Ralph Waldo Emerson nasceu em 25 de maio de 1803 em Boston e foi um famoso escritor, filósofo e poeta americano. Foi pastor em Boston, mas, abandonou a atividade por divergências doutrinárias. Natureza foi publicado em 1836, é um dos seus ensaios mais aclamados e é considerado um dos mais importantes trabalhos do transcendentalismo e do movimento naturalista, serviu de inspiração para importantes escritores como Walt Whitman, Emily Dickinson e Henry David Thoreau em Walden, um dos mais importantes clássicos americanos. Esse livro é visto como um dos pilares do transcendentalismo e foi responsável por transformá-lo em um movimento cultural focado entre outras coisas, no respeito a natureza. Saiba mais sobre Ralph Waldo Emerson.
“Filosoficamente considerado, o universo é composto pela Natureza e pela Alma. Logo, falando estritamente, tudo o que é distinto de nós, tudo o que a Filosofia distingue como não eu, ou seja, a natureza e a arte, o resto dos homens e meu próprio corpo, deve ser classificado sob esta denominação: NATUREZA. Ao enumerar os valores da natureza e obter sua somatória, utilizarei a palavra em ambos os sentidos: em seu teor coloquial e filosófico. Em indagações tão gerais como a que nos ocupa, a inexatidão não é substancial; não haverá confusão de ideias. Natureza, no sentido comum, refere-se às essências não modificadas pelo homem: o espaço, o ar, o rio, a folha. Arte se aplica à mescla da vontade do homem com essas mesmas coisas, como se dá em uma casa, um canal, uma estátua, um quadro. Porém, tomadas em conjunto, as operações do homem são tão insignificantes – mera escavação, cozimento, arrumação, lavagem – que, comparadas com a impressão grandiosa que o mundo deixa na mente humana, em nada alteram o produto.”
– Ralph Waldo Emerson, em ‘Introdução’, ao livro ‘Natureza: a bíblia do naturalista’ (ensaio). [tradução Davi Araújo]. Balneário Rincão/SC: Editora Dracaena, 2011.
A MAIS NOBRE necessidade do homem é servida pela natureza, nomeadamente: o amor à Beleza.
Os antigos gregos chamavam ao mundo kosmos, beleza.
A constituição de todas as coisas ou o poder plástico do olho humano são tais, que as formas primordiais como o céu, a montanha, a árvore e o animal nos provocam deleite em si e por si mesmas. Um gozo que surge de seu perfil, cor, movimento e maneira de agrupá-las. Isso parece dever-se em parte ao olho mesmo, que é o melhor dos artistas. Mediante a ação recíproca de sua estrutura e das leis da luz, produz-se a perspectiva, que integra cada massa de objetos – qualquer que seja seu caráter em um colorido e bem sombreado globo, de tal modo que ali onde os objetos individuais são vulgares e anódinos, a paisagem que eles compõem é bem acabada e simétrica.
E, assim como o olho é o melhor dos compositores, a luz é a primeira entre os pintores. Não há objeto tão execrável que não se torne bonito sob a luz intensa. E o estímulo que esta oferece aos sentidos, e uma espécie de infinitude que possui, como o espaço e o tempo, fazem com que toda a matéria se alvoroce. Até um cadáver tem sua beleza peculiar. Mas, aparte essa graça geral difundida pela natureza, quase todas e cada uma das formas são agradáveis aos olhos, como provam nossas intermináveis imitações de algumas delas: a bolota, a uva, a pinha, a espiga de trigo, o ovo, as asas e o corpo da maioria dos pássaros, a garra do leão, a serpente, a borboleta, as conchas marinhas, as chamas, as nuvens, os brotos, as folhas e as formas de numerosas árvores, como a palmeira.
Para um melhor exame, podemos distribuir em três partes os aspectos da Beleza:
1. Em primeiro lugar, a mera percepção das formas naturais é um gozo. Tanto necessita o homem do influxo das formas e ações da natureza que, em suas funções inferiores, parecem jazer dentro dos confins dos bens materiais e da beleza. Ao corpo e a mente viciados por uma tarefa ou uma companhia perniciosas, a natureza os cura e lhes devolve seu templo. O comerciante ou o letrado que se aparta do estrépito e do tumulto das ruas e olha o céu e os bosques, volta a ser um homem. Em sua calma eterna, reencontra-se consigo mesmo. O olho parece exigir para sua saúde um horizonte. Nunca nos cansamos, contanto que possamos ver longe o bastante.
Porém, em outras horas, a Natureza satisfaz apenas com seu encanto, sem mescla alguma de benefício corpóreo.
