O cartunista argentino Quino, criador das tirinhas da Mafalda, morreu nesta quarta-feira (30), aos 88 anos. O editor Daniel Divinsky confirmou a morte do cartunista ao jornal “El Clarín”. Na semana passada, Quino havia sofrido um acidente vascular cerebral. Nascido em 17 de julho de 1932, em Mendoza, onde voltara a viver desde 2017, quando sua mulher Alicia Colombo faleceu, Joaquín Salvador Lavado era o mais renomado cartunista do mundo hispânico.
As tirinhas de Mafalda, a menina sabichona, respondona e de esquerda, foram publicadas em mais de 35 idiomas. Foram criadas durante nove anos, entre 1964 e 1973. “Mas nunca terminei de aprender a desenhá-la”, afirmou há alguns anos. Malfalda é a tirinha latino-americana mais vendida do planeta e, cinco décadas depois, os comentários da menina continuam supreeendentemente atuais.
‘Desenhei-a por nove anos e segue atual. Uma pena, não?’
Depois de Mafalda, Quino não voltou a ter outro personagem fixo em suas tirinhas. “Desenhei-a por nove anos e segue atual. Uma pena, não?”, disse na abertura da 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, quando confessou sentir muito carinho por sua personagem e por tudo o que ela lhe deu.
Quino recebeu o apelido que o tornou famoso ainda na infância; Seus pais, espanhóis da Andaluzia, escolheram o diminutivo para diferenciá-lo de seu tio, Joaquín, de quem herdou o nome e o gosto por desenhar.
Aos 18 anos, Quino trocou Mendoza por Buenos Aires. Aos 22, publicou sua primeira tirinha, no semanário “Esto es”. O primeiro livro, “Mundo Quino”, saiu em 1963, um ano antes da criação de Mafalda, que estreou nas páginas da revista “Primera Plana”.
A última homenagem
Quino colecionou prêmios ao longo da carreira. Entre os mais prestigiosos estão a Ordem Oficial de Honra do Governo Francês e o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades, recebido em 2014, quando Mafalda completou 50 anos.
Em julho, quando completou 88 anos, Quino foi homenageado por Mendoza, sua cidade natal. A “Quinopédia” aconteceu via streaming e o cartunista recebeu um “abraço virtual” de milhares de pessoas, que lhe enviaram desenhos, fotos, vídeos e mensagens. Antes de se restabelecer em Mendoza, Quino vivera alguns anos entre Buenos Aires e Milão, na Itália.
Nascimento da Mafalda
Um primeiro emprego como desenhista publicitário levou-o a criar Mafalda em 1962 graças a máquinas de lavar e frigoríficos. Quino foi encarregado de de um anúncio que consistia na produção de histórias em quadrinhos para jornais que retratassem a vida de uma família usando eletrodomésticos Mandsfield. E dessa sequência fonética surgiu o nome Mafalda.
Os jornais rejeitaram essa publicidade, por se confundir com seu próprio conteúdo, e os personagens criados por Quino ficaram na gaveta. Porém, ele recuperou a história em 1964, não mais comercialmente, e assim a tirinha de maior sucesso em língua espanhola apareceu pela primeira vez no jornal portenho Primera Plana, antes de conquistar os jornais de todo o mundo. Mais tarde, os livros dos personagens venderiam milhões de cópias e seriam traduzidos para o francês, inglês, japonês, chinês…, em mais de 30 idiomas.
Mafalda também foi ao cinema, com uma longa-metragem de 75 minutos realizada na Argentina. Mas Quino não ficou satisfeito, pois ao sair da estreia ouviu alguns dizerem: “Mas essa voz não é da Mafalda!” Então, ele transferiu a história para o cinema mudo. As experiências seguintes, lideradas pelo grande Juan Padrón, especialista cubano em animação, deixaram de ter diálogos. Eram novas piadas baseadas nas próprias cenas. Desta forma, Mafalda ofereceu ao público a voz que todos teriam imaginado.
Dessa turma (Manolito, Susanita, Libertad, Guille …), Quino sempre teve seu filho preferido, o ingênuo idealista Felipe, ao longo de sua vida.
Em 1973, nove anos e 1.928 tiras após a sua criação, Quino decidiu que não desenharia mais a Mafalda, exausto pela própria personagem e pela tirania da entrega diária ao jornal. E então começou uma criação ainda mais ambiciosa, com desenhos meticulosos, detalhados e igualmente brilhantes, que muitas vezes mostravam a opressão dos poderosos e o olhar inteligente dos oprimidos. O EL PAÍS SEMANAL publicou esses desenhos na década de 1990.
Em uma delas você pode ver uma senhora oferecendo café aos convidados enquanto uma menina brinca entre eles. E a anfitriã esclarece: “Ela é filha de gente humilde por aqui. E compramos as roupas e os brinquedos para ela porque a amamos como se fosse da família”. As roupas que a menina usa é o uniforme de empregada com boné, e em volta dela se vê os “brinquedos”, também no tamanho certo para sua idade: uma vassoura, um ferro, um espanador e um esfregão.
Seus livros continuaram a ser vendidos às centenas de milhares, mas competindo na memória coletiva com os de Mafalda e com os milhares de chaveiros, cadernos, adesivos, emblemas e toalhas que reproduzem a sua imagem; e com o carinho que a personagem desencadeou em milhões de pessoas.
Fonte: O Globo | EL País