Com quase 20 anos de uma carreira consolidada por parcerias de sucesso, o cantor e compositor Renato Frazão lançou seu primeiro álbum solo, Quarto Mundo, em novembro de 2023. O disco tem participação especial de Xangai, Quarteto Maogani e Ilessi e está disponível em todas as plataformas digitais. O álbum propõe uma reflexão sobre o Brasil, sua cultura, história e seu povo. Ao longo de suas 7 faixas explora temas como memória, imaginação, a Terra, o passado e futuro da humanidade.
Quarto Mundo
O álbum Quarto Mundo passeia por um repertório intimamente ligado às tradições da música popular brasileira, com especial destaque aos gêneros nordestinos. A música “Saudação”, que abre o disco, em dueto com Xangai, é uma carta de intenções, celebrando os grandes mestres nordestinos que são parte fundamental da formação musical de Frazão.
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O repertório que se segue é um passeio pelo tempo dilatado – seja por caminhos remotos como em “Galope à Deriva”, que nos transporta para dentro do oceano durante as navegações portuguesas, seja pelo tempo presente ao tentar adivinhar o futuro pós-pandêmico em “O Dia de Amanhã”.
E assim o álbum vai se costurando sob a sombra de um “Quarto Mundo” dialético ainda em formação, se reconhecendo no passado para mirar no futuro.
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“A Roça de Teresa”, feita a partir do depoimento de Maria Teresa Bento da Silva, filha de escravizados, dá voz a um Brasil marginalizado e ancestral que nos constitui, enquanto “Os Velhos” festeja a fronteira tênue que separa memória e invenção.
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“Terraplanta”, provocada pelo pensamento selvagem de Ailton Krenak, apontando a urgência de nos reintegrarmos com a Terra, ao mesmo tempo testemunha e personagem ativa de todas as histórias tecidas com a linha do tempo.
QUARTO MUNDO de Renato Frazão
por Hugo Sukman
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Não é de se estranhar que logo nos primeiros versos de “Saudação”, baião tão simples como épico que abre este seu primeiro disco solo, o cantor e compositor Renato Frazão peça “licença”. E que use a palavra “chegança”, a mesma que, por exemplo, Edu Lobo lançou mão quando se apresentou ao público, 60 anos atrás. Questão de linhagem, não de pretensão. De modéstia orgulhosa diante da imensa tradição que o antecede, por isso a licença aos grandes do Nordeste, sim, “Capiba, Sivuca”, mas também a “Xangai, o Quinteto Armorial”. Se celebra os astros pop “Elba, Geraldo, Alceu, de norte a sul, Dominguinhos”, também canta “Jessier e Vital”. E Ary Lobo, Zabé da Loca, Otacílio Batista, o Pessoal do Ceará, na mesma medida de João Cabral, Rosa e Gonzaga. É que, como disse Chico Buarque, do Gilberto Gil inicial, podemos repetir sobre Frazão: “é difícil separar o baião de seu peito, visto que dançam tão juntos”. “Cego Aderaldo vendo a luz no breu/É o Nordeste no peito meu”, corrobora Frazão em “Saudação”.
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Me perdoem o excesso de referências, mas é que embora já tenha estrada longa – “E que seja essa trova estrada boa para os pés”, canta, a propósito, também em “Saudação” – Renato Frazão é essencialmente um compositor, logo, uma figura até aqui de bastidores. É preciso, portanto, apresentá-lo. E este seu primeiro álbum, “Quarto mundo”, é isso antes de tudo, uma apresentação.
Para quem não une o nome à pessoa, Frazão é, por exemplo, autor de “Bendegó”, uma das canções brasileiras mais importantes dos últimos tempos, que escreveu com a pianista Claudia Castelo Branco e foi lançada nos anos da pandemia pela cantora e violonista Luísa Lacerda, tendo como inspiração para traduzir o Brasil contemporâneo o trágico incêndio do Museu Nacional e sua sobrevivência (como a do país), simbolizada na “pedra que caiu do céu” em chamas no sertão de Bendegó e que sobreviveu mais uma vez ao fogo.
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Com 300 composições no currículo e 60 já gravadas, letrista extraordinário e muito bom cantor e violonista – em “Quarto Mundo”, por questão de excelência chamou outro violonista para tocar, o virtuose André Siqueira, mas todos os violões, me disse o próprio Siqueira, são criados por Frazão, inseparáveis da composição – Renato Frazão é oriundo do Coletivo Chama, de compositores da cena carioca. E, para ficar numa comparação (como sempre) imprecisa, mas algo reveladora, se daquele grupo um Thiago Amud fila-se mais à vanguarda de um Caetano, um Guinga, e à inspiração digamos dionisíaca, Frazão prossegue a tradição mais apolínea da canção brasileira, dos gêneros brasileiros, sem deixar de ser igualmente contemporâneo em forma e conteúdo.
