Paráfrase de Ronsard
Foi para vós que ontem colhi, senhora,
Este ramo de flores que ora envio.
Não o houvesse colhido e o vento e o frio
Tê-las-iam crestado antes da aurora.
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Meditai nesse exemplo, que se agora
Não sei mais do que o vosso outro macio
Rosto nem boca de melhor feitio,
A tudo a idade enfeia sem demora.
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Senhora, o tempo foge… o tempo foge…
Com pouco morreremos e amanhã
Já não seremos o que somos hoje…
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Porque é que o vosso coração hesita?
O tempo foge… A vida é breve e é vã …
Por isso, amai-me… enquanto sois bonita.
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Je vous envoie un bouquet…
Je vous envoie un bouquet que ma main
Vient de trier de ces fleurs épanies;
Qui ne les eût à ce vêpre cueillies
Chutes à terre elles fussent demain.
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Cela vous soit un exemple certain
Que vos beautés bien qu’elles soient fleuries
En peu de temps cherront toutes flétries
Et comme fleurs périront tout soudain.
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Le temps s’en va, le temps s’en va, ma Dame,
Las ! le temps non, mais nous, nous en allons,
Et tôt serons étendus sous la lame;
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Et des amours desquelles nous parlons,
Quand serons morts, n’en sera plus nouvelle;
Pour ce, aimez-moi cependant qu’êtes belle.
– Pierre de Ronsard [tradução Manuel Bandeira]. in: Estrela da vida inteira: poesias reunidas e poemas traduzidos. de Manuel Bandeira. 11ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1986, p. 25-26.
§
Quando fores bem velha
Quando fores bem velha, à noite, á luz da vela
Junto ao fogo do lar, dobando o fio e fiando,
Dirás, ao recitar meus versos e pasmando:
Ronsard me celebrou no tempo em que fui bela.
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E entre as servas então não há de haver aquela
Que, já sob o labor do dia dormitando,
Se o meu nome escutar não vá logo acordando
E abençoando o esplendor que o teu nome revela.
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Sob a terra eu irei, fantasma silencioso,
Entre as sombras sem fim procurando repouso:
E em tua casa irás, velhinha combalida,
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Chorando o meu amor e o teu cruel desdém.
Vive sem esperar pelo dia que vem;
Colhe hoje, desde já, colhe as rosas da vida.
– Pierre de Ronsard [tradução de Guilherme de Almeida]. in: Antologia de poetas franceses: do século XV ao século XX. [organização R. Magalhães Junior; vários tradutores]. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.
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Quando fôres bem velha…
Quando fôres bem velha, à noite junto à vela,
Sentada ao pé do fogo, enovelando e fiando,
Dirás, cantando os versos meus e te enlevando:
“Ronsard me celebrava ao tempo em que era bela”.
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Então nem haverá, ouvindo o recital,
Serva, ao fim do trabalho e semi-sonolenta,
Que, com som do meu nome, não desperte atenta
A saudar o teu nome em louvor imortal.
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Estarei sob a terra e, fantasma sem osso,
Pelas sombras dos mirtos terei meu repouso;
Tu serás à lareira uma anciã encolhida
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Chorando o meu amor e o teu fero desdém.
Se me crês, não espere o amanhã também:
Vive, colhe desde hoje as rosas desta vida.
– Pierre de Ronsard. [tradução José Lino Grünewald]. Tradução acompanhada de comentário. Artigo publicado no jornal Correio da Manhã em 19 de outubro de 1968.
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Sonnets pour Hélène
Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,
Assise auprès du feu, dévidant et filant,
Direz chantant mes vers, en vous émerveillant:
«Ronsard me célébrait du temps que j’étais belle.»
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Lors vous n’aurez servante oyant telle nouvelle,
Déjà sous le labeur à demi sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s’aille réveillant,
Bénissant votre nom, de louange immortelle.
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Je serai sous la terre et, fantôme sans os,
Par les ombres myrteux je prendrai mon repos;
Vous serez au foyer une vieille accroupie,
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Regrettant mon amour et votre fier dédain.
Vivez, si m’en croyez, n’attendez à demain:
Cueillez dès aujourd’hui les roses de la vie.
– Pierre de Ronsard. “Poèmes pour Hélène”. In: ALLEM, Maurice. Anthologie poétique française: XVI siècle. Paris: Garnier-Flammarion, 1965.
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BREVE BIOGRAFIA
Pierre de Ronsard nasceu em 1524 e morreu em 1585. Renascentista, é quem melhor representa o grupo que se formou sob o nome de ‘La Pléiade’, de grande importância na renovação da literatura francesa. Seu objetivo era enriquecer a língua francesa e fazer dela a língua da poesia, em substituição ao latim.
De origem nobre, Ronsard foi considerado “o poeta dos príncipes e o príncipe dos poetas”, ainda em vida. Gozou de grande prestígio até o fim do século XVII. Depois foi deixado na obscuridade por quase dois séculos. Pouco a pouco, no entanto, do final do século XIX em diante, seu importantíssimo papel foi sendo reconhecido; já no século XX, com o aval de André Gide, Pierre de Ronsard retoma seu lugar de destaque e tem seu valor proclamado: seus sonetos vêm sendo estudados por gerações e gerações de estudantes nos liceus franceses.