– por Margarita Rodriguez*
Quando a alemã Emmy Noether quis estudar matemática, as mulheres ainda eram proibidas de entrar na universidade.
Anos depois, quando conseguiu finalmente autorização para que pudesse dar aulas a estudantes universitários, não recebia salário.
Apesar disso, para Albert Einstein, “Emmy Noether foi o gênio matemático criativo mais importante que já existiu desde que as mulheres passaram a ter acesso à educação superior”.
Emmy é considerada a mãe da álgebra moderna, a partir de suas teorias sobre anéis e corpos, mas seu aporte às ciências não se restringe à matemática.
Seu trabalho é fundamental para entender a teoria da relatividade.
Mas tampouco se limita a ela.
Emmy é a chave para compreender todas as teorias da física.
“Ao conhecer a história dela, você se pergunta: ‘quais outras contribuições essa gênia matemática teria feito se todas as portas estivessem abertas para ela desde o primeiro dia?’, questiona à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Mayly Sánchez, professora de Física da Universidade do Estado de Iowa, nos Estados Unidos.
Sem salário
Emmy nasceu em 1882. Seu pai, o matemático Max Noether, ensinava na Universidade de Erlangen, na Baviera (Alemanha).
Segundo a direção da universidade, permitir o acesso a estudantes mulheres “acabaria com toda a ordem acadêmica”.
No entanto, dois anos depois, em 1903, Emmy foi uma das duas primeiras estudantes autorizadas a ingressar na universidade.
Mas ela não tinha os mesmos direitos que os outros alunos.
Emmy só podia participar das aulas como ouvinte e mesmo assim só se os professores lhe dessem uma autorização expressa.
Mas, quatro a nos depois, ela se formou em Matemática.
“Ela passou o ano seguinte estudando na Universidade de Goettingen”, conta Michael Lucibella, autor de uma biografia sobre Noether para a Sociedade Americana de Física (APS, na sigla em inglês. “Mas voltou a Erlangen quando a universidade finalmente revogou as restrições contra as estudantes. Em seguida, terminou sua dissertação sobre invariantes para as formas ternárias bi-quadráticas, em 1907”, explica.
No entanto, ainda que tenha passado a permitir o ingresso de mulheres, a universidade continuou proibindo-as de ter posições de destaque.
“Emmy ensinou em Erlangen por sete anos sem salário, em algumas ocasiões substituindo seu pai”, afirma Lucibella.
‘Somos uma universidade, não uma sauna’
Em 1915, o grande matemático alemão David Hilbert decidiu levá-la para a Universidade de Goettingen, mas Emmy não foi bem aceita pelos colegas do departamento de matemática.
“O que pensarão nossos soldados quando retornarem à universidade e souberem que vão aprender de uma mulher?”, afirmou na ocasião um professor do departamento.
Ao que Hilbert lhe respondeu: “Não vejo por que o sexo dos professores seja um argumento contra a sua admissão. Somos uma universidade, não uma sauna”.
Mesmo assim, Emmy teve de dar aulas usando o nome de Hilbert pelos quatro anos seguintes e sem nenhum salário.
Lucibella explica que Hilbert havia trazido Emmy para trabalhar com ele por seu conhecimento e sua experiência sobre a chamada teoria de invariantes.
Teorema de Noether
Emmy desenvolveu um teorema que é chave para entender a física das partículas na teoria quântica de campos.
Em outras palavras, “para compreender toda a física mais sofisticada”, disse à BBC Mundo Manuel Lozana Leyva, professor de Física Atômica e Nuclear da Universidade de Sevilla.
“Quando Einstein viu o trabalho de Emmy sobre as invariantes, escreveu a Hilbert: ‘Estou impressionado que essas coisas possam ser entendidas de uma maneira tão geral. A velha guarda de Goettingen deveria aprender com a Senhora Noether”, indica a biografia de APS.
‘Filhos de Noether’
Após o fim da Primeira Guerra Mundial, houve alguns avanços nos direitos das mulheres na Alemanha.
“Emmy recebeu um pequeno salário da Universidade de Goettingen em 1923”, assinala Lucibella. “No entanto, nunca lhe foi dado o cargo de professora titular”.
Naquela ocasião, os alunos de matemática passaram a ser conhecidos como os “meninos de Noether”.
Mas, com a ascensão do nazismo na Alemanha, Emmy teve de abandonar a vida acadêmica em seu país devido à entrada em vigor de uma lei que proibiu os judeus de exercerem cargos governamentais ou universitários, lembra Lucibella.
Emmy foi, assim, demitida de Goettingen.
“No começo, passou a receber os alunos em sua casa, mas foi finalmente forçada a abandonar a Alemanha, junto a muitos outros acadêmicos judeus”, acrescenta o especialista.
Emmy acabou imigrando para os Estados Unidos, onde continuou a exercer o magistério no Colégio Bryn Mawr de Princeton e no Instituto de Estudos Avançados daquela cidade.
Em 1935, descobriu um tumor na pélvis em um exame de rotina. Foi operada, e apesar de a cirurgia ter sido um sucesso, uma série de complicações a levaram à morte quatro dias depois.
Emmy tinha 53 anos.
A carta de Albert Einstein em homenagem a Emmy Noether após a morte dela:
“Segundo os matemáticos vivos mais competentes, a senhora Noether foi o gênio matemático criativo mais importante que já existiu desde as mulheres passaram a ter acesso à educação superior.
No campo da álgebra, do qual os matemáticos mais talentosos vêm se ocupando por séculos, ela descobriu métodos que provaram ser de enorme importância no desenvolvimento da geração atual dos jovens matemáticos.
A matemática pura é, à sua maneira, a poesia das ideias lógicas.
Nascida em uma família judia que se destacou pelo amor ao aprendizado, Emmy Noether, que, apesar dos esforços do grande matemático de Goettingen, Hilbert, nunca alcançou a posição acadêmica que merecia em seu próprio país, se cercou, mesmo assim, de um grupo de estudantes e pesquisadores em Goettingen, que viriam a se tornar professores ilustres e pesquisadores.
Seu trabalho abnegado e significativo realizado durante muitos anos foi recompensado pelos novos governantes da Alemanha com uma demissão, o que lhe custou sua renda para manter o seu (estilo de) vida simples e a oportunidade de continuar seus estudos matemáticos.
Seus amigos visionários de ciência neste país (EUA) tiveram a sorte de fazer os acordos necessários com o College Bryn Mawr e a (Universidade de) Princeton para que ela encontrasse nos Estados Unidos, até o dia de sua morte, não apenas os colegas que apreciaram a sua amizade, mas alunos gratos, cujo entusiasmo fez seus últimos anos os mais felizes e talvez os mais frutíferos de toda a sua carreira.”
Trechos da carta que Albert Einstein escreveu e enviou ao jornal americano The New York Times. Data: 1º de maio de 1935.
Fonte: BBC Brasil
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