Geralmente costumo escrever análises sobre cultura pop e filosofia, me distanciando de textos com um teor mais passional ou de cunho pessoal. Mas hoje, dia 8 de março, decidi fazer diferente. É necessário.
Tendo o privilégio de publicar na revista nesta data de simbolismo fundamental, escolhi escrever um apelo nesta coluna. Pensando em toda e qualquer menina ou mulher que estiver lendo isso: por favor, não se cale.
Não se cale nem deixe de contra argumentar quando te falarem que você não é boa o suficiente. Não cale sua revolta ao se sentir diminuída em detrimento de um homem. Não se cale e não aceite quando tentarem lhe dar títulos, papéis e funções diferentes das que você escolheu. Não se cale quando tentarem impor ao seu corpo o rótulo e definição que você não concorda. Não se cale quando tentarem controlar seu corpo e como você cuida dele em seu lugar. Ele é só seu, lute por ele, imponha seu poder sobre ele em face dos que tentarem te alimentar com inseguranças e assertivas genéricas. Quase sempre estão carregadas de preconceitos.
Não se cale quando te aconselharem a agir contra o que você queria, com a falsa justificativa de não ser apropriado para o seu gênero. Não se cale, resista ao tentarem te sugestionar a seguir estes mesmos estereótipos de gênero. Não se cale quando tentarem lhe convencer de que você não pode se amar. O amor próprio é um ato de rebeldia e defesa da liberdade, dentro de uma sociedade que tenta controlar mentes e corpos.
Não se cale – e discorde, se posicione – se quiserem te influenciar a cumprir a função materna, caso esta não seja uma aspiração sua. E, ao contrário: não se cale, também, se você quiser ser mãe, e duvidarem ou criticarem a maneira como gerencia sua família e cuida de seus filhos.
Não se cale quando demandarem que você tenha um tipo pré-estabelecido de relacionamento, apontado por qualquer um que não você mesma e seu(sua) companheiro(a). Não se cale ao desaprovarem sua sexualidade e a maneira como escolhe usufrui-la e vive-la em plenitude. Não se cale, defenda-se, se tentarem lhe ofender por saber sentir prazer. Por desfrutá-lo da maneira que te agrada. Não cale seus desejos nem suas pulsões.
Não se cale e não acolha as sugestões de quem tentar te fazer competir com outra mulher. Diminuir a força e a qualidade do vínculo que podemos tecer entre nós é uma das formas mais antigas de dominação. Um corpo conjunto de mulheres unidas não é tão simples de calar quanto vozes esparsas e desconfiadas umas das outras. Portanto, não se permita essa desunião que apenas te prejudica, e machuca todas nós.
Não se cale quando questionarem sua independência, sua inteligência, sua história e seus feitos. Não se cale se duvidarem da sua capacidade. Não se cale se te chamarem de louca pela sua liberdade — ou, melhor dizendo, constante busca de liberdade — de pensamento. A sua autoestima, consciência e força ameaçam os privilégios alheios desta sociedade patriarcal. Subverter padrões é subverter a ordem.
Não se cale se um homem tentar lhe orientar como viver. Ele não sabe, ele não pode saber o que é ser quem você é. As experiências não são universais, e certamente alguém que não enfrentou a carga de dominação atribuída a um gênero específico não pode também entender na pele o que enfrentamos. Não temos as mesmas cicatrizes e feridas.
Não se cale nem permita que silenciem as vozes que bradaram alto, insubordinadas, antes da sua. Os sons de revolta de todas as mulheres que se dedicaram para que nossas demandas não fossem abolidas, em prol dos nossos avanços na luta por igualdade de gêneros.
Se mantemos hoje as nossas vozes, isso é devido à obra delas, e é nossa responsabilidade recordá-las. Temos de lembrar tanto dos gritos das que queimaram em fábricas ou fogueiras, quanto dos clamores que tiveram um destino menos implacável, e mudaram as estruturas da sociedade. As vozes que conseguiram com muito labor os nossos direitos civis e políticos. Todas essas vozes, afortunadas ou injustiçadas, se propagam juntas em um só tom, ecoando na mesma direção.
Em suma, termino meu apelo com essa máxima que comecei: não se cale. Responda sempre com orgulho e asserção. Você é o que escolheu ser, tornou-se o que você é por não se deixar silenciar. Nenhum silêncio inquieto é bem-vindo, quando apenas nos inspira amargor e sujeição.
Não se esqueça: o mundo vai tentar te fazer perder a voz, engoli-la e deixa-la presa na garganta, te rasgando por dentro, até te fazer esquecer de como você fazia para usá-la. Ele quer te apagar em toda e qualquer chance fulgurante que você tiver de desafiar a obediência violenta a que somos submetidas, muitas vezes escondida num próprio silêncio sobre ela mesma. Querem sua mudez, sua submissão e a sua entrega completa. Querem que você desista e assuma a sujeição que tentam lhe imbuir diariamente.
Não permita. Não ceda. Não se deixe dobrar.
Por favor, não se calem jamais.
* Clarice Lippmann, colunista da Revista Prosa, Verso e Arte. Formada em Direito pela PUC-Rio e estudante entusiasta de Filosofia.
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