sexta-feira, dezembro 27, 2024

Somos humanos, não máquinas! – Ágatha Abrahão

Neste mês de setembro, por ocasião da campanha de prevenção ao suicídio, um assunto super em voga é a depressão.  Penso ser valioso refletirmos sobre; não com o intuito de fornecer instrumentos para “auto diagnóstico” ou para que se consiga olhar pessoas próximas e determinar que estão deprimidas. Mas para tentarmos esvaziar, ainda que um pouco, o senso comum sobre adoecimentos psíquicos que é produzido através difusão de informações (nem sempre adequadas) pela internet.

Em primeiro lugar, é preciso marcar que tristeza e depressão não são a mesma coisa. É tão comum nos dias de hoje ouvirmos ou mesmo dizermos “oh, estou tão deprimido hoje!”, que o conceito de depressão acabou sendo banalizado. Não há nada de errado ou patológico em estarmos tristes e desanimados em meio aos problemas da vida, do trabalho ou em meio a mazelas causadas pelo amor.

A lógica capitalista e imediatista do bem viver faz com que não haja mais espaço para sentimentos e comportamentos que nos tornem, ainda que temporariamente, “improdutivos”. Tem que funcionar, tem que render!

Diante de queixas sobre a vida, diante de desabafos, diante da tristeza é muito comum ouvirmos de nossos amigos e pessoas próximas, coisas como “bola pra frente!”, “você precisa reagir”. Não há muito espaço para falta, não há, na atualidade, espaço para nenhum sentimento ou pensamento de natureza (como dizem os “good vibes” e as intervenções esvaziadas de saber consistente sobre o psiquismo) “tóxica”. Raiva não é bom, inveja não é bom, tristeza é atraso de vida e seguimos todos na lógica do “vida que segue”, sufocando nossas frustrações, tristezas e sofrimentos, enterrando tudo isso dentro da necessidade, do imperativo de funcionar.

Do ponto de vista psicanalítico, parece que a depressão é “sintoma” do mal estar da cultura, uma vez que o atual estado das coisas, a forma com que a sociedade funciona nos leva ao desamparo, a insegurança causados pelo individualismo. Nesse sentido, Joel Birman diz que os vínculos acabam sendo totalmente “narcísicos”, por conta da necessidade de corresponder a exigências estéticas e performáticas. Isso está ilustrado na aparência de sucesso que vemos todos os dias nos Instagram’s da vida, na banalização e distorção do conceito de resiliência, na ideia de sucesso a qualquer preço, desconsiderando ou negligenciando a angústia e suas raízes, como vemos em programas empreendidos por alguns coaches, por exemplo.

Jacques Hassoun diz que “o melancólico (podemos aqui equivaler este termo a “deprimido”) desenvolve a inquietação infinita e desesperada que a sociedade suscita nele, bem perto desse novo “mal estar na civilização”, aquele que responde irrisoriamente ao massacre com o humanitário…”. Pesado, não é mesmo? Mas essa citação diz muito bem sobre como as coisas acontecem na prática.

Deixando agora de lado a teoria, vamos aqui a algumas ideias úteis para quem não é profissional da área da Saúde Mental, ter guardadas no bolso nesses tempos de silenciamento das subjetividades e lançar mão sempre que necessário:

Em primeiro lugar, tudo bem ficar triste. Isso vale para nós mesmos e para quando formos olhar nossos queridos; em segundo lugar, ninguém aqui, não importa quantos textões de facebook tenha lido ou escrito, não importa qual a nossa religião e qual lugar ocupamos dentro da nossa prática religiosa, ou quantas presepadas de imersão de não sei quantas horas em não sei que técnica revolucionária de treinamento de sei lá qual área do cérebro, ninguém além de psicólogos e psiquiatras está habilitado para detectar, tratar de depressão ou intervir em momentos de crise quando pessoas estão com deprimidas e/ou com pensamentos suicidas.

Qual o caminho, então? Bom senso, meus queridos. E um pouquinho de sensibilidade também. Uma dose de empatia também ajuda! Quando aquele amigo que só reclama começar a falar pelos cotovelos, ou se isolar a ponto de causar preocupação, vamos procurar esquecer os textões “internéticos” que nos orientam a manter a distância de pessoas “tóxicas” que reclamam demais (isso se for alguém com quem nos importamos genuinamente, claro). Se a gente conseguir olhar com boa vontade para o sujeito por trás das reclamações ou do isolamento e respeitar o sofrimento dele, a gente consegue ter um comportamento minimamente acolhedor. Digo isso para as nossas relações como um todo, não apenas para o caso de suspeita de depressão. Se a preocupação for grande, se a natureza do discurso de pessoas próximas arranhar os ouvidos, não vamos cair na cilada de “deixar o inbox aberto para pipipipopopo”. O conselho mais certeiro que você pode dar é sugerir que ele procure ajuda psicológica, minha gente! É preciso transformar toda a dor que leva aquele comportamento que arranha os ouvidos dos amigos em palavra! E não vai ser inbox, não vai ser tomando um café ou uma cerveja, indo a sessões e cultos religiosos, “terapias alternativas” (coisas que podem ajudar o sujeito a se sentir acolhido, mas não têm nenhum valor terapêutico) que algum movimento no sentido de tratar aquele adoecimento será feito.

Essas ideias são tão somente, para carregarmos guardadas no bolso. Dica que está longe de pretender afirmar que somos, um a um e individualmente, responsáveis pela depressão dos nossos amigos e pessoas próximas, ou por “resolvê-la”. Eu as trago aqui com o intuito de contribuir para uma visão mais humana do sofrimento dos nossos companheiros de jornada nessa sociedade que tanto nos adoece, já que o contexto atual nos demanda “fazer algo com isso”. Precisamos saber nos posicionar diante do paradoxo que é “ter que fazer algo com isso” e respeitar as diferentes subjetividades, junto com nos posicionar, nos haver e nos apropriar de nossas próprias questões.

Diante da angústia, da falta, é preciso assumir uma posição auto implicada e conseguimos isso, como eu disse acima, pondo palavras nas coisas. Você se importa com alguém que “parece deprimido”? Dê a ele o colo que e se achar que deve, seja responsável, sugerindo que ele busque análise. Você está angustiado? Faça isso por você também!

Porque, como questiona lindamente a canção da banda “Francisco, el Hombre”: “Somos humanos ou máquinas?”. Somos humanos! E não precisamos de manutenção mecânica, mas de fala e escuta!  Aí, como a mesma música diz: “Tomé en tus manos tu corazón, y se vá abrir como una flor”.

***Como vivemos numa sociedade desigual, sabemos que nem todos temos recursos financeiros para arcar com psicoterapia, que infelizmente a rede pública não da conta de toda a demanda, ainda mais em lugares onde as verbas para saúde mental e assistência social são escassas.  Então, caso você queira para si ou para recomendar a alguém, as universidades de psicologia dispõem de clínicas sociais com atendimento gratuito ou a preço simbólico. Existem ainda clínicas e profissionais que realizam atendimento a valores reduzidos e existem muitas páginas nas redes sociais fazendo a divulgação deste tipo de trabalho.***

*Ágatha Abrahão, psicóloga clínica (adultos e crianças) de orientação psicanalítica, especialista em Psicanálise com crianças, apaixonada por psicologia social e garantia de direitos; Colunista da Revista  Prosa, Verso e Arte; Viciada em aroma de lavanda, amante incondicional de pizza e fã de Caetano.


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