Primeiro Capítulo
Fritz Müller, alemão, divorciado, de 42 anos presumíveis, importador, domiciliado à Rua Cinco de Julho, 422, apt. 801, Copacabana, foi encontrado morto na cozinha de seu apartamento, com a cabeça esmagada por um instrumento contundente. A vítima, que trajava apenas calção de banho, foi encontrada em decúbito dorsal, com a cara voltada para a porta exterior da cozinha. O encontro foi feito pela doméstica Severina de Araújo, de 27 anos, solteira, às 8h10m da manhã de hoje, quando chegava ao apartamento para dar início aos seus afazeres. Severina procurou o porteiro do edifício, Aristóbulo de Araújo, que comunicou o fato ao 2.º Distrito Policial.
Títulos vários
Crime ou suicídio? — A polícia acredita em latrocínio — Müller teria sido major das Tropas de Assalto Nazistas — Impressões digitais apontarão o criminoso — Dentro de 24 horas a Polícia deve ter em mãos o assassino do alemão, declara o Delegado do 2.º Distrito — Moços da juventude transviada frequentavam o apartamento da 5 de Julho — Teria prometido uma lambreta para o Natal — Mulher ruiva, a chave de todo o mistério! — Ainda envolto em mistério o crime do Edifício Tudinha — Procura-se: moço louro de bigode curto — Avolumam-se as suspeitas sobre Aristóbulo — Incomunicável a doméstica Severina — “Batida” no Morro da Catacumba.
Esclarecimentos
Depois que o caso foi entregue à Polícia Técnica a aparente confusão do noticiário cessou completamente.
O que, na verdade, estava ocorrendo, é que o açodamento da imprensa e a leviandade de alguns policiais menos experimentados tumultuavam as diligências. De posse, agora, de dados preciosos, que estão guardando com a mais completa reserva, as autoridades policiais esperam a qualquer momento deter o criminoso.
Apesar do caráter secreto de que se revestem as diligências em curso, podemos revelar que, em seu trabalho para o completo esclarecimento do caso, as autoridades da Polícia Técnica levaram em conta os seguintes fatos que haviam escapado à atenção dos primeiros policiais encarregados das diligências:
1) A profissão da vítima, que a princípio se acreditava ser importador, está em dúvida. Está comprovado que Fritz Müller fazia negócios de contrabando. Em seu apartamento foram encontrados quatro aparelhos de televisão, três geladeiras “Wonder-Bar”, várias caixas contendo canetastinteiro de procedência norte-americana e muitos outros objetos importados ilegalmente.
2) Dois oficiais do Exército, primos entre si, estavam entre os compradores de mercadorias contrabandeadas por Fritz Müller. Teria havido forte altercação entre um deles e a vítima no sábado anterior ao crime. Estaria iminente a instauração de um IPM (Inquérito Policial-Militar).
3) A mulher ruiva vista em companhia da vítima é frequentadora de certos bares da Zona Sul e teria sido vista na noite seguinte ao crime em companhia de um deputado federal em um bar da Rua Fernando Mendes.
Outros títulos
Não eram oficiais do Exército Nacional, mas do Exército de Salvação — A vítima também teria pertencido àquela milícia religiosa — Os aparelhos de televisão pertenciam a um amigo da vítima — Fritz Müller tinha passagem comprada para Buenos Aires — Anne Soltag não é “a mulher ruiva” — A autópsia revela: morte por asfixia! — Peritos respondem às acusações dos legistas — Comissário desmente delegado — Volta à estaca zero o caso do Edifício Tudinha — Severina afirma ter sido seviciada na polícia — Moço louro de bigode curto acareado com Aristóbulo — Deputado nega conhecer mulher ruiva — Será feita nova autópsia — Não haverá nova autópsia — Enterrado o cadáver do alemão — Requerida exumação do cadáver do alemão — Maconha e macumba no passado de Severina — Sensação no caso do Edifício Tudinha: a vítima é mulher! — A alemã fazia-se passar por homem — Reconhecida em Belo Horizonte a “alemã” do Edifício Tudinha — Era do município de Pompéu e viera para o Rio há oito meses — O escritor Osvaldo Alves nada tem a ver com o crime; conhece família da vítima — Enérgico despacho do juiz no crime da 5 de Julho — Sensacional: os legistas afirmam que houve morte natural! — Timbaúba revela: não há número 422 na Rua 5 de Julho!
Rio, janeiro, 1958.
— Rubem Braga, no livro “Ai de ti, Copacabana”. Rio de Janeiro: Record, 2010.
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