XXI
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…
7-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa).. [Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor]. Lisboa: Ática, 1946. – 45.
Veja aqui belo vídeo com Pedro Lamares recitando ‘Se eu pudesse trincar a terra toda’
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