Ela vai retirando a roupa suavemente. Sente a camiseta suada levantar de maneira desengonçada seus cabelos curtos, desprende o sutiã com agressividade e retira o short embolado com a calcinha, percebendo ao espelho, os indícios de um corpo banal e fora do padrão. Abre o chuveiro e regula a água para que o gelado impregne na espinha. As gotas descem límpidas pelos seios e escorrem taciturnas por entre as pernas.
Nesse cenário perigosamente enganador e psíquico, ela incita a si mesma a pensar sobre tudo. Por alguns segundos, cria nojo do chão. Não seria pela imundice, pelos cabelos de outras mulheres bonitas no ralo, pelo esgoto que sugava o poético romântico de sua perspectiva. O chão simplesmente era tocável. Nenhum de seus sonhos jamais fora.
Percorrendo o sabonete pelo corpo, apertando as gorduras que a matavam e arranhando as estrias que petrificaram seus descontroles, lembrou-se do nada. Não era nada.
Engoliu algumas gotas que caiam aleatoriamente em seus problemas físicos, figurou suas desinências humanas, declinou algumas normas cultas a serem seguidas em seu cotidiano. Encontrou no seu falso sensual, sua fraqueza. Talvez não fosse possível mudar.
Com a mente rodando memorizou conversas fáticas que tivera em outrora. Culpou-se por expor sua incompreensão e, ao desnudar-se, foi completamente incompreendida. Compreendeu por fim, que o completo era um vazio estancando o vômito. Mas nem vômito tinha mais, seu estômago, assim como sua essência, estava ácido e corroía o que sobrava.
Desejava não desistir. Excitava-se com os feixes de luz que sorrateiramente apareciam e a machucavam em meio ao escuro.
Ela, para si, não era mais suficiente. Ela, para si, não era mais amada. Ela, para si, não tinha nada demais. O nada era o que tinha.
Ela morrera caída no sabão do chão sujo. Seus cabelos lambeados, suas nádegas marcadas com a queda, suas costas arranhadas, seus olhos completamente abertos: seus sentimentos se extinguiram e a nova mulher assistiu-se falecer pela incapacidade de enxergar a vida. No entanto, a culpa será sempre e eternamente dela: como qualquer outra mulher que ousa ser todos os dias mulher!
*Yasmim Abrahão Raposo, graduanda de Letras-francês na Universidade Federal Fluminense.
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