Chega a notícia de que um casal de estrangeiros, nosso amigo, está se separando. Mais um! É tanta separação que um conhecido meu, que foi outro dia a um casamento grã-fino, me disse que, na hora de cumprimentar a noiva, teve a vontade idiota de lhe desejar felicidades “pelo seu primeiro casamento”.
E essas notícias de separação muito antes de sair nos jornais correm com uma velocidade espantosa. Alguém nos conta sob segredo de morte, e em três ou quatro dias percebemos que toda a cidade já sabe — e ninguém morre por causa disso.
Uns acham graça em um detalhe ou outro. Mas o que fica, no fim, é um ressaibo amargo — a ideia das aflições e melancolias desses casos.
Ah, os casais de antigamente! Como eram plácidos e sábios e felizes e serenos…
(Principalmente vistos de longe. E as angústias e renúncias, e as longas humilhações caladas? Conheci um casal de velhos bem velhinhos, que era doce ver — os dois sempre juntos, quietos, delicados. Ele a desprezava. Ela o odiava.)
Sim, direis, mas há os casos lindos de amor para toda a vida, a paixão que vira ternura e amizade. Acaso não acreditais nisso, detestável Braga, pessimista barato?
E eu vos direi que sim. Já me contaram, já vi. É bonito. Apenas não entendo bem por que sempre falamos de um caso assim com uma ponta de pena. (“Eles são tão unidos, coitados.”) De qualquer modo, é mesmo muito bonito; consola ver. Mas, como certos quadros, a gente deve olhar de uma certa distância.
“Eles se separaram” pode ser uma frase triste, e às vezes nem isso. “Estão se separando” é que é triste mesmo.
Adultério devia ser considerado palavra feia, já não digo pelo que exprime, mas porque é uma palavra feia. Concubina também. Concubinagem devia ser simplesmente riscada do dicionário; é horrível.
Mas do lado legal está a pior palavra: cônjuge. No dia em que uma mulher descobre que o homem, pelo simples fato de ser seu marido, é seu cônjuge, coitado dele.
Mas no meio de tudo isso, fora disso, através disso, apesar disso tudo — há o amor. Ele é como a lua, resiste a todos os sonetos e abençoa todos os pântanos.
Rio, setembro, 1957.
— Rubem Braga, no livro “Ai de ti, Copacabana”. Rio de Janeiro: Record, 2010.
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