Contemplo desde o cume da colina que se instala detrás da minha casa o espetáculo do amanhecer, desde a aurora até o pôr-do-sol, e sinto o que um anjo sentiria. As largas, esbeltas franjas de nuvens flutuam como peixes no mar de luz purpúrea. Desde a terra, como se fosse uma praia, observo esse mar silente. Imagino-me participando de suas rápidas transformações; o ativo encantamento move minha poeira, e eu me dilato e inspiro, em uníssono com a brisa matinal. Como nos diviniza a natureza com uns poucos e baratos elementos! Dá-me a saúde e o dia, e toda a pompa dos imperadores se me tornará ridícula. A aurora é minha Assíria, o crepúsculo e o claro da lua são minha Pafos e inimagináveis reinos de fantasia; o largo meio-dia será a Inglaterra dos meus sentidos e entendimento; a noite, minha Alemanha da filosofia mística e sonhos.
Não menos excelso – salvo pelo fato de que nossa suscetibilidade é menor de tarde – foi o delicioso crepúsculo de ontem. No poente, as nuvens se dividiam e voltavam a se dividir em flocos rosados com tons de indizível maciez, e o ar de janeiro era tão vivo e suave que entrar em casa causaria um pesar. O que é que queria nos dizer a natureza? Acaso não tinha nenhum significado o vívido repouso do vale detrás do moinho, que nem Homero nem Shakespeare haviam podido recriar em palavras para mim? As árvores desfolhadas se tornam flamejantes espirais no ocaso, sobre a tela de fundo do Leste azulado, e as estrelas dos mortos cálices das flores, e cada tronco seco e cada restolho queimado de geada contribuem em algo com a muda música.
Os habitantes das cidades supõem que a paisagem do campo só é amavel durante metade do ano. Eu me comprazo com a graça da cena invernal e creio que nos chega tanto como as influências cordiais do verão. Para o olho atento, cada momento do ano tem sua própria beleza, e em um mesmo lugar do campo contempla-se hora após hora um quadro que não se viu jamais e que jamais se voltará a ver. Os céus mudam a cada instante e refletem sua glória ou sua desdita pelas planícies abaixo.
De uma semana para outra, o estágio das plantações nas fazendas vizinhas altera a expressão da terra. A sucessão das plantas locais nos pastos e caminhos, silencioso relógio mediante o qual o tempo marca as horas estivais, faria perceptíveis até as divisões do dia a um fino observador.
Revoadas de pássaros e insetos, pontuais como as plantas, seguem-se umas às outras, e em um ano cabem todos. Nas águas correntes, a variedade é ainda maior. Em julho, nos baixios de nosso amável rio, florescem em grandes leitos as pontedérias azuis, frequentadas por borboletas amarelas em contínuo movimento. A arte não pode rivalizar com esta pompa de ouro e púrpura. O rio está, em verdade, perpetuamente engalanado, e enverga a cada mês um novo adorno.
Mas esta beleza da natureza que se vê e sente como tal é a menor de suas partes. Os espetáculos do dia, a orvalhada manhã, o arco-íris, montanhas, hortos floridos, estrelas, o claro da lua, as sombras na água quieta e assim sucessivamente, se perseguidos com demasiado afinco, tornam-se meros espetáculos e zombam de nós com sua irrealidade. Saia de sua casa para ver a lua, e não passa de lantejoula; não será tão agradável como quando sua luz alumbra a sua viagem indispensável. Quem pode capturar a beleza que tremeluz nas amarelas tardes de outubro? Tente pegá-la, e já se foi; é apenas uma miragem vista pelas janelas da diligência.
2. A presença de um elemento superior, a saber, o elemento espiritual, é essencial para sua perfeição. A alta e divina beleza que pode ser amada sem enlanguescimento é aquela que se encontra combinada com a humana vontade. A beleza é o selo que Deus põe sobre a virtude.
Toda ação natural é graciosa; o é também todo ato heroico, que faz resplandecer o lugar e sua audiência. As grandes ações nos ensinam que o universo é propriedade de todos e de cada um dos indivíduos que nele habitam. Cada ser racional tem por dote e herança a natureza inteira. É sua, se assim o deseja. Pode desfazer-se dela, fugir a algum rincão e abdicar de seu reino, como o faz a maioria dos homens, mas sua própria constituição lhe confere direitos intrínsecos sobre aquele mundo, e o levará em seu interior em proporção à energia de seu pensamento e de sua vontade.
“Todas as coisas pelas quais os homens aram, constroem ou navegam obedecem à virtude”, disse Salústio.
“Os ventos e as ondas…” – diz Gibbon – “…acompanham sempre os mais hábeis marinheiros.”