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Com ares de obra-prima, a moda de viola “Quarto mundo”, que dá título ao álbum, representa bem essa relação contemporânea com a tradição. Escrita com o violonista, e neste caso violeiro, Diogo Sili (da atual formação do Quarteto Maogani), a música conceitua o disco – e talvez a obra de Frazão – tanto no conteúdo como na forma. Aí, também na coincidência do Gil inicial, o autor define-se como “mensageiro viramundo”, e diz de quem está do lado: “Falo a língua do universo/Farsi, criolo, quimbundo/Celta, sertanez e persa”. Assume-se em versos que qualquer cantador de feira assinaria – “O quarto mundo é a ilha/Onde fiz minha morada/Lá compus esta setilha/Maltrapilha e mal traçada/E se não gostou, desfaz/Vou-me embora, eu quero é mais/Ver a minha namorada” – como habitante do tal quarto mundo, porque os primeiro, segundo e terceiro não deram certo, são sem rima e solução. Na forma, o arranjo do parceiro Diogo Sili também de certa forma traduz o espírito da música de Frazão: é uma moda de viola, sim, tradicional mas com, literalmente, toques modernos do piano de Antonio Guerra, viola e piano, o jeito da tradição ser contemporânea e fazer jus mais do que à letra, ao rigoroso universo musical, poético e político proposto pelo compositor.
Autor prolífico, com a obra espalhada em discos coletivos como “Todo mundo é bom” (do Coletivo Chama) e em parceria como “Um sussurro na algazarra” (de 2018, com o próprio Diogo Sili) e “Cantiga do breu” (de 2019, com Luisa Lacerda), Frazão teve a sabedoria de em seu primeiro álbum solo ser sucinto – são apenas sete canções – e talvez por isso tão preciso. É tudo muito direto, muito forte, cada canção e a relação entre elas.
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Se já no baião “Saudação” ele pede licença, apresenta suas credenciais e situa sua música na tradição brasileira de influência nordestina – e conta com a participação de ninguém menos do que o próprio Xangai, abençoando-o com sua voz – em seguida Frazão apresenta a essência mesmo de “Quarto mundo”, uma reflexão musical sobre o Brasil, o passado e o futuro. Com sotaque lusitano, o “Galope à deriva” singra o Atlântico na melhor tradição de um “Fado tropical” ou “Os argonautas”, contando de forma épica – sem evitar belezas e violências – a história da invasão portuguesa no Brasil, o país transmutando-se no navio que nele aportou, “Brasil, bela nau, caravela à deriva/Cantando galope no meio do mar”. Arrepiante.
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Como arrepiante é a voz de Ilessi como que encarnando Maria Teresa Bento da Silva, autora de texto-depoimento de uma negra livre, filha de escravizada, que serve de base para a “A roça de Tereza”, a mesma história épica contada em “Galope à deriva”, só que agora do ponto de vista negro – a melodia linda e moderna de Frazão (e com arranjo grandioso de Pedro Araújo, com direito a cordas e percussão) modestamente a serviço da narrativa e das vozes negras, Maria Tereza e Ilessi, uma beleza contemporânea, de versos duros e importantíssimos sobre a conquista de direitos: “Eu era Ventre Livre/Queriam me bater, eu disse não!/Eu sou forra! Eu sou ventre livre!/Eu sou forra! Sou escrava não!”.
Completando uma espécie de trilogia da formação brasileira, “Terra planta” assume um formato de mantra nordestino para se aproximar da cosmogonia e da visão dos povos originários, a partir das ideias e provocações do escritor Ailton Krenak, mas versos bem de Frazão e de canção popular: “A terra não é plana/A terra é planta/A terra não é plano/A terra canta/A terra não é pranto/A terra é tanta”.
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Depois de contar a história do Brasil de forma épica, como se fosse o seu oposto, mas na verdade seu complemento conceitual, a list song de versos curtos, inquisitivos e melodia cativante, “O dia de amanhã” (em parceria com seu colega de geração Marcelo Fedrá) tenta adivinhar o futuro do Brasil: “Será o big bang? Terá Maracanã? Gente pegando trem? Terá lugar na van? Será que vai dar pé? Seja o que Deus quiser/O dia de amanhã”.
Parceria com o bandolinista Luís Barcellos, “Os velhos” é uma canção que traduz o espírito do álbum: caipira e sofisticada (com direito a arranjo do Quarteto Maogani!), conta a história ao mesmo tempo épica e íntima de quatro velhos em volta de uma mesa de bar brasileiro, em versos que definem toda essa coisa aqui, “que a memória é uma proeza/ De lembrança e de invenção”, ou “os bordados de incerteza/ Nos panos da confusão”, versos de quem sabe escrevê-los e, mais do que isso, achou sua própria linguagem.
