una palavra científica ou um termo de jargão se puder pensar em uma palavra equivalente em seu idioma que seja de uso comum.

6. Descumpra qualquer uma dessas regras antes de escrever algo que pareça estúpido.

Orwell as incluiu em um ensaio intitulado Politics and the English Language (A Política e a Língua Inglesa), publicado em 1946 na revista Horizon. O artigo criticava principalmente a linguagem política, mas seus conselhos podem ser aplicados a qualquer texto. Por exemplo, o The Guardian o citou há alguns anos para criticar como escrevemos na internet. E também pode servir para qualquer idioma, apesar de o ponto 4, o que se refere à voz passiva, ser aplicado com mais frequência no inglês.

Para o autor britânico, essa preocupação com a linguagem não é nem “frívola” nem exclusiva dos escritores profissionais. Quando alguém se livra dos maus hábitos ao escrever, “pode pensar com mais clareza, e pensar com clareza é o primeiro passo para a regeneração da política”.

Tópicos imprecisos

Na opinião do autor britânico, são dois os problemas principais de muitos textos: as imagens banais e a falta de precisão. Quando escrevemos temos que deixar que “o significado escolha a palavra, e não ao contrário”, afirma. Tem que se fazer um esforço e pensar antes de começar a juntar letras, para evitar assim “as imagens desgastadas ou confusas, todas as frases pré-fabricadas, as repetições desnecessárias e os enganos e imprecisões”.

Nos textos que critica se acumulam “metáforas moribundas”, que foram tão usadas que perderam seu significado. Pensemos, por exemplo, em “enlouquece as redes sociais”. Outro vício habitual, segundo Orwell, é o de usar termos pretensiosos com a intenção de “dar um ar de imparcialidade científica a juízos tendenciosos”, além de “palavras que quase carecem de significado”.

Por exemplo, termos como democracia, socialismo e liberdade, que normalmente são usados com “significados diferentes que não se podem reconciliar entre si”. Não é o mesmo ler informação sobre notícias falsas em um texto do The New York Times e declarações de Donald Trump, que se apropriou dessa expressão, fake news, para classificar todas as manchetes de que não gosta.

Paradoxalmente, outra palavra que não significa o mesmo de acordo com quem a utiliza é “orwelliano”, usada por “críticos de todos os lados”, como publicou o The New York Times em um artigo que mencionava que esse texto, é, junto com 1984 e A Revolução dos Bichos, um dos mais influentes de Orwell.

Defender o indefensável

Como já apontamos, Orwell se preocupava principalmente em como eram mal escritos os textos políticos, algo que não podemos dizer que tenha mudado muito. Orwell cita exemplos que parecem muito atuais, como falar de “pacificação” quando “se bombardeia povoados indefesos pelo ar” ou de “transferência de população” quando “se despeja milhões de camponeses de suas terras”.

“Um orador que usa essa classe de fraseologia tomou distância de si mesmo e se transformou em uma máquina” que tenta “defender o indefensável”, escreveu Orwell. O que consegue é que “as mentiras pareçam verdadeiras, e o assassinato, respeitável”. Como recorda Steven Pinker em The Sense of Style, essa abstração tão vaga acaba desumanizando.

Quatro perguntas

É fato que escrever mal é fácil: não precisa se preocupar como nos expressamos, basta escolher expressões do catálogo de frases feitas. Mas também leva a que os textos sejam desagradáveis e ineficazes.

Por outro lado, um escritor cuidadoso se fará ao menos quatro perguntas antes de redigir qualquer texto:

– O que quero dizer?

– Quais palavras expressam isso?

– Qual imagem ou expressão deixa mais claro?

– Essa imagem é suficientemente nova para fazer efeito?

E talvez mais duas:

– Posso ser mais breve?

– Disse algo feio que é evitável?

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Edições do livro ‘1984’ na Feira do Livro de Hong Kong. AARON TAM /AFP

ORWELL E A PÓS-VERDADE
Os seis conselhos de Orwell para escrever bem são muito conhecidos, mas ultimamente se fala bem mais de outro texto de Orwell: o romance 1984, publicado em 1949, três anos depois de A Política e a Língua Inglesa. O clássico sempre foi popular (a primeira adaptação cinematográfica foi feita em 1956), mas nos últimos meses foi bastante citado em referência à pós-verdade e às notícias falsas. Um exemplo: esse fragmento que poderia explicar a diferença entre uma mentira e uma pós-verdade.

“Aqui, a palavra-chave é preto-branco. Como tantas outras palavras da novilíngua, também esta tem dois sentidos antagônicos. Aplicada a um opositor, significa o hábito de afirmar sem pudor que o preto é branco, contrariando a evidência dos fatos. Aplicada a um membro do Partido, designa a lealdade diligente em afirmar que o preto é branco quando a disciplina do Partido assim exige. Mas significa também a capacidade de acreditar que o preto é branco, e mais ainda, de saber que o preto é branco, e esquecer que alguma vez se tenha pensado o contrário. Isso implica a constante alteração do passado, só possível pelo sistema de pensamento que na verdade abarca todo o resto, e que se designa na novilíngua pela palavra duplipensar.”

Fonte: El País Brasil


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