O mesmo ocorre com o sol e a lua e todas as estrelas.
Quando se leva a cabo um ato nobre – talvez, por sorte, em um cenário de grande beleza natural; quando Leônidas e seus trezentos mártires levam todo um dia para morrer, e primeiro o sol e logo a lua vêm vê-los naquele íngreme desfiladeiro das Termópilas; quando Arnold Winkelried, nos altos Alpes, sob a sombra da avalanche, reúne ao seu lado um feixe de lanças austríacas para dar passagem a seus camaradas; não têm direito esses heróis a ornar com a beleza do lugar a beleza de suas façanhas? Quando a caravela de Colombo se aproxima das costas da América – tendo adiante os selvagens alinhados na praia, saídos de suas cabanas de juncos; por trás o mar, e de ambos os lados as montanhas arroxeadas do arquipélago das Bahamas –, cabe separar o homem desse quadro vívido?
Não está revestido pelas formas do Novo Mundo, com suas filas de palmeiras e suas matas como cortinas legítimas? A beleza natural sempre se filtra furtiva como o ar, e envolve as grandes ações. Quando Sir Harry Vane era arrastrado pelas ladeiras de Tower Hill, sentado em um trenó a caminho da morte, como o grande defensor das leis inglesas, alguém na multidão gritou para ele “Jamais te sentastes em um trono mais glorioso!” . Charles II, para intimidar os cidadãos de Londres, ordenou que o patriota Lord Russell fosse conduzido à forca em um carro aberto, passando pelas ruas principais da cidade.
“No entanto,” agrega seu biógrafo, “a multidão imaginava ver a liberdade e a virtude sentadas ao seu lado.” Na vida privada, em meio a sórdidos objetivos, um ato de verdade ou heroísmo parece atrair para si simultaneamente o céu como templo e o sol como vela. A natureza estende seus braços para acolher o homem, bastando apenas que seus pensamentos sejam de igual grandeza. Voluntariamente, ela segue os seus passos com o rosa e o violeta, e cede suas linhas de graça e imponência para adornar sua criança querida. Basta deixar que seus pensamentos sejam de igual abrangência, e a moldura se ajustará ao quadro. Um homem virtuoso vive em uníssono com as obras da natureza e se converte na figura central da esfera visível. Homero, Píndaro, Sócrates, Fócion, se associam apropriadamente em nossa memória com a geografia e o clima da Grécia. O céu e a terra visíveis simpatizavam com Jesus. E na vida comum, quem quer que haja visto uma pessoa de caráter forte e gênio feliz, terá notado o quão facilmente arrasta consigo todas as coisas – os seres humanos, as opiniões, a época – e a natureza se subordina a um homem.
3. Ainda há outro aspecto sobre o qual a beleza do mundo pode ser vista, nomeadamente, quando se transforma em um objeto do intelecto. Além da relação das coisas com a virtude, elas têm uma relação com o pensamento. O intelecto busca a ordem absoluta das coisas, tal como se estivessem na mente de Deus, sem as cores da afeição. As faculdades intelectual e ativa parecem suceder-se uma a outra, e a ação exclusiva de uma gera a ação exclusiva da outra. Há algo mutuamente hostil entre ambas, que é como os períodos alternados de alimentação e trabalho nos animais; cada qual preparando e sendo seguido pelo outro. Assim faz a beleza, que, quanto às ações, como temos visto, vem sem que a busquemos, e vem porque não a buscamos, permanecendo para a apreensão e busca do intelecto; e então, por sua vez, do poder ativo. Nada divino morre. Tudo o que é bom se reproduz eternamente. A beleza da natureza reforma a si mesma na mente, e não para a contemplação estéril, mas para uma nova criação.
Todos os homem são em algum grau impressionados pela face do mundo; alguns homens até o deleite. Este amor pela beleza é o Gosto. Outros têm esse amor em tal excesso que, não satisfeitos em admirar, procuram incorporá-lo em novas formas. A criação de beleza é a Arte.