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Se é verdade que o que caracteriza a canção brasileira é sua intensa qualidade musical e poética por um lado – melodias, harmonias, diversidade rítmica e letras – e sua relevância social por outro, o cantor e compositor Renato Frazão faz, sem qualquer sombra de dúvida, parte dessa tradição. Em sete poucas faixas – ponta de lança de obra já imensa – já se percebe isso à primeira vista.
— Hugo Sukman, novembro de 2023 —
DISCO ‘QUARTO MUNDO’ • Renato Frazão • Selo Celacanto • 2023
Canções / compositores
1. Saudação (Renato Frazão) | Feat. Xangai
2. Galope à deriva (Renato Frazão)
3. O dia de amanhã (Marcelo Fedrá e Renato Frazão)
4. Terraplanta (Renato Frazão)
5. Os velhos (Luís Barcelos e Renato Frazão) | Feat. quarteto Maogani
6. A roça de Teresa (Renato Frazão e Maria Teresa Bento da Silva) | Feat. Ilessi
7. Quarto mundo (Diogo Sili e Renato Frazão)
– ficha técnica –
Renato Frazão (voz – fx. 1-7) | Xangai (voz – fx. 1) | Ilessi (voz – fx. 6) | Diogo Sili (viola caipira – fx. 1; viola – fx. 3, 6, 7; sanfona – fx. 1, 5; guitarra – fx. 1, 5) | André Siqueira (violão – fx. 1, 3, 5, 6) | Luisa Carvalho (pifes – fx. 1) | Julio Florindo (baixo – fx. 1, 2, 3, 5, 6) | Michel Nascimento (bateria – fx. 1, 2, 3, 5, 6) | Bóka Reis (percussão – fx. 1, 3, 5, 6) | Bernardo Aguiar (percussão – fx. 6) | Aderaldo Luciano (voz poema – fx. 1) | Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré (vozes incidentais – fx. 1) | Pedro Araújo (violão – fx. 2) | Luís Barcelos (bandolim fx. 2) | Rui Mário (sanfona – fx. 2) | Yuri Villa (flauta – fx. 2, 6) | Jon Paul Frapier (trompete – fx. 2) | Chris Ott (trombone – fx. 2) | Ayran Nicodemo (violino – fx. 2, 6) | Bruno Serroni (violoncelo – fx. 2, 6) | Quarteto Maogani: Paulo Aragão, Carlos Chaves, Marcos Alves e Diogo Sili (violões – fx. 4) | Antonio Guerra (piano – fx. 6. 7; sanfona – fx. 6) || Arranjos: Diogo Sili (fx. 1, 3, 5 e 7) / Pedro Araújo fx. 2 e 6) / Quarteto Maogani (fx. 4) | Coprodução e comunicação: Paulo Almeida | Gravação e mixagem: Daniel Sili / Estúdio Boca do Mato | Masterização: Steve Corrao / Sage Audio | Direção de arte e escultura: July Tilie | Fotografia: Polina Malinina | Arte de capa: Hugo Leo | Assessoria de imprensa: Mais e Melhores Produções Artísticas | Selo: Celacanto | Formato: CD / Digital | Ano: 2023 | Lançamento: 17 de novembro | ♪Ouça o álbum: clique aqui.
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>> Siga: @renatofrazao_
Cantautor
Renato Frazão é cantor, compositor e produtor musical. Autor de quase 300 canções, solo ou em parceria, das quais cerca de 60 estão gravadas. Atuou em mais de 20 produções teatrais como diretor musical e compositor. Lançou, com o grupo Escambo, os discos flúor (2009) – indicado ao 21º Prêmio da Música Brasileira – e Neon (2012).
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É fundador do Coletivo Chama com o qual realizou diversos projetos como o álbum “Todo Mundo É Bom”, Rádio Chama (Rádio Roquette Pinto 2011/2016) e Brazilian Explorative Music (NY, 2014).
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Em 2018 lançou “Um Sussurro na Algazarra” com canções em parceria com Diogo Sili.
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Em 2019, em parceria com Luisa Lacerda, lançou “Cantiga do Breu”, com participação especial da cantora Paula Santoro. Produziu e gravou o álbum “Cancioneiro do Vale das Flores”(2020), que conta com a participação de diversos cantores e instrumentistas, entre eles, Zé Renato e Claudio Nucci.
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Em 2022 lançou o single “Saudação” com participação de Xangai e do poeta Aderaldo Luciano.
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Canção / Disco.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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