“Fotografias há de dois tipos: As mais raras são obras de arte, belezas que o olho do fotógrafo percebeu e nos mostra. Olhamos a foto e ficamos espantados: não havíamos visto a beleza que estava lá, coisas com as quais um turista jamais desperdiçaria uma foto – tais como folhas secas sobre o chão, um pau seco saindo da lagoa, as marcas do vento sobre a areia – e a gente leva um susto. Não é a boa câmera que faz a fotografia. É o olho do fotógrafo.”
– Rubem Alves, em “Quarto de Badulaques”. São Paulo: Parábola, 2003.
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Rio de Janeiro do século XIX na fotografia de Marc Ferrez – “o cronista visual das paisagens e dos costumes cariocas”
“Cerca de metade da produção fotográfica de Ferrez foi realizada na cidade do Rio de Janeiro e no seu entorno, e a outra parte nas diversas regiões do Brasil que percorreu regularmente em seus diversos trabalhos comissionados, seja como fotógrafo da Comissão Geológica do Império em meados dos anos 1870, ou como principal fotógrafo das construções ferroviárias no Brasil, em especial nos anos de 1880 e 1890, configurando assim um grande panorama da paisagem brasileira do período.
Ferrez, no final de sua vida, dedicou-se à fotografia estereoscópica em cores, utilizando as placas fabricadas pelos irmãos Lumière pelo processo denominado autocromo. Estas raras e inéditas imagens produzidas por Marc Ferrez e seus filhos são os registros coloridos conhecidos mais antigos da cidade do Rio de Janeiro.”
– Sergio Burgi, em “As cores do Rio aos olhos de Marc Ferrez”, por Sergio Burgi (coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles). in: Blog IMS, 1.3.2013.
BIOGRAFIA DE MARC FERREZ
Marc Ferrez (Rio de Janeiro RJ 1843 – idem 1923). Fotógrafo. Filho de Zepherin Ferrez (1797-1851) e sobrinho de Marc Ferrez (1788 – 1850), escultores franceses que integram a Missão Artística Francesa. Depois da morte de seus pais, em 1851, viaja para Paris e reside na casa do escultor Alphée Dubois (1831 – 1905). Em 1859 retorna ao Rio de Janeiro e trabalha na Casa Leuzinger, estabelecimento fotográfico de propriedade de George Leuzinger (1813 – 1892). No ano seguinte conhece Franz Keller-Leuzinger (1835 – 1890), com quem aprende técnicas fotográficas. Em 1865 inaugura a Casa Marc Ferrez & Cia., e exerce a profissão de fotógrafo. Em 1875, recebe convite para integrar, como fotógrafo, a expedição chefiada por Charles Frederick Hartt (1840 – 1878) e financiada pela Comissão Geológica do Império. Nessa função percorre os atuais Estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas e parte da região amazônica. No ano de 1880, encomenda ao francês M. Brandon a confecção de uma máquina fotográfica por ele idealizada, capaz de executar imagens panorâmicas em grandes dimensões. É o único fotógrafo brasileiro agraciado com o título de “Photografo da Marinha Imperial”. Já reconhecido como fotógrafo de paisagens, retratos, de obras públicas, realiza a partir de 1903 a documentação completa das obras de construção da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), no Rio de Janeiro. Esse trabalho é publicado por volta de 1907 no álbum Avenida Central: 8 de Março de 1803 – 15 de Novembro de 1906. Em 1905 a Casa Ferrez & Filhos passa a ser a representante exclusiva da firma francesa Pathé Frères, e se torna fornecedora da maioria dos cinematógrafos da cidade. Em 1907, em sociedade com Arnaldo Gomes de Souza, inaugura o Cine Pathé. No ano de 1915, muda-se para Paris, onde estuda fotografia em cores, até retornar, no início da década de 1920, ao Rio de Janeiro, pouco antes de sua morte.
Comentário crítico
Filho do escultor Zepherin Ferrez (1797 – 1851), integrante da Missão Artística Francesa, Marc Ferrez é apontado como um dos pioneiros da fotografia no Brasil. Sua obra, cuja qualidade obteve reconhecimento considerável de seus contemporâneos, apresenta-se ainda hoje como um dos principais documentos visuais do Brasil, principalmente da cidade do Rio de Janeiro, da segunda metade do século XIX. Acostumado a viver no círculo mais ilustrado da corte, Ferrez fica órfão muito cedo. Em 1851 muda-se para Paris, onde mora com o escultor e gravador Alphée Dubois. Não há informações sobre sua estada na capital francesa. Contudo, sabe-se que a França passava por profundas transformações nesse período, com a constituição do Segundo Império por Napoleão III, em 1852. Como um dos símbolos do novo governo, a cidade de Paris sofre profunda reforma urbanística, a cargo do Barão de Haussmann, transformando-se no exemplo de capital moderna e industrial do século XIX. Em 1855 a cidade promove sua 1ª Exposição Universal, na qual a fotografia ganha seção especial, sendo pela primeira vez apresentada ao grande público.
