Désespoir
As estações deixam, ao passar, sua ruína,
E pois, na Primavera, o narciso que abre
Só murcha quando a rosa em chama rubra arde,
E as violetas roxas florem no Outono,
E o croco faz no Inverno a neve estremecer;
Assim hão-de florir de novo os lenhos nus
E este barro gris enverdecer de chuva
E dar boninas, que um moço há-de colher.
Mas que dizer da vida cujo mar faminto
A nossos pés escorre, e das noites sem sol
Toldando os dias de que não resta esp’rança?
A ambição, o amor, tudo o que penso ou sinto,
Cedo é perdido, e há que achar prazer tão-só
Nas espigas ressequidas da morta lembrança.
.
Desespoir
The seasons send their ruin as they go,
For in the spring the narciss shows its head
Nor withers till the rose has flamed to red,
And in the autumn purple violets blow,
And the slim crocus stirs the winter snow;
Wherefore yon leafless trees will bloom again
And this grey land grow green with summer rain
And send up cowslips for some boy to mow.
But what of life whose bitter hungry sea
Flows at our heels, and gloom of sunless night
Covers the days which never more return?
Ambition, love and all the thoughts that burn
We lose too soon, and only find delight
In withered husks of some dead memory.
– Oscar Wilde, em “Poemas, de Oscar Wilde”. [tradução, posfácio e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.
§
Fantaisies décoratives
I.
Le Panneau
Sob a sombra que baila da roseira
Há uma garotinha de marfim
Que arranca as folhas róseas e perladas,
Com unhas verde-água de jade.
As folhas rubras caem sobre o húmus,
As folhas brancas, uma a uma, entornam-se
Por uma taça azul, aonde o Sol
Tal um dragão de ouro se retorce.
As folhas brancas pairam pelo ar,
As folhas rubras descem langorosas,
Algumas sobre seu robe amarelo,
Algumas sobre seus negros cabelos.
E toca um alaúde de âmbar, ela canta,
E quando canta, um grou de prata
Começa a afagar seu papo roxo,
Com asas de metal a cintilar.
Toca um alaúde de âmbar, e brilha,
E lá do bosque denso onde se deita,
O seu amante, com olhos de amêndoa,
Espreita os gestos dela com deleite.
E ela solta então, de susto, um grito,
Começam a romper delgadas lágrimas,
Pois um espinho feriu com sua flecha
A rósea pele na concha do ouvido.
E agora ri em estrídulo alvoroço
Por tombar uma pétala de rosa
Aonde o cetim flavo deixa ver
A flor de veio azul do seu pescoço.
Com unhas verde-água de jade,
Há uma garotinha de marfim,
Sob a sombra que baila da roseira,
E arranca as folhas róseas e perladas.
II
Les Ballons
Contra estes densos céus de azul turquesa,
Mergulham como luas de cetim
Balões cheios de luz e de leveza,
Tais borboletas pairam, como seda.
E giram ao sabor da brisa esparsa,
Sobem, piruetam, como num baile,
Flutuam, perlas raras de cristal,
Caem, levitam, tal argêntea prata.
Agora ao rés das folhas se seguram,
Em pose graciosa, teatral,
E cada um é pétala de rosa
Que em corda de gaze se pendura.
Agora chegam às mais altas copas,
Como globos de ametista fina,
Opalas vagueando ao encontro
Dos galhos de rubi da lima.
.
Fantaisies Decoratives
I
Le Panneau
Under the rose-tree’s dancing shade
There stands a little ivory girl,
Pulling the leaves of pink and pearl
With pale green nails of polished jade.
The red leaves fall upon the mould,
The white leaves flutter, one by one,
Down to a blue bowl where the sun,
Like a great dragon, writhes in gold.
The white leaves float upon the air,
The red leaves flutter idly down,
Some fall upon her yellow gown,
And some upon her raven hair.
She takes an amber lute and sings,
And as she sings a silver crane
Begins his scarlet neck to strain,
And flap his burnished metal wings.
She takes a lute of amber bright,
And from the thicket where he lies
Her lover, with his almond eyes,
Watches her movements in delight.
And now she gives a cry of fear,
And tiny tears begin to start:
A thorn has wounded with its dart
The pink-veined sea-shell of her ear.
