quinta-feira, novembro 21, 2024

Sa’idi: povo, luta, dança e orgulho – Nati Alfaya

Quando se pensa em danças folclóricas árabes um dos primeiros estilos que se lembra é o que comumente chamado de saidi, ou dança da bengala, ou ainda, Raks El Assaya. Mas talvez justamente por ser uma dança tão difundida, ela também é tão banalizada a ponto de encontrarmos muitos vídeos na internet com bailarinas que, por falta de um conhecimento mais profundo, se equivocam na hora de escolher a música, o humor, os acessórios, o figurino ou a intenção correta para essa dança.

O primeiro ponto de atenção é que sa’idi (ou simplesmente saidi, simplificando a escrita) é um termo que, a exemplo do que acontece com ghawazee, possui diferentes significados.
A região do Alto Egito (ao sul do país) é chamada de região Sa’idi e, por consequência, as pessoas que nascem e se criam nesta região são chamadas sa’idi. O povo sa’idi é reconhecido como um povo muito tradicionalista, orgulhoso e honrado, com uma profunda ligação com seus costumes e sua região, e essas características, sem dúvida, se refletem em sua dança e musicalidade.

Sa’idi também é o nome de um ritmo extremamente comum, não apenas no Egito, como em grande parte dos países árabes, caracterizado por ser dividido de 4 tempos, com as notas graves aparecendo no primeiro e no terceiro tempos (Dum+tak+DumDum+tak). E é a partir daqui que se iniciam as confusões. Por ser um ritmo muito difundido, algumas bailarinas acreditam, equivocamente, que basta que uma determinada música possua esse ritmo para que possa ser dançada como sa’idi.

A dança sa’idi se origina de uma luta marcial ancestral egípcia chamada tahtib (ou tahteeb) que se configura pelo uso de varas/bastões com mais de 1 metro de comprimento para golpear e se defender dos golpes do adversário. O tahtib enquanto luta se mantem como exibições, competições e até mesmo como forma de solução de conflitos entre famílias rivais em acampamentos egípcios, mas hoje em dia esse termo se refere também à dança masculina que se baseia nos movimentos e humor dessa luta, podendo ser apresentada em solo ou em grupos com lutas simuladas e coreografadas.

A versão feminina da dança sa’idi, normalmente chamada Raks El Assaya, ou simplesmente dança da bengala, se inspirou nos movimentos de luta masculinos, mas os apresenta de forma mais “glamourizada”, mantendo o comportamento altivo e orgulhoso, mas acrescentando feminilidade e charme. É importante notar, entretanto, que as mulheres sa’idi, por serem resultado de uma sociedade e cultura tradicionais, são em geral bastante tímidas e reservadas, usualmente cobrem o rosto com véus e, por esses motivos, elas não dançam em público ou profissionalmente, apenas dentro de suas famílias.

Assim, as mulheres que dançam a dança sa’idi são, na verdade, as mulheres ghawazee, bailarinas profissionais que ganham seu sustento dançando nas ruas e em festas e celebrações.

O figurino mais tradicional para o Raks El Assaya é composto por uma galabeya (uma espécie de túnica) longa, larga, com mangas compridas e soltas e bordados na vertical com moedas ou pastilhas, acompanhado por um xale de moedas no quadril. Por serem as ghawazee que dançam a dança sa’idi publicamente, não há muita diferença entre os figurinos para dança ghawazee e dança sa’idi.

Já no caso do tahtib, o figurino dos homens é composto por 1 ou 2 galabeyas (sendo a de baixo branca e a de cima colorida), calças longas, botas e turbante.

Como já dito, os equívocos são muito comuns no momento de escolher uma música adequada para a representação de uma dança sa’idi, uma vez que o ritmo de mesmo nome é tão comum em tantas músicas e é um erro pensar que qualquer delas serve para este folclore. Assim como no caso da dança ghawazee (da qual já falamos na coluna passada) a forma mais segura é consultar um egípcio ou um estudioso com muita experiência. Eu recomendo acompanhar os trabalhos de Gamal Seif (grande mestre egípcio) e Nilza Leão (bailarina e professora muito dedicada ao estudo do folclore árabe).

O povo sa’idi é muito orgulhoso de sua cultura e tradições, portanto essa altivez e respeito próprio precisam estar presentes na representação de danças sa’idi. Para ilustrar o que conversamos nessa coluna, temos o vídeo da dançarina e professora Nilza Leão se apresentando com um Raks El Assaya:

E de Gamal Seif com uma apresentação de tahtib:

 

* Nati Alfaya, dançarina árabe com 10 anos de estudo e prática, parte do grupo Caravana Lua do Oriente – Companhia de Danças Árabes, sediado em Londrina, Paraná, escreve sobre as danças árabes em suas diversas formas tendo um amor especial pelos folclores.

Outros textos de Nati Alfaya:
Nati Alfaya (textos e ensaios)

FacebookCaravana Lua do Oriente 


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