Relato de um médico: “O dia em que me roubaram de mim”

– da página de Christine Doula

Ontem, em mais um plantão de rotina na Maternidade de Campina Grande PB, fui roubado de mim.

E quando eu consegui perceber isso, fiquei perplexo.

Cheguei na maternidade as 18:35 e dei início a mais um plantão que tinha tudo pra ser iguais aos outros, se não fosse por tamanho roubo. Fiquei encarregado de fazer a evolução de Fernanda grávida em situação sócio-econômica bem complicada.

Apresentei-me pra ela e disse que naquela noite eu a acompanharia. As horas passavam como um trem bala.

O hospital estava cheio!

Porém, nessa rápida passagem das horas, eu pude conhecer um pouco mais da história de Fernanda e, posteriormente, fiquei perplexo, mas sentindo uma felicidade plena, jamais sentida.

Fernanda teria seu primeiro filho naquela madrugada, e no meio da nossa longa conversa tive o privilégio de conhecê-la.

Seria mãe aos 23 anos, solteira, e que TODA sua renda vinha do campo, da plantação de frutas.

É agricultura na sua “terrinha” que cultivou atrás da sua própria casa.

Estava em trabalho de parto há cerca de 6 horas e, a medida que a hora passava, ficava um pouco assustada, pois as dores aumentavam e a insegurança também.

Fiquei ao seu lado nesses momentos e pude vivenciar uma das coisas mais maravilhosas que vivi nessa vida de meu Deus.

Eu pude ouvir a seguinte frase:

“Doutor, você me faz um favor, eu tô com muito medo e queria que o senhor ficasse aqui até Ivy nascer e eu PROMETO trazer um caixote de JACAS pra sua família amanhã logo cedo, não é muito, MAS É TUDO QUE EU TENHO.”

Aquela mulher me roubou de mim. Naquele instante eu me senti anestesiado, não sentia meus pés. As minhas mãos, segurando as dela, ficaram trêmulas e pude sentir a minha própria saliva indo embora, boca seca.

Entrei num processo de auto análise e me deparei com a escuridão.

Com a escuridão do egoismo, da auto satisfação, da não divisão com o semelhante, de ser insuficiente.
Eu, naquele momento, não fui mais o mesmo, eu fui roubado de mim.

Meu plantão acabou, fui para minha casa e pensei: “Em que eu tenho dado TUDO que tenho?.”

Cheguei a conclusão que darei TUDO que tenho a muitas “fernandas” que precisam de mim.

@jhonjhon.fg

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