SOCIEDADE

A relação amorosa é uma casa onde aprendemos sobre nós

Haverá melhor lugar para aprender sobre nós do que uma relação amorosa?
– por *Ana Alexandra Cavalheira

Uma mulher jovem contava-me o conflito permanente com o namorado que se sente inseguro com ela. “Ele não confia em mim”. Não confia e duvida do amor e do compromisso que ela tem com ele. Ele, sente-se inseguro. Ela, sente-se frustrada porque não vê retorno da sua entrega total e verdadeira. Ao longo da sessão, ela dá-se conta que homens com quem esteve em relações anteriores se sentiam igualmente inseguros. A questão é inevitável, “O que há em mim que não lhes dá segurança? Como é que eu transmito insegurança?”. Nas interações com ele vai olhando para dentro de si e descobrindo a resposta. A sua invejável autonomia, a procura da perfeição, a insatisfação permanente, um sentido dominador e resolutório para a vida. Esse conhecimento vai permitir a mudança, assim ela queira. Ele também ficou a saber mais sobre a sua necessidade de validação. Haverá melhor lugar para aprender sobre nós do que uma relação amorosa?

Uma relação é uma casa onde nos conhecemos. Na relação, como numa casa, há espaços diversos. Quartos para a intimidade, salas para brincar, espaços onde nos sentamos frente a frente ou lado a lado, espaços onde gozamos, onde fazemos silêncio e nos isolamos. A casa vai-se construindo, vai-se mobilando, às vezes investimos mais nela, às vezes menos, como uma relação.

Aprendemos de nós através do outro. O nosso parceiro é como um espelho que mostra quem nós somos e como funcionamos. Aquilo que eu provoco no outro diz muito de mim. Aquilo que eu faço o outro sentir revela como sou eu. E o processo é sempre bidirecional. Diferentes outros mostram-nos diferentes partes de nós. Isto para quem quiser ver, evidentemente. Quem não quiser ver não vê, não aprende, não cresce e assim vai andando de casa em casa. É verdade que também pode ser preciso mudar de casa até encontrarmos uma onde queremos realmente investir. Investimentos fáceis? Nem pensar. É duro sabermo-nos inseguros, rígidos, egoístas ou com medo. Mas é o único caminho. E é assim que descobrimos que afinal não somos bem como julgamos que somos. Construímos imagens e narrativas de nós próprios e acreditamos nelas.

A relação amorosa não é só o melhor espaço para nos conhecermos. É também o melhor lugar para evoluirmos. Ninguém cresce sozinho. É sempre na relação com o outro que aprendo de mim, que me dou conta das minhas misérias e das minhas maravilhas. E é também aí onde posso melhorar-me.

Aprender na relação com o outro implica alguns investimentos. Um deles é a capacidade de expressão. Expressar o melhor possível o que vai em nós e saber ouvir o outro, facilita muito tal aprendizagem. Dizer com verdade, não calar nem conter. A expressão gera bem-estar e conexão com a outra pessoa. Não digo que se tenha que contar tudo, não é isso. Há sempre um espaço privado do que é só nosso. Outra coisa facilitadora de aprender na relação é não ter medo de deixar o outro conhecer as nossas misérias, pelo menos algumas. Falo das fragilidades e das partes feias de nós. É preciso ter consciência dessas partes mais baças para quando elas saltarem não nos fecharmos em conchas impenetráveis a deixar o outro de fora. Também é importante não fugir nas primeiras adversidades. Não abandonar a casa nos primeiros frios, pelo contrário, ficar. Ficar e refazer, retocar paredes, fortalecer aquela viga, renovar janelas, torna-la mais confortável. Quanto melhor a cuidarmos, melhor habitamos nela e mais conhecemos de nós. Tudo isto para que a casa – a relação – seja um lugar bom para se estar.

* Ana Alexandra Carvalheira, professora e investigadora no ISPA. Realiza investigação na área da sexualidade, aliada à prática clínica que mantém desde 1997 como psicoterapeuta. É membro da International Academy of Sex Research, foi presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica e tem dezenas de artigos publicados em revistas científicas internacionais. O que mais gosta, é do trabalho clínico com os clientes, onde mais aprende e de onde retira as questões que quer investigar.

Fonte: Visão

 

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