De volta ao Brasil em 1860, Ferrez trabalha na Casa Leuzinger, estabelecimento dirigido pelo fotógrafo George Leuzinger (1813 – 1892), cujos serviços oferecidos são um misto de tipografia, papelaria, oficina de encadernação e douração, ateliê de fotografia e ponto de revenda de gravuras e material fotográfico. Aprende com o engenheiro alemão Franz Keller-Leuzinger (1835 – 1890) a técnica fotográfica. Não apenas o ensino técnico, mas também o contato com pintores, fotógrafos e cientistas, a familiaridade com o vocabulário próprio da linguagem fotográfica da época, são proporcionados pelo estágio na casa comercial. Nesse momento, o repertório de vistas pitorescas da cidade (por exemplo: Jardim Botânico, Corcovado, Lagoa Rodrigo de Freitas, Pão de Açúcar, Baía de Guanabara) já se encontra instituído e trabalhado por diversos artistas e fotógrafos.
Em 1867 Marc Ferrez inaugura casa própria, oferecendo serviços de fotógrafo e fotos de vistas do Rio de Janeiro. Até 1873, quando um incêndio destrói completamente a Marc Ferrez & Cia., o artista realiza, sob encomenda ou de forma espontânea, além de retratos e paisagens, fotografias de festejos públicos ligados sobretudo à família real, eventos civis e militares, destacando-se vistas tiradas do mar e fotos de navios da Marinha, que lhe renderam o título de Photographo da Marinha Imperial, outorgado pelo imperador dom Pedro II (1825 – 1891).
Após a destruição total de seus equipamentos e do acervo de clichês fotográficos, Ferrez vai para Paris com o intuito de comprar equipamentos para o recomeço de sua vida profissional. Em 1875 é convidado a participar como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, chefiada por Charles Frederick Hartt. Com a expedição viaja ao Nordeste, fotografando vistas das províncias visitadas e retratos etnográficos dos índios da tribo botocudo (BA), nunca antes fotografados. Além de Photographo da Marinha Imperial a partir de 1877 apresenta-se também como Photographo da Comissão Geológica. Durante a década de 1880 produz imagens preciosas do cotidiano da família real. Todavia, não obtém título de Photographo da Casa Imperial, como outros colegas de seu tempo.
A preferência por horizontes longínquos, perspectivas altas ou em plongée, planos demarcados e luzes contrastantes, a busca do elemento pitoresco a particularizar a paisagem revelam certa filiação romântica na obra do artista, num possível diálogo com pintores acadêmicos da época, como Félix Taunay (1795 – 1881) e Facchinetti (1824 – 1900). O caráter monumental atribuído à natureza em suas fotos indica a concepção romântica da natureza sublime e encantadora, que, articulada com a paisagem construída, apresenta a possibilidade de “relação harmoniosa entre o homem e a natureza”, segundo a historiadora Maria Inez Turazzi. Esse homem, personagem quase sempre presente, aparece numa atitude contemplativa e relaxada, perfeitamente integrado ao seu habitat (nota-se que muitas vezes o artista toma parte da cena enfocada).
Além das composições paisagísticas, sobressaem na produção do fotógrafo os registros documentais de obras públicas como a construção de estradas de ferro, canalizações, reservatórios de abastecimento de água, sendo seu trabalho mais significativo nesse campo a documentação da construção da nova avenida central no Rio de Janeiro, marco da reurbanização da capital e de sua passagem de cidade colonial a cidade moderna. Publicada por volta de 1907, a edição de imagens recebeu o título Avenida Central: 8 de Março de 1903 – 15 Novembro de 1906.
Movido por uma curiosidade natural e pela necessidade de se destacar dentro de um mercado em plena expansão e cada vez mais competitivo, como é o da fotografia no Brasil da segunda metade do século XIX, Marc Ferrez desempenha importante papel na pesquisa e experimentação de novos equipamentos e materiais fotográficos. As principais transformações tecnológicas da fotografia perpassam seu trabalho. Destaca-se como inventor de um aparelho panorâmico para vistas fotográficas e de um sistema de duas câmaras para tomadas feitas no mar. Entre outras inovações, inaugura a terceira sala de cinema da capital em 1907, o Cine Pathé, e introduz no Brasil as chapas fotográficas coloridas (autochrome), desenvolvidas pelos irmãos Lumière. A ampla difusão de sua obra dá-se definitivamente quando suas vistas do Rio de Janeiro são impressas, entre 1890 e 1900, nas notas de 2 mil e 100 mil réis.
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Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural
ACERVO e outras informações e mais obras fotográficas do autor: IMS/Acervo
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