Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
– Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 1946), em ‘Antologia Poética’.
Ouça “Poema de Natal”, de Vinicius de Moraes, na belíssima interpretação de Camila Morgado e Ricardo Blat. Trecho extraído do filme de Miguel Faria Jr.
“De repente o sol raiou
E o galo cocoricou:
– Cristo nasceu!”
– Vinicius de Moraes
Natal
De repente o sol raiou
E o galo cocoricou:
– Cristo nasceu!
O boi, no campo perdido
Soltou um longo mugido:
– Aonde? Aonde?
Com seu balido tremido
Ligeiro diz o cordeiro:
– Em Belém! Em Belém!
Eis senão quando, num zurro
Se ouve a risada do burro:
– Foi sim que eu estava lá!
E o papagaio que é gira
Pôs-se a falar: – É mentira!
Os bichos de pena, em bando
Reclamaram protestando.
O pombal todo arrulhava:
– Cruz credo! Cruz credo!
Brava
A arara a gritar começa:
– Mentira? Arara. Ora essa!
– Cristo nasceu! – canta o galo.
– Aonde? – pergunta o boi.
– Num estábulo! – o cavalo
Contente rincha onde foi.
Bale o cordeiro também:
– Em Belém! Mé! Em Belém
E os bichos todos pegaram
O papagaio caturra
E de raiva lhe aplicaram
Uma grandíssima surra.
(Rio de Janeiro, 1962)
– Vinicius de Moraes
Saiba mais sobre Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes – a última entrevista
Vinicius de Moraes – entrevistado por Clarice Lispector
Vinicius de Moraes – o poeta não tem fim
Vinicius de Moraes – o poetinha
Vinicius de Moraes (poemas e crônicas neste site)