Uma viagem pela intimidade de Gabriel García Márquez
Universidade do Texas digitaliza o arquivo do Nobel colombiano e coloca dezenas de milhares de manuscritos, fotografias e outros documentos à disposição na Internet
– por Pablo Ximénez de Sandoval*
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O General em seu Labirinto. Sétima versão datilografada. Página 38. “(…) A pressa sem coração do relógio hexagonal desenfreado para um encontro inelutável depois de amanhã, à uma hora e doze minutos da sua tarde final.” Não, hexagonal, não; o relógio é octogonal. E tampouco a hora fatal seria 13h12, e sim 13h07. Depois de amanhã virou 17 de dezembro na edição publicada. São correções à mão de Gabriel García Márquez sobre seu próprio manuscrito. Milhares de páginas como esta enchiam o arquivo pessoal do escritor que foi adquirido pela Universidade do Texas há três anos, depois da sua morte. Desde a última segunda-feira, as dúvidas mais íntimas de García Márquez sobre seus próprios textos estão acessíveis online para fãs e pesquisadores.
O arquivo digitalizado* abrange mais de 27.000 imagens de papéis e fotografias. “Minha mãe, meu irmão e eu sempre tivemos o compromisso de que o arquivo do meu pai chegasse a um público o mais amplo possível”, disse Rodrigo García, filho do escritor, num comunicado da instituição. “Este projeto permite um acesso ainda maior ao trabalho de meu pai, inclusive para a comunidade global de estudantes e pesquisadores.” Essa digitalização – ainda mais em se tratando de um autor contemporâneo desse nível – é uma joia rara para estudiosos da literatura, já que dá acesso universal a segredos de edição das obras-primas de García Márquez que só ele conhecia.
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O projeto permite a busca por palavra-chave nos papéis que haviam ficado guardados nas gavetas do autor. Mas não só. O arquivo inclui uma ferramenta chamada mirante, em que é possível cotejar diferentes versões dos manuscritos. Ou seja, ler o livro inteiro em diferentes versões, uma ao lado da outra, e ver como sua construção evoluiu parágrafo a parágrafo. Podem ser consultados 134 esboços de romances. Entre as obras digitalizadas estão as 10 versões que fez da sua última obra, En Agosto nos Vemos, que nunca chegou a considerar pronta para publicar.
Os materiais pertencem a livros protegidos por direitos autorais. A diretora de coleções digitais do Harry Ransom Center, Liz Gushee, conta no mesmo comunicado que tudo foi feito “com prévia autorização dos titulares dos direitos”. “O apoio da família de García Márquez tornou possível este importante projeto”, dizem os responsáveis pela iniciativa, que destacam as novas ferramentas digitais para procurar e comparar documentos on-line.
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Entre os papéis pessoais também estão digitalizados 22 cadernos em que o escritor colecionava críticas, comentários sobre suas obras e entrevistas à imprensa. As 310 fotos pessoais publicadas incluem personagens como Fidel Castro, mas também fotos de sua infância ou de seus avós, até todos os passaportes expirados que guardou. As descrições podem ser procuradas em inglês e espanhol. A classificação dos materiais em castelhano contou com a ajuda do centro de estudos latino-americanos Benson, da Universidade do Texas.
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Gabriel García Márquez, prêmio Nobel de Literatura de 1982, morreu em abril de 2014, aos 87 anos. Seus filhos passaram um ano negociando a venda de seu arquivo pessoal ao prestigioso Harry Ransom Center, uma instituição ímpar, onde acabaram sendo depositados os acervos de James Joyce, Jorge Luis Borges, Ernest Hemingway e Samuel Beckett. Depois do meio século colecionando, o HRC possui mais de 40 milhões de documentos, incluindo mais de 80.000 imagens que podem ser vistas via Internet.
O objetivo era a proteção dos documentos, cadernos e fotos que García Márquez guardou, mas o acesso público sempre foi o objetivo final. “Adquirimos o acervo para torná-lo acessível”, disse o diretor da instituição, Stephen Ennis, ao EL PAÍS na época da aquisição. Esta foi a primeira vez que o HRC adquiriu o arquivo completo de um escritor latino-americano contemporâneo, num esforço da Universidade do Texas em Austin para se situar não só como uma referência da literatura em inglês, mas também como um centro de estudos voltado para a América Latina.
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O arquivo foi adquirido por 2,2 milhões de dólares (7,3 milhões de reais, pelo câmbio atual) e chegou a Austin em novembro de 2014. Tudo o que Gabo guardava na sua casa do México ocupava 20 caixas de papelão, incluindo três computadores pessoais. Antes de um ano, os arquivistas já haviam classificado o material em 78 caixas de documentos, 43 álbuns de fotos e 22 cadernos de recortes e notas. Em outubro de 2015, o arquivo foi aberto a pesquisadores na sede do Harry Ransom Center em Austin, que recebe 10.000 estudantes por ano. A partir da última segunda-feira, pela primeira vez, qualquer pessoa conectada à Internet também pode abrir as gavetas do escritório de Gabriel García Márquez e ler seus papéis, suas anotações, suas mudanças e arrependimentos em obras magistrais, e bisbilhotar as fotos pessoais que guardou com ele por toda a vida.
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* Arquivo digitalizado
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*Originalmente publicado no site El País Brasil.
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**Mais sobre Gabriel García Marques e sua obra. AQUI!
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