A favor do vento
Se ninguém se posicionasse contra a violência, contra a corrupção e contra outras tantas indignidades, viver seria ainda mais difícil do que normalmente é. Ser combativo é uma atitude necessária e exige bravura, coragem, empenho, espírito de luta. Meus aplausos e respeito a quem tem disposição para o enfrentamento.
Eu deixei de ter faz tempo. Lutei pelo o que eu queria lutar quando era garota e o saldo foi bom, mas parei de dar murro em ponta de faca e troquei de estratégia. Hoje, em vez de me posicionar contra isso e aquilo, em vez de ataques virulentos e muitas vezes quixotescos, prefiro viver de acordo com o que acredito que é certo. Funciona também, e desgasta menos.
Na esfera privada, não tento mais fazer ninguém mudar de ideia. Desisti de trazer para perto quem prefere ficar afastado. Não crio ilusão de que o que já se provou ineficaz um dia funcionará por obra do Espírito Santo. Não me fixo mais nos defeitos dos outros. Não perco a cabeça quando ouço asneiras (antes tinha vontade de sacudir a pessoa pelos ombros, fazendo seus cabelos voarem para frente e para trás como se fosse um boneco de pano).
Há muito que não espero que os outros ajam conforme eu gostaria. Não aguardo favores, elogios ou adesões. Não fico em estado de alerta para flagrar quando pisam na bola comigo – percebo quando pisam, mas procuro não estressar com isso. Nem sempre consigo ser tão magnânima, mas tento. E, por fim, perdoo. Não por ter parentesco em primeiro grau com Nossa Senhora, mas porque dá menos trabalho.
Lei do menor esforço, sim. Mas com resultados práticos muito favoráveis.
Agora escolho os caminhos menos tortuosos e as parcerias mais afetivas, sinceras e engraçadas. Se me fizer rir, está valendo. Digo não com a mesma facilidade com que digo sim: passei a ser 100% honesta em relação aos meus desejos, deixei de ser condescendente com o que não me satisfaz. Só tolero dificuldades que gerem algo positivo mais à frente. Cumpro tudo aquilo que eu exigiria dos outros se ainda tivesse disposição para fazer exigências. Agora só exijo de mim, e ainda assim, pouco.
A minha porção rigorosa e mesquinha existe, mas tenho educação suficiente para não exibi-la por aí. A minha parte canalha restrinjo aos meus pensamentos secretos. Sou do contra só quando contra mim. A briga é interna e não muito violenta: não me aplico golpes baixos. Meus demônios são inimigos adestrados.
No mais, sigo a favor do vento. Falo com clareza, faço escolhas condizentes com quem sou e facilito o que posso. Talvez, para alguns, uma vida sem tormentas diárias produza um vazio impossível de suportar. Cada um, cada qual. Eu joguei a toalha: o que não suporto mais nessa vida é peso.
– Crônica de Martha Medeiros, originalmente publicado na coluna da autora na Revista Donna, 20.12.2015.
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