A produção de uma obra de arte lança alguma luz sobre o mistério da humanidade. Uma obra de arte é uma síntese ou epítome do mundo. É, em miniatura, o resultado ou expressão da natureza; pois ainda que as obras da natureza sejam inumeráveis e todas distintas entre si, o resultado ou expressão de todas elas é similar e único. A natureza é um mar de formas fundamentalmente semelhantes e até unitárias. Uma folha, um raio de sol, uma paisagem, o oceano, exercem um efeito análogo sobre o espírito. O comum a todos eles, essa perfeição e harmonia, é a beleza. O padrão da beleza está dado pelo circuito inteiro de formas naturais, pela totalidade da natureza; os italianos expressaram isso ao definir a beleza como “il piú nell’uno.” Nada é suficientemente belo por si só: o belo somente o é como um todo. Um objeto qualquer é belo unicamente na medida em que sugere esta graça universal. O poeta, o pintor, o escultor, o músico, o arquiteto procuram concentrar esta radiação do mundo em um só ponto, e em seus diversos trabalhos cada qual trata de satisfazer o amor à beleza que o estimula a criar. Assim é a Arte, uma natureza passada através do alambique do homem. Assim, na arte, a natureza opera através da vontade de um homem pleno da beleza das primeiras obras daquela.
O mundo existe, portanto, para a alma, com o fim de satisfazer o anseio de beleza. Este elemento chamo de um fim último. Com respeito ao motivo pelo qual a alma busca a beleza, nada se pode indagar nem responder. Em seu sentido mais amplo e profundo, a beleza é uma das expressões do universo. Deus é a suma justiça; a verdade, a bondade e a beleza são diferentes rostos dessa mesma totalidade. Mas a beleza da natureza não é um fim último.
É a arauta de uma beleza interior e eterna, e em si mesma não constitui um bem sólido e satisfatório. Deve ficar como uma parte, e todavia não como a última ou mais alta expressão da causa final da Natureza.
Ralph Waldo Emerson no livro “Natureza”. [tradução Davi Araújo]. Editora Dracaena, 2011.
:: Os super-homens. Ralph Waldo Emerson. [tradução Domingos Guimarães]. 2 vol’s. Coleção Biblioteca educação intelectual, 22. Porto: Magalhães & Moniz, 1913.
:: Os super-homens. Ralph Waldo Emerson. [tradução ?; revista por A. Roitman]. São Paulo: Cultura Moderna, 1940?
:: Ensaios. Ralph Waldo Emerson. [seleção, nota introdutória e tradução de José Paulo Paes]. coleção Clássicos Cultrix. São Paulo: Cultrix, 1961. {contendo ‘O Letrado Norte-Americano’, ‘A Confiança em si Próprio’, ‘Compensação’, ‘Amizade’, ‘A Supra-Alma’, ‘O Poeta’, ‘A Natureza’ e ‘Política’.}
:: Homens representativos. Ralph Waldo Emerson. [tradução, prefácio e notas Alfredo Gomes]. Rio de Janeiro: Ediouro, 1990.
:: Homens representativos. Ralph Waldo Emerson. [tradução e notas Sônia Régis]. Coleção Lazúli. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
:: Ralph Waldo Emerson: ensaios (primeira série).. [Carlos Graieb e Jose Marcos Mariani de Macedo]. Coleção Lazúli. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
:: A natureza. Ralph Waldo Emerson. [tradução ? ; prefácio Clara Pinto Correia]. Porto: Sinais de Fogo Publicações, 2001.
:: A confiança em si, A natureza: e outros ensaios. Ralph Waldo Emerson. [tradução Carlos Correia Monteiro de Oliveira e Jose Luis Costa]. Lisboa: Relógio D’Água, 2009.
:: Natureza: a bíblia do naturalista. Ralph Waldo Emerson. [tradução Davi Araújo]. Balneário Rincão/SC: Editora Dracaena, 2011.
:: Amor e Amizade: Ensaios. Ralph Waldo Emerson. [organização Leo Kades; tradução Bianca Carvalho]. Balneário Rincão/SC: Editora Dracaena, 2013.
:: Ensaios de Ralph Waldo Emerson – Poesia e imaginação. [organização Leo Kades; tradução ?]. E-book (Edição Digital). Balneário Rincão/SC: Editora Dracaena, 2016.
:: A conduta da vida. Ralph Waldo Emerson. [tradução Juliana Amato]. Campinas/SP: Editora Auster, 2019.
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*BOTTMANN, Denise. Emerson, levantamento atualizado. blog ‘não gosto de plágio’, 30 de abril de 2016. Disponível no link. (acessado em 30.6.2019).
:: Poetas norte-americanos: antologia bilíngue. [organização tradução Paulo Vizioli]. Rio de Janeiro: Lidador, 1976. {contendo os poemas ‘Brama’, ‘Os dias’, ‘Moderação’ e ‘Fábula’, de Emerson}
:: Grandes poetas da língua inglesa do século 19. [seleção, tradução e organização de José Lino Grünewald]. Edição bilíngue. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.
:: O pensamento vivo de Emerson Ralph Waldo. [apresentação Edgar Lee Masters; tradução Ida Goldstein]. São Paulo, Livraria Martins, 1944; 1952.
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