And now she laughs a merry note:
There has fallen a petal of the rose
Just where the yellow satin shows
The blue-veined flower of her throat.
With pale green nails of polished jade,
Pulling the leaves of pink and pearl,
There stands a little ivory girl
Under the rose-tree’s dancing shade.
II
Les Ballons
Against these turbid turquoise skies
The light and luminous balloons
Dip and drift like satin moons,
Drift like silken butterflies,
Reel with every windy gust,
Rise and reel like dancing girls,
Float like strange transparent pearls,
Fall and float like silver dust.
Now to the low leaves they cling,
Each with coy fantastic pose,
Each a petal of a rose
Straining at a gossamer string.
Then to the tall trees they climb,
Like thin globes of amethyst,
Wandering opals keeping tryst
With the rubies of the lime.
– Oscar Wilde, em “Poemas, de Oscar Wilde”. [tradução, posfácio e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.
§
Impression
I
Le Jardin
Cai a taça do lírio encarquilhada
Em torno do ouro em pó de sua haste,
E o derradeiro pombo arrulha e chama
Lá das faias que há nos campos vastos.
O girassol galhardo, leonino,
Pende do caule, negro e sem semente,
E, ao vento, no caminho do jardim,
As folhas mortas tombam tenazmente.
Folhas de alfena brancas como leite,
Sopra-as a brisa, empurra-as para a neve;
Como seda que em trapos foi desfeita
As rubras rosas jazem sobre a relva.
II
La Mer
Pelas enxárcias paira branca bruma:
A lua, olho feroz de um leão,
Brilha selvagem neste céu de chumbo
Sob uma juba de douradas nuvens.
Ao leme, o piloto embuçado
É uma sombra apenas na penumbra;
E na casa das máquinas que pulsam
Polidos cabos de aço longos pulam.
Há traços da tormenta escorraçada
Nesta enorme ogiva soluçante,
E os finos fios louros da espuma
Nas ondas são de renda desmanchada.
.
Impression
I
Le Jardin
The lily’s withered chalice falls
Around its rod of dusty gold,
And from the beech-trees on the wold
The last wood-pigeon coos and calls.
The gaudy leonine sunflower
Hangs black and barren on its stalk,
And down the windy garden walk
The dead leaves scatter,–hour by hour.
Pale privet-petals white as milk
Are blown into a snowy mass:
The roses lie upon the grass
Like little shreds of crimson silk.
II
La Mer
A white mist drifts across the shrouds,
A wild moon in this wintry sky
Gleams like an angry lion’s eye
Out of a mane of tawny clouds.
The muffled steersman at the wheel
Is but a shadow in the gloom;–
And in the throbbing engine-room
Leap the long rods of polished steel.
The shattered storm has left its trace
Upon this huge and heaving dome,
For the thin threads of yellow foam
Float on the waves like ravelled lace.
– Oscar Wilde, em “Poemas, de Oscar Wilde”. [tradução, posfácio e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.
§
Sinfonia em amarelo
Como amarela borboleta
Cruza a ponte a diligência;
Um transeunte, intermitente,
Surge tal mosca inquieta.
Contra o molhe se arremessam
As lanchas de feno amarelo,
E a bruma vela o cais, um selo
Ou lenço amarelo de seda.
Amarelas, folhas fanadas
Caem dos olmos de Temple;
Verde, a meus pés, jaz o Tamisa
Tal vara de jade estriada.
.
Symphony in yellow
An omnibus across the bridge
Crawls like a yellow butterfly,
And, here and there, a passer-by
Shows like a little restless midge.
Big barges full of yellow hay
Are moored against the shadowy wharf,
And, like a yellow silken scarf,
The thick fog hangs along the quay.
The yellow leaves begin to fade
And flutter from the Temple elms,
And at my feet the pale green Thames
Lies like a rod of rippled jade.
– Oscar Wilde, em “Poemas, de Oscar Wilde”. [tradução, posfácio e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.
§
Flor de amor
Não te culpo, amor, foi por culpa minha, que se não fora feito de barro vulgar
Eu escalava aos penhascos por pisar, e ao mais largo dia, ao mais puro ar.
Do centro louco da paixão defunta, eu tocava a mais melódica cantiga,
Acendia a luz mais clara, mais livre liberdade, e degolava a hidra antiga.
