LITERATURA

Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requerimentos de advogado… – Fernando Pessoa

01.03.1920

Ophelinha:
.
Para me mostrar o seu desprezo, ou, pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de um discurso tão comprido, nem da série de “razões” tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-mo. Assim, entendo da mesma maneira, mas dói-me mais.
.
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal? A Ophelinha pode preferir quem quiser: não tem obrigação — creio eu — de amar-me, nem, realmente necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
.
Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requerimentos de advogado. O amor não estuda tanto as coisas, nem trata os outros como réus que é preciso “entalar”.
.
Porque não é franca para comigo? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal — nem a si, nem a ninguém —, a quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lha venham acrescentar criando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça.
.
Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica disto tudo sou eu.
.
Eu-próprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se tivesse tempo para pensar em outra coisa que não fosse no sofrimento que tem prazer em causar-me sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio bem que amá-la não é razão bastante para o merecer. Enfim…
.
Aí fica o “documento escrito” que me pede. Reconhece a minha assinatura o tabelião Eugénio Silva.
.
Fernando Pessoa, no livro “Cartas de amor”. Nova Fronteira, 2011.

SOBRE O LIVRO
O livro reúne curiosas cartas de amor enviadas por Fernando Pessoa a Ophélia Queiroz. As cartas não vêm carregadas com arroubos de saudades – o que se espera de cartas de amor – porque Pessoa e Ophélia se viam quase todos os dias. Neste livro, o leitor vai ter acesso a autoanálises e sensações do escritor, a intromissões de Álvaro de Campos ― que não gostava de Ophélia ― e a um pouco da genialidade de Pessoa, um obsessivo criador.
.
FICHA TÉCNICA
Páginas: 112
Formato: 20.83 x 13.72 x 0.76 cm
Acabamento: Livro brochura
Lançamento: 01/08/2011
ISBN: 978-8520926796
Selo: Nova Fronteira
*Compre o livro. clique aqui.
**Como participante do Programa de Associados da Amazon, somos remuneradas pelas compras qualificadas efetuadas. Comprando pelo nosso link você colabora com o nosso trabalho.

Leia Fernando Pessoa: Fernando Pessoa (poemas e textos)

Revista Prosa Verso e Arte

Música - Literatura - Artes - Agenda cultural - Livros - Colunistas - Sociedade - Educação - Entrevistas

Recent Posts

O terror – uma crônica breve de Clarice Lispector

E havia luz demais para seus olhos. De repente um repuxão; ajeitavam-no, mas ele não…

3 dias ago

Memórias, um conto de Luis Fernando Verissimo

Estavam na casa de campo, ele e a mulher. Iam todos os fins de semana.…

3 dias ago

‘Não há sombra no espelho’ – um conto de Mario Benedetti

Não é a primeira vez que escrevo meu nome, Renato Valenzuela, e o vejo como…

3 dias ago

Negro Leo une desejo e tradição popular em novo álbum ‘Rela’

Um dos mais inventivos e prolíficos artistas de sua geração, cantor e compositor maranhense Negro…

3 dias ago

Guiga de Ogum lança álbum ‘Mundo Melhor’

Aos 82 anos, Guiga de Ogum, um dos grandes nomes do samba e da música…

3 dias ago

Espetáculo ‘A Farsa do Panelada’ encerra a temporada teatral no Teatro a Céu Aberto do Saquassu

“A Farsa do Panelada” com a missão de fazer o público rir através do texto…

3 dias ago