sexta-feira, dezembro 20, 2024

Para poder escrever, com amor – Patrick Gert Bange

Você sabia que Derrida tinha graves crises de depressão? E que ficava frustrado porque corrigir trabalhos de alunos lhe roubava muito tempo? Eu não sabia, uma amiga me contou. E que Lacan tinha um ego do tamanho do mundo, a ponto de dizer pro Derrida, quando se encontraram, “eu já escrevi tudo que você escreveu”, ou algo assim, ao que Derrida respondeu “azar o seu”? E que o mesmo Lacan tocou o rosto de uma paciente e inscreveu nisso um “geste à peau”, desgrudando um significado terrível do significante “Gestapo”? Uma brecha de vida no meio do oco do trauma. Gesto de amor. Eu não sabia, ouvi numa aula. E que em algumas semanas vai ter um evento inteiro pra repensar o Derrida, e que muitos participantes estão com medo, perdendo o sono, travados, com seus mestrados, doutorados, pós-doutorados? Você já ouviu do problema de Kafka com o pai? E que Benjamin pensou não haver saída, em 1932, e se isolou num quarto em Nice, escreveu quatro cartas de despedida no mesmo dia, certo de que poria fim à vida? Eu não sabia. Mas mudou de ideia – por quê? E que Benjamin também tinha problemas pra administrar sua vida financeira e dificuldades de se aproximar de mulheres? E que Proust, ciumento à beça, levou um baita pé na bunda e inscreveu isso pelo menos em torno de três volumes da Recherche? Parece fofoca, né? Pode ser. Mas são também as pessoas, pelo menos seus rastros, pessoas de carne e osso, angústia, dúvida e medo e orgulho. E amor e alegria e coragem. Também escrevem mancando. Também estão perdidos. Mas seguem suportando, em companhia disso. E deixaram pra gente, como herança estranha, o que puderam fazer disso tudo. Certamente os textos ultrapassam, mas não se escrevem sem “isso”. É sempre um corpo pequeno que opera a escrita. E Clarice, meu amor maior: “Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu”. Por amor, com o fracasso e pela ética de seguir, vamos, sim, vamos de mãos dadas?

– Patrick Gert Bange, Mestrando em Teoria Literária pela UFRJ, onde se formou em Letras – (Português/Literaturas). Crônica inédita enviada pelo autor para publicação na Revista Prosa, Verso e Arte.


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