Fosse-me a boca dada ao campo pelos beijos, ao invés de a ter ferida,
Andavas tu junto dos Anjos e de Bice sobre relva de esmalte enverdecida.
Eu trilhava o trilho que Dante trilhou, vendo brilhar os Sóis de sete aros finos,
Sim! talvez por sorte visse os céus se abrir, como se abriram ante o florentino.
E os reinos me dariam uma coroa, que ninguém me dá agora, ninguém sequer me chama,
E, pela alba de Oriente, prostrar-me-ia no umbral do Palácio da Fama.
E sentava-me no círculo de mármore, onde priva com o velho o jovem bardo,
E a flauta verde eternamente mel, e eternamente tangem as cordas da harpa.
Teria Keats erguido os cabelos anelados, no enlevo das papoilas do licor,
Beijado-me com boca de ambrósia, estreitado minha mão com nobre amor,
E quando, na Primavera, a macieira em flor toca o seio brunido duma pomba,
Um par de namorados novos num pomar leria o nosso amor à sua sombra.
Leria a lenda de minha paixão, o amaro segredo de meu coração,
Beijar-se-ia como nos beijámos, mas não seria sua esta nossa cisão.
Porque a vermelha flor de nossa vida é comida pelo cancro da verdade,
E nenhuma mão recolhe as folhas soltas, murchas, da rosa da mocidade.
Contudo não lamento ter-te amado – que mais teria eu feito, um rapaz!
Pois os dentes famintos do tempo devoram, e seguem os passos dos anos atrás.
Sem leme, vogamos na tempestade; e, após a tormenta dos anos primeiros,
Vem por fim, sem lira, ou coro, a Morte, esse mudo timoneiro.
E não nos guarda a campa nenhum prazer, o licranço na raiz se fortifica,
E o Desejo em cinzas se parte, e o lenho da Paixão não frutifica.
Ah! que mais poderia eu senão amar-te! menos doce me era a mãe do Salvador,
Menos doce a Citereia, tal argentino lírio sobre as ondas de esplendor.
Escolhi, vivi os meus poemas, e embora o lustre jovem morra embaciado,
Mais queria a flor da murta do amor do que os louros ao poeta destinados.
.
Flower of love
Sweet, I blame you not, for mine the fault was, had I not been made of common clay
I had climbed the higher heights unclimbed yet, seen the fuller air, the larger day.
From the wildness of my wasted passion I had struck a better, clearer song,
Lit some lighter light of freer freedom, battled with some Hydra-headed wrong.
Had my lips been smitten into music by the kisses that but made them bleed,
You had walked with Bice and the angels on that verdant and enamelled meed.
I had trod the road which Dante treading saw the suns of seven circles shine,
Ay! perchance had seen the heavens opening, as they opened to the Florentine.
And the mighty nations would have crowned me, who am crownless now and without name,
And some orient dawn had found me kneeling on the threshold of the House of Fame.
I had sat within that marble circle where the oldest bard is as the young,
And the pipe is ever dropping honey, and the lyre’s strings are ever strung.
Keats had lifted up his hymeneal curls from out the poppy-seeded wine,
With ambrosial mouth had kissed my forehead, clasped the hand of noble love in mine.
And at springtide, when the apple-blossoms brush the burnished bosom of the dove,
Two young lovers lying in an orchard would have read the story of our love;
Would have read the legend of my passion, known the bitter secret of my heart,
Kissed as we have kissed, but never parted as we two are fated now to part.
For the crimson flower of our life is eaten by the cankerworm of truth,
And no hand can gather up the fallen withered petals of the rose of youth.
Yet I am not sorry that I loved you -ah! what else had I a boy to do? –
For the hungry teeth of time devour, and the silent-footed years pursue.
Rudderless, we drift athwart a tempest, and when once the storm of youth is past,
Without lyre, without lute or chorus, Death the silent pilot comes at last.
And within the grave there is no pleasure, for the blindworm battens on the root,
And Desire shudders into ashes, and the tree of Passion bears no fruit.
Ah! what else had I to do but love you? God’s own mother was less dear to me,
And less dear the Cytheraean rising like an argent lily from the sea.
I have made my choice, have lived my poems, and, though youth is gone in wasted days,
I have found the lover’s crown of myrtle better than the poet’s crown of bays.
– Oscar Wilde, em “Poemas, de Oscar Wilde”. [tradução, posfácio e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.
***
BREVE BIOGRAFIA DO ESCRITOR IRLANDÊS OSCAR WILDE
Oscar Wilde (Oscar Fingall O’Flahertie Wills Wilde), um dos maiores escritores de língua inglesa do século 19, tornou-se célebre pela sua obra e pela sua personalidade. Sofisticado, inteligente, dândi, adepto do esteticismo (da “arte pela arte”), escreveu contos (“O Crime de Lord Arthur Saville”), teatro (“O Leque de Lady Windermere”), ensaios (“A alma do homem sob o socialismo”), e romances (“O Retrato de Dorian Gray”).
Oscar Wilde era filho de um médico, Sir William Wilde e de uma escritora, Jane Francesca Elgee, defensora do movimento da Independência Irlandesa. Desde criança Oscar Wilde esteve sempre rodeado por grandes intelectuais. Criado no protestantismo, destacou-se nos estudos das obras clássicas gregas e no conhecimento dos idiomas.
Em 1882, foi convidado para ir aos Estados Unidos para falar sobre o seu recém criado Movimento Estético, com as idéias de renovação moral. Defendia o “belo” como única solução contra tudo o que considerava maléfico à sociedade. Esse movimento visava transformar o tradicionalismo na época vitoriana, dando um tom de vanguarda às artes.
No ano seguinte foi para Paris, e, em contato com o mundo literário francês, seu movimento acabou por se enfraquecer. Em seguida, retornou para a Inglaterra, onde se casou com Constance Lloyd e foi morar em Chelsea, um bairro de artistas. O casal teve dois filhos, mas mesmo após o casamento, Oscar continuou frequentando todas as rodas literárias, espalhando glamour e comentários nos eventos sociais em que comparecia, sempre elegante e extravagante.
Em 1880 lançou “Vera”, um texto teatral bem sucedido. Chegou a ter três peças em cartaz simultaneamente nos teatros ingleses.Em seguida publicou uma coletânea de poemas. Em 1887 e 1888, seu período mais produtivo, lançou vários contos e novelas, como “O Príncipe Feliz”, “O Fantasma de Canterville” e outras histórias.
Em 1891, lançou sua obra prima, “O Retrato de Dorian Gray”, que retrata a decadência moral humana. No entanto, no seu apogeu literário, começaram a surgir os problemas pessoais. O que antes eram boatos quanto a uma suposta vida irregular, passaram a se concretizar, dando início à decadência pessoal do escritor. Apareceram rumores sobre sua homossexualidade, (severamente condenada por lei na Inglaterra), que não puderam mais serem negados. Oscar se envolveu com Lord Alfred Douglas (ou Bosie), filho do Marquês de Queensberry, que sabendo do relacionamento, enviou uma carta a Oscar Wilde, no Albermale Club, onde o ofendia e recriminava já no sobrescrito: “A Oscar Wilde, conhecido Sodomita”.
O escritor decidiu processar o Marquês por difamação. Depois tentou desistir do processo, mas era tarde demais e as provas da sua vida sexual desregrada começam a aparecer. Um novo processo contra ele foi instaurado. Sua fama começou a desmoronar. Suas obras e livros foram recolhidos e suas comédias retiradas de cartaz. O que lhe restava foi leiloado para as despesas do processo judicial. Acabou passando dois anos na prisão, que lhe renderam obras comoventes como “A Balada do Cárcere de Reading” (1898) e “De Profundis”, uma longa carta ao Lord Douglas.
Ao sair da prisão, retirou-se para Paris, onde adotou o pseudônimo de Sebastian Melmouth e onde passou o resto dos seus dias, em hotéis baratos, embriagando-se com absinto.
:: Fonte: Educação/Uol.
Poesia e baladas em português de Oscar Wilde (algumas obras)
:: A Ballada do enforcado. Oscar Wilde. [tradução de Elysio de Carvalho]. Rio de janeiro: Typografia Aldina, 1899.
:: A balada do cárcere de Reading. Oscar Wilde. [tradução Paulo Vizzioli]. São Paulo: Nova Alexandria, 1997.
:: Poemas, de Oscar Wilde. [tradução, pósfácio e notas de Margarida Vale de Gato]. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.
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A balada do cárcere de Reading – Oscar